O genocidio da juventude negra brasileira: luta pelo direito a vida e o Servico Social/The genocide of black Brazilian youth: struggle for the right to life and Social Work.

AutorJuliano, Dayana Christina Ramos de Souza
CargoREVISTA EM PAUTA - Report

Introducao

Neste artigo, nos debrucamos sobre a negacao do direito a vida, mais especificamente sobre o genocidio da juventude negra no Brasil. Esse fenomeno e denunciado ha pelo menos quatro decadas nas agendas politicas de movimentos sociais, em especial dos movimentos sociais negros, bem como de instituicoes e organizacoes nacionais e internacionais voltadas a garantia, defesa e promocao dos direitos humanos no Brasil. Alem disso, nos limites aqui estabelecidos, apontamos a urgencia para o seu enfrentamento, enfatizando a pertinencia do Servico Social nesse processo.

Dentre os diversos casos de genocidio que marcam a historia da populacao negra no pais, destacamos o assassinato de cinco jovens no bairro Costa Barros, na Cidade do Rio de Janeiro, em 2015, fato que ficou conhecido como a "Chacina de Costa Barros". O mesmo continua sendo um caso de grande repercussao e ainda gera comocao, indignacao e mobilizacao social em prol da vida de homens jovens negros brasileiros. Porem, mesmo reconhecendo a dificuldade analitica em lidar com o tema e as nuances de violencia explicitas nesse episodio, pretendemos lancar mao do estudo de caso como ferramenta metodologica.

Para o Servico Social brasileiro, enquanto categoria profissional e intelectual que tem compromissos eticos e politicos indissociaveis dos valores apregoados pelos direitos humanos (1) , esse cenario de violencia na dinamica da realidade brasileira, que esculpe a letalidade para a juventude negra brasileira, e merecedor de atencao. Nao e leviano afirmar que as situacoes que permeiam o genocidio da juventude negra - relacoes de poder, como pobreza, racismo, sexismo, violencia institucional e urbana, entre outras - sao elementos presentes nos mais variados espacos socioocupacionais e no cotidiano desta categoria.

As reflexoes apresentadas aqui nao sao definitivas e nem tem a pretensao de esgotar as possibilidades do tema, mas fazem parte de um processo pessoal, profissional e ativista que se da de maneira continua nos estudos sobre o Servico Social e as relacoes etnico-raciais no Brasil. Sendo assim, a organizacao deste artigo deu-se como Trabalho de Conclusao de Curso de Especializacao Lato Sensu em Politicas Sociais e Intersetorialidade do Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz), no ano de 2018, e no desenvolvimento do projeto de pesquisa Insurgencias negras e a negacao do direito a vida: trajetorias politicas de mulheres frente ao genocidio da juventude negra do luto a luta!, no curso de mestrado do Programa de Pos-Graduacao em Servico Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a concluir-se no ano de 2020.

Notas e dados sobre o genocidio da juventude negra no Brasil

O genocidio sistematico do povo negro tem inicio no seculo XVI com o sequestro dos povos africanos, seguido da escravidao negra nas Americas e de todo o processo de formacao historico, social e politico de colonizacao intrinseco a formacao social dos paises entao colonizados. O termo "genocidio da juventude negra" e utilizado para abordar a violencia que atinge os jovens negros de forma letal. Entendemos que as relacoes desiguais de raca (2) e classe interferem diretamente nas condicoes de vida e sociabilidade de um determinado segmento populacional, ou seja, homens jovens negros (3) , em sua maioria moradores de favelas e das periferias brasileiras. Essa forma especifica de expressao da violencia rompe com um direito fundamental, que e o direito a vida, tendo implicacoes na morte sistematica dos jovens negros brasileiros.

Ao nos debrucarmos sobre o genocidio da juventude negra brasileira, nos deparamos com um tipo de violencia institucionalizada e operacionalizada, tambem pelo Estado. Este, ao inves de assegurar e garantir direitos, promove, atraves de suas acoes destinadas a politica de seguranca publica, um verdadeiro exterminio em que muitas vidas sao extintas. Neste cenario no qual o Estado se exime de garantir direitos, o que de fato ocorre e a restricao desses, e a juventude negra e afetada de maneira singular pela negacao de diversos direitos, a citar: educacao, saude, cultura, livre circulacao e acesso a cidade.

No Brasil, um dos entraves que ainda precisamos transpor no campo teorico, ideologico e pratico para as investidas de enfrentamento ao racismo, discriminacao, desigualdade e preconceito racial e o mito da democracia racial. Como consta em Lopes (2004, p. 214), trata-se da:

Expressao sob a qual se aninha a falsa ideia da inexistencia de racismo na sociedade brasileira. Construida a partir da ideologia do luso-tropicalismo, procura fazer crer que, gracas a um escravismo brando que teria sido praticado pelos portugueses, as relacoes entre brancos e negros, no Brasil, seriam, em regra, cordiais.

Contrariando as investidas da dita "democracia racial", os indicadores sociais nao deixam lacunas para analises e avaliacoes que descartem o racismo como elemento determinante nas condicoes de vida de jovens negros. Expoe-se, assim, que o racismo e um elemento fundamental para compreender a questao social no Brasil e suas relacoes sociais, estruturalmente assimetricas e desiguais.

E pertinente registrar que vivenciamos dinamicas sociais regidas pelos principios do neoliberalismo, que se traduz na retirada de direitos sociais e no distanciamento do Estado promotor de bem-estar social. No Brasil, essa proposta se cristaliza nos anos 1990, simultaneamente com as tentativas de se fazerem efetivar as conquistas sociais regulamentadas na Constituicao Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

Esse panorama nos remete ao que Achille Mbembe (2003) chama de necropolitica. O filosofo camarones apresenta essa tese a partir de analise critica dos fenomenos de violencia e mortes sistematicas, que estao no ambito das acoes do Estado. Segundo Mbembe (2003), atraves da alianca do sistema capitalista, de seus modos de producao e de reproducao das relacoes sociais, e da doutrina neoliberal, ocorre o desmonte das politicas sociais e o declinio e retirada de direitos sociais, reverberando na criminalizacao da pobreza atraves de politicas de seguranca publica midiatizadas como "guerra as drogas". Para ele, tal fato se reflete, tambem, na barbarie e na violencia racial.

Em se tratando de educacao, cujo acesso e um direito essencial para a promocao da cidadania e elemento que apresenta um visivel impacto nas condicoes gerais de vida da populacao, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios (PNAD), referente ao ano de 2009, revela os imperativos das desigualdades de genero e raca, haja vista que os homens negros ocupam as posicoes que apresentam os menores indices em relacao a acesso, deficit idade e serie, evasao escolar e tempo de escolarizacao (IBGE, 2009).

Em termos de mercado de trabalho, o documento, organizado e publicado pelo IBGE...

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