Fundamentos teóricos para o debate crítico-dialético sobre questão social, Serviço Social e gestão democrática/Theoretical foundations for the critical-dialectical debate on social issues, social work, and democratic management.

AutorMoreira, Carlos Felipe Nunes
CargoARTIGO

Introdução

A premissa teórica que embasa este artigo reside no entendimento de que o fundamento ontológico do debate sobre a democratização das polÃÂticas sociais se localiza na relação orgânica entre polÃÂtica e economia, na qual a socialização do poder polÃÂtico constitui mediação central. Nessa esteira, a concentração do poder polÃÂtico no âmbito da polÃÂtica social no Brasil--com particularidades em cada polÃÂtica setorial--constitui uma manifestação da questão social, expressando determinado estágio de disputa das formas de gestão estratégica organizadas pelo Estado. Tal demarcação teórica insere o debate da gestão democrática, incontornavelmente, no plano da luta de classes que se opera no capitalismo e atribui àquestão social uma função de transversalidade junto àrelação entre democratização das polÃÂticas sociais e Serviço Social.

A garantia de uma gestão democrática nas polÃÂticas sociais é um compromisso de assistentes sociais previsto no seu Código de Ética em vigor. As formas como tais profissionais compreendem e buscam efetivar a democratização da gestão junto às diversas polÃÂticas têm relação ÃÂntima com as interpretações que fazem acerca da categoria democracia. E o próprio código informa qual a perspectiva teórico-polÃÂtica que o projeto profissional hegemônico do Serviço Social sustenta sobre a concepção de democracia: um processo necessariamente vinculado àconstrução de uma nova ordem societária e mediado, pari passu, pela socialização da participação polÃÂtica e da riqueza socialmente produzida (CFESS, 2012).

No sentido de adensar certas mediações indispensáveis que interligam democracia/gestão democrática/Serviço Social, este breve artigo se propõe a ofertar subsÃÂdios de fundamento teórico para uma análise crÃÂticodialética da supracitada trÃÂade, centralmente a partir do debate sobre a categoria questão social. Assim, este ensaio representa um esforço de ampliação --agora para o conjunto geral das polÃÂticas sociais--daquilo já consolidado setorialmente na tese intitulada Trabalho, educação e democracia: tendências do debate sobre democratização da polÃÂtica educacional brasileira nos últimos trinta anos, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (área de concentração: trabalho e polÃÂtica social), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no final de novembro de 2018.

Desenvolvimento

As sequelas da exploração da força de trabalho e as formas de controle polÃÂtico-econômico a que as classes subalternas estão submetidas têm relação intrÃÂnseca com a questão social. Por esse prisma, a abordagem crÃÂtico-dialética das estruturas de produção e de reprodução do sistema do capital e suas relações com o Estado constituem uma mediação fundamental para compreender dados desafios na gestão democrática enquanto preocupação da intervenção profissional de assistentes sociais.

Apresenta-se aqui como basilar a interpretação teórica acerca do Estado que o compreende como elemento indispensável ao sustento das sociedades de classes e de suas relações sociais. Em Marx, o Estado capitalista tem a função de garantir a manutenção da supremacia burguesa, seja criando as condições necessárias para a acumulação ampliada do capital, seja controlando as ameaças--maduras ou ainda em gestação--que as classes trabalhadoras impõem àordem social vigente, seja ainda difundindo a ideologia hegemônica para o conjunto da sociedade.

O Estado burguês, ao comportar diferenciados regimes polÃÂticos (monarquias, repúblicas democráticas, ditaduras de viés fascista ou bonapartista), é capaz de se adequar tanto àdemocracia liberal com seus partidos polÃÂticos e representações parlamentares das distintas classes sociais, como ajustar-se a regimes sem qualquer tipo de liberdade. Independente da conformação, seu caráter de classe permanece burguês. Assim, o Estado no capitalismo, por meio da coerção e do consenso e independentemente do regime polÃÂtico em curso, é peça-chave para a conservação da ordem social em sua totalidade.

De acordo com Mandel (1982), as funções repressivas e integradoras do Estado se misturam para afiançar as condições gerais de produção. Tal compreensão é convergente com a proposição gramsciana de Estado integral, no qual sua formulação articula dialeticamente sociedade polÃÂtica e sociedade civil, sendo a hegemonia couraçada pela coerção (GRAMSCI, 2007).

Tomando como fundamento teórico o marxismo, compreende-se por questão social o fenômeno da relação contraditória e interdependente entre capital e trabalho. A partir da fase do capitalismo industrial, qualquer forma histórica encontrada pelo Estado para intervir junto às múltiplas resultantes do binômio capital-trabalho tem um elemento comum, produto dessa relação: a questão social. E, para a problematização acerca da gestão democrática das polÃÂticas sociais, a questão social ganha maior relevo devido às formas impositivas com as quais o Estado (e aqui em especial o brasileiro) historicamente trata as expressões de tal fenômeno.

Como é sabido, a questão social tem sua gênese conceitual vinculada ao pauperismo e desenvolvida por filantropos e crÃÂticos da sociedade europeia ocidental, na primeira metade do século XIX. A partir da segunda metade daquele século, o termo questão social passa paulatinamente a compor o arcabouço polÃÂtico do pensamento conservador, perdendo no âmbito interpretativo seu caráter histórico e passando a ser tida como natural (1). Desse modo, ela era encarada (e hegemonicamente ainda é, tanto no plano da sociedade civil como nas variadas formas concretas de seu enfrentamento via polÃÂticas públicas) como algo que deve ser amenizado, colocada na esfera da reforma moral do homem e da sociedade, sem causar ameaça aos elementos estruturantes da sociedade de classes.

Não faz parte do escopo deste texto o aprofundamento do debate histórico sobre questão social. O mais caro aqui é identificar que é a classe operária organizada, ao ingressar no cenário polÃÂtico e posterior amadurecimento teórico, que vai atribuir novo sentido ético-polÃÂtico àquestão social e exigir seu reconhecimento por parte do Estado. Se por um lado o termo questão social não fora utilizado por Marx, por outro o que se designa como questão social na tradição marxista tem seus fundamentos--compreendidos a partir da obra marxiana--na dimensão ontológica do trabalho. Iamamoto desenvolve uma consistente definição do termo:

Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades sociais da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada...

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