Gestão do trabalho: equipes do Suas no contexto neoliberal/Work management: SUAS teams in the neoliberal context.

AutorSilva da Rosa, Alene
CargoARTIGO

Introdução

Consideramos como avanços as conquistas no campo dos direitos sociais, advindas do processo de redemocratização brasileira, através da promulgação da "Constituição Cidadã" em 1988. Porém, corroboramos com a afirmação de Boschetti e Teixeira (2019), de que desde o seu cerne esses avanços foram implodidos pelas políticas contrarreformistas dos governos neoliberais que assumiram o Brasil desde os anos 1990, entre estes, os de Lula e Dilma, ainda que em algumas medidas tenham melhorado parcialmente a vida de parcelas da classe trabalhadora. A respeito desta política neoliberal, Dardot e Laval (2016, p. 190) irão pontuar que "tem como principal característica o fato de alterar radicalmente o modo de exercício do poder governamental, e também revelam uma subordinação a certo tipo de racionalidade política e social articulada à globalização e à financeirização do capitalismo".

É nesse contexto que a política de assistência social trilha o seu caminho, resistindo a um processo agressivo de ataques e desmontes dos direitos sociais (privatizações e mercadorização), de políticas de ajuste fiscal e de parco financiamento das políticas sociais, além de enfrentar seus próprios fantasmas, tais como superar os traços conservadores e assistencialistas que a acompanham no seu percurso histórico; se afirmar enquanto direito social e política pública; bem como desvincular-se da centralidade e exclusividade que lhe é dada no combate à pobreza e à desigualdade social. Essas questões impactam profundamente a sua execução e gestão, como trataremos ao longo do texto.

Com vistas a subsidiar o debate sobre estas áreas no contexto de transição de governo, decorrente do impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (em setembro de 2016), para o de Michel Temer (set. 2016/dez. 2018), este artigo busca apresentar elementos da realidade da gestão do trabalho de três municípios (1) que compuseram a pesquisa, (2) a qual forneceu as informações e os dados das reflexões aqui elencadas acerca dos impactos sofridos na composição das equipes de trabalho do SUAS, especificamente dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras).

A pesquisa se caracteriza como um importante instrumento investigativo da realidade. Logo, torna-se um instrumento potencial para retomar o lugar da política de assistência social no campo da proteção social brasileira. Tais aspectos apresentam a complexidade que permeia o debate tecido a respeito da gestão do trabalho no SUAS e da necessidade de aprofundar o conhecimento, tendo como base os dados da realidade social em nível municipal.

Política de assistência social: o caminho até a consolidação do Suas

A conformação da assistência social como política pública está demarcada pela Constituição Federal brasileira de 1988 enquanto integrante do tripé da seguridade social, conjuntamente com a saúde e a previdência social, sendo regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas, Lei no. 8.742/1993). Para que se chegasse ao status atual, um longo caminho vem sendo percorrido, envolvendo discussões, divergências e mobilização de diferentes entidades e segmentos.

Essa arena de tensões e disputas não ocorre exclusivamente em relação à política de assistência social, mas no contexto brasileiro como um todo (econômico, social, político). O Brasil da década de 1980 vivenciava um processo de derruição da ditadura militar e de retomada do Estado democrático de direito. Segundo Behring e Boschetti (2011), se analisarmos esse período do ponto de vista econômico, os anos de 1980 são conhecidos como a década perdida, ainda que por outro ângulo sejam também reconhecidos como o período de conquistas democráticas advindas das lutas sociais.

Segundo Boschetti e Teixeira (2019), são inegáveis os avanços que a instituição, no Brasil, de um amplo sistema de seguridade social representa, principalmente se comparado aos anos anteriores, em que o país, assim como outros da América Latina, vivenciava uma ditadura militar. Ainda assim, é necessário que se pontue que, desde o início, o sistema de proteção social brasileiro foi alvo de ataques e implodido pelas políticas contrarreformistas dos governos neoliberais. Sobre esse contexto, Behring e Boschetti (2011, p. 141-142) afirmam:

[...] a Constituinte foi um processo duro de mobilizações e contra mobilizações de projetos e interesses mais específicos, configurando campos específicos de forças. O texto constitucional refletiu a disputa de hegemonia, contemplando avanços em alguns aspectos, a exemplo dos direitos sociais, com destaque para a seguridade social, os direitos humanos e políticos, pelo que mereceu a caracterização de 'Constituição Cidadã', de Ulisses Guimarães. Mas manteve fortes traços conservadores, como ausência de enfrentamento da militarização do poder do Brasil (as propostas de construção de um Ministério da Defesa e do fim do serviço militar obrigatório foram derrotadas, dentre outras), a manutenção de prerrogativas do Executivo, como as medidas provisórias, e na ordem econômica. No que se refere à política de assistência social, como sugere Crus (2014, p. 15), com todos os avanços conquistados com a implantação do SUAS, ainda "convivemos com as características do modelo assistencialista que perduraram séculos no nosso país". Couto, Yazbeck e Raichelis (2017) afirmam que a assistência social ainda carrega consigo as décadas em que esteve apoiada na matriz do favor, do clientelismo, do apadrinhamento e do mando, pois é historicamente renegada à não política. Behring (2016) irá pontuar que no Brasil, desde 2004, estamos diante de um grande paradoxo em relação à política de assistência social, ou seja, com importantes avanços institucionais (especialmente a instituição do SUAS e do Cras), bem como com normas e orientações técnicas com nítido DNA conservador.

O terreno de disputas onde acontece a construção da política de assistência social é, segundo Gutierres (2019), o espaço no qual convivem concepções divergentes que estão em permanente tensão, sendo ao mesmo tempo uma compreensão arraigada na histórica origem de filantropia, por meio da execução de ações emergências e pontuais. Por outro lado, configurase como uma luta por uma política pública de direito, que se assenta no ideário de cidadania ampliada, articulada através da responsabilização do Estado e da participação social, e materializada nos conselhos (nacional, estadual e municipal) de assistência social.

A constituição dos conselhos e, consequentemente, a realização das conferências municipais, estaduais e nacionais demonstram a importância da participação social e da construção coletiva para o avanço na consolidação da assistência social nos anos seguintes. Conforme afirmação de Couto (2006), as deliberações das conferências realizadas entre os anos de 1993 e 2004 indicavam a necessidade de construir um sistema único para a política de assistência social. Esse sistema seria materializado no ano de 2005, após um árduo trabalho de pactuação, que culminou na aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), na Norma Operacional Básica (NOB) e no Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Toda a institucionalização do Suas demonstra uma ampliação dos equipamentos dos Centros de Referência em Assistência Social (Cras), dos Centros Especializados de Referência em Assistência Social (Creas), das instituições de longa permanência para idosos e idosas (Ilpis), das casas de acolhida para crianças e adolescentes, dos centros POP e de demais serviços vinculados a estes equipamentos. Segundo Januzzi (2011), na primeira aplicação do Censo SUAS, no ano de 2007, foram cadastrados 4.195 Cras; já em 2020, segundo o Relatório de Informações Sociais do Ministério da Cidadania, o Brasil contava com 8.488 Cras ativos, ou seja, em 13 anos houve um aumento de 102% em equipamentos que ofertam a proteção social básica nos municípios brasileiros.

Apesar dessa significativa e visível expansão em questão de estrutura e...

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