O funcionalismo na teoria das organizações: contribuições, dominação, poder e interesse

AutorVilmar Tondolo
Páginas139-152

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1 Introdução

O paradigma funcionalista1 representa a lógica positivista de que a sociedade e as organizações são concretas e reais, representando um sistema orientado para a ordem e a regulação (MORGAN, 2005). As características gerais do paradigma funcionalista são: ontologia, visão realista-aristotélica, ver o mundo como real e concreto; epistemologia, conhecimento construído via lógica positivista, baseando-se na racionalidade hipotética-dedutiva; natureza humana, baseada no determinismo do natural em relação ao homem; e, metodologia, nomotética, baseando-se nos métodos positivistas do pesquisador como outsider, por meio de protocolos, constructos, visando a generalização.

Tendo em vista a contribuição de Burrel e Morgan (1998) o objetivo deste ensaio teórico é discutir o papel do paradigma funcionalista nos estudos organizacionais. Bem como, este ensaio pode contribuir ao acadêmico do curso de administração na busca pelo entendimento da evolução do pensamento e as abordagens dominantes nos estudos organizacionais.

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2 O paradigma funcionalista na teoria das organizações

O paradigma funcionalista representa o framework dominante nos estudos sociológicos e nos estudos organizacionais (BURREL e MORGAN, 1998). O paradigma funcionalista, dominante no desenvolvimento dos estudos organizacionais, sendo a visão positivista, a lente da grande maioria dos pesquisadores. Nos últimos tempos, com a introdução de outras abordagens de pesquisa, como a construtivista, o paradigma funcionalista/positivista perdeu parte de sua força, mas permanece com significativa influência nos estudos organizacionais (REED, 1999).

A predominância do paradigma funcionalista nos estudos organizacionais não ocorreu por acaso. Tal predominância seguiu o modelo de ciência normal vigente no contexto dos pioneiros estudos do campo, bem como, o contexto lógico do pensamento Anlgo-Saxão e Norte-Americano.

Dos quatro paradigmas nos estudos organizacionais, o paradigma funcionalista, além de ser historicamente o dominante, é o paradigma que está mais voltado à visão objetivista da teoria da ciência, bem como da visão de sociológica da regulação. Dentro desse paradigma, podem-se identificar quatro perspectivas teóricas nos estudos organizacionais (BURREL e MORGAN, 1998): objetivismo e teoria dos sistemas sociais; estrutura de referência da ação; teorias das disfunções da burocracia; e, teoria pluralista.

O objetivismo e a teoria dos sistemas sociais são as abordagens dominantes nos estudos organizacionais. Dentro do paradigma funcionalista, essas duas abordagens representam a visão puramente positivista. Os pioneiros estudos da teoria das organizações, como: as teorias clássicas do gerenciamento (Taylor e Fayol) e Psicologia Industrial (Estudos de Hawthorne) além de serem os primeiros estudos da teoria das organizções, representam também o desenvolvimento do campo de estudo com base no paradigma funcionalista/positivista. Ambos os estudos representam a forma mais clara de abordar os problemas organizacionais de forma objetiva e determinista, métodos que ainda continuam sendo protocolados por pesquisadores que tendem a prescrever regras e princípios às organizações (BURREL e MORGAN).

A administração científica, representada por Taylor, delimitou-se a meticulosa análise das tarefas, visando solucionar o problema da eficiência com a aplicação de uma abordagem ainda não utilizada, o método científico. Essas características do estudo de Taylor representam a visão objetivista na teoria das organizações (BURREL e MORGAN, 1998).

Mesmo considerado um dos primeiros estudos na teoria das organizações, não se pode desconsiderar a sua influência passada e atual. Estudos que visam encontrar soluções para problemas de eficiência, baseadas na lógica da racionalidade, representam de certa forma, o emprego da abordagem objeti-Page 141vista nos dias de hoje. Como exemplo, estudos de em gestão da produção, de operações e logística, baseados em modelos de pesquisa operacional podem representar a utilização da abordagem objetivista atualmente.

Além dos estudos Taylor, os estudos de Fayol e da psicologia industrial também representam a abordagem objetivista na teoria das organizações. Apesar das diferenças entre os estudos, ambos abordam os problemas organizacionais como sendo fenômenos naturais, concretos e reais. Nessa perspectiva, visa-se sistematizar o estudo, buscando as relações de causa e efeito, com o intuído de elaborar leis, princípios e generalizações (BURREL e MORGAN, 1998).

Os experimentos de Hawthorne apresentaram um maior grau de complexidade em relação aos estudos anteriores. Os experimentos de Hawthorne introduziram a noção de sistema social, sendo o primeiro estudo a considerar o fator social nas organizações. Porém, os experimentos estavam concentrados na identificação de relações de causa efeito de fatores físicos na eficiência do trabalho. Tal foco representa a abordagem objetivista dos experimentos de Hawthorne (BURREL e MORGAN, 1998).

A complexidade em identificar as relações de causa e efeito tornou-se crescente nos experimentos de Hawthorne, movendo o interesse dos pesquisadores ao entendimento dos fatores sociais. Os experimentos de Hawthorne, influenciados pela sociologia de Durkheim e de Pareto, buscaram conduzir o estudo isolando fatores, medindo variáveis passíveis de quantificação, e tentando criar um ambiente de experimentação hermético, sem possibilidades de influências externas e psicológicas. Essas tentativas representaram a lógica positivista presente nos experimentos, bem como, a visão da organização como sistema fechado. A sociedade é vista como um sistema unitário baseado na ordem/equilíbrio, na qual o indivíduo é apenas um coadjuvante nesse processo (BURREL e MORGAN, 1998; HOMANS, 1977).

A visão de homem como recurso humano, em contraposição à visão de homem como agente de transformação, pode ser entendida como relacionada à lógica dos experimentos de Hawthorne. Por exemplo, pode-se destacar a avaliação de desempenho no trabalho. Em muitas organizações a avaliação de desempenho é utilizada como fator de remuneração, permanência na empresa e ascensão na organização. Bem como, utiliza-se instrumentos quantitativos na tentativa de avaliar aspectos subjetivos dos indivíduos. Esse uso da avaliação de desempenho traduz uma visão de homem como recurso da organização, que pode ser quantificado em termos e desempenho e alcance de metas quantitativas, representando de certa forma a lógica unilateral e servil do indivíduo à organização, tais como nos experimentos de Hawthorne.

Estudos concentrados na identificação dos fatores determinantes da satisfação e sua relação na performance do trabalho representam a utilização da lógica objetivista empregada nos estudos da psicologia industrial. Estudos de Hoppock, Herzbeg e Maslow são alguns exemplos do retorno ao objetivismo pós-Hawthorne (BURREL e MORGAN, 1998). Esses estudos exercem significativa influência em temas como satisfação e motivação no trabalho, pla-Page 142nos de benefícios e motivação de compra, continuamente empregados nas organizações.

Os experimentos de Hawthorne representaram um avanço na teoria das organizações, influenciando diversos estudos, principalmente na abordagem dos sistemas nos estudos organizacionais. A partir dos anos 50 do século passado o então chamado sistema sócio-técnico foi difundido pelos membros do Instituto Tavistock. Esse termo passou a representar a interação entre fatores sociais e tecnológicos nos sistemas de produção. Assim como nos experimentos de Hawthorne, os estudos de Tavistock possuíam uma visão de sistema no modelo de equilíbrio, ou seja, sistema fechado. O sistema sócio-técnico de Tavistok teve um papel central no reconhecimento de que o trabalho e a organização, além de fatores tecnológicos, também possuem fatores sociais e psicológicos. A percepção de sistema sóciotécnico foi posteriormente desenvolvida, principalmente, nos estudos de desenho do trabalho, após os anos 60 do século passado, como exemplo nos...

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