O grande questionamento constitucional do FGTS

AutorDaiane Luizetti
Páginas35-51

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3. 1 Da necessidade de correção monetária como instituto constitucional, inerente ao direito de propriedade dos créditos de FGTS

Para fixar é sabido que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço- FGTS foi criado pela Lei Federal nº 5.107/1966 com o objetivo principal de proteger os empregados demitidos sem justa causa, sendo uma forma de substituição à estabilidade decenal que era trazida na Consolidação das Leis do Trabalho- CLT.

Em 1988 foi promulgada a nova Constituição Federal, havendo assim uma universalização do FGTS, de modo que todos os empregadores estão obrigados por lei federal, a depositar, até dia 07 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8% (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador.

Ressalta-se que a Lei que regulamente atualmente o FGTS é a Lei Federal nº 8.036/1990. Esse diploma estabelece as hipóteses em que pode haver saque da consta

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vinculado, por parte do empregado ou, em caso de falecimento, por seus sucessores. Sendo assim, é sabido que o titular das contas vinculadas do FGTS é o empregado.

Ora, porquanto propriedade do trabalhador - ainda que sujeita a hipóteses específicas de disponibilidade - e ainda considerando a sua natureza de verdadeiro pecúlio constitucional, impõe-se a preservação da expressão econô-mica dos depósitos de FGTS ao longo do tempo diante da inflação, diante do núcleo essencial do artigo 5º, XXII da CF/ 1988, consoante recentemente pacificado pelo Supremo Tribunal Superior- STF (ADI’s nº 4357, 4372, 4400 e 44251) e do artigo 7º, III, também da CF/1988.

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Desta forma a titulo de cumprimento da referida garantia constitucional, o Legislador Federal editou o artigo 13, caput, da Lei nº8.036/1990 e o artigo, caput, da Lei nº8.177/1991, os quais determinam a incidência da Taxa Referencial (TR) - atual taxa de atualização da poupança - a titulo de correção monetária dos depósitos do FGTS.

No entanto, tal como pacificado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal-STF (ADI’s nº4357, 4372, 4400

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e 4425), a TR não pode ser utilizada para fins de atualização monetária, por não refletir o processo inflacionário brasileiro.

Isso porque a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário e obtido de forma ex post, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), tal qual é a Taxa Referencial - como será detalhado a seguir -, de modo que o meio escolhido pelo legislador federal (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).

É bem verdade que, quando do seu surgimento, esta inconstitucionalidade não produziu malefícios imediatos aos trabalhadores, pois, no inicio da década de 1990, a TR se aproximava ao índice inflacionário.

No entanto, a referida Taxa Referencial apresentou defasagem a partir do ano de 1999, devido a alterações realizadas pelo Banco Central do Brasil. E mais: esta defasagem só se agrava com o decorrer do tempo, diante da constante redução da SELIC, a taxa básica de juros.

Destarte, desde 1999, criou-se um quadro de esvaziamento não só formal, mas também material da garantia constitucional de propriedade dos titulares de contas do FGTS. Pode-se até afirmar que há, hoje, uma agressão ao núcleo essencial do próprio Fundo de Garantia, direito social de todos os empregados, repita-se desde 1998.

E mais: não se pode perder e vista que, aplicado índice inferior à inflação, a CAIXA ECONOMICA FEDERAL, como

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este gestor do Fundo, se apropria da diferença, o que claramente contraria a moralidade administrativa do artigo 37, caput, da CF/1988.

Discorrendo em sede doutrinaria sobre o direito constitucional de propriedade e alteração de padrão monetário Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes leciona:

"Constitui autentico truísmo ressaltar que, hodiernamente, coexistem, lado a lado, o valor da moeda, conferido pelo Estado, e o valor de troca interno e externo. Enquanto o valor nominal da moeda se mostra inalterável, salvo decisão em contrário do próprio Estado, o seu valor de troca sofre alterações intrínsecas em virtude do processo inflacionário ou de outros fatores que influem na sua relação com outros padrões monetários. (...)

A amplitude conferida modernamente ao conceito constitucional de propriedade e a ideia de que os valores de índole patrimonial, inclusive depósitos bancários e outros direitos análogos, são abrangidos por essa garantia estão a exigir, efetivamente, que eventual alteração do padrão monetário seja contemplada, igualmente, como problema concernente à garantia constitucional da propriedade."2Dessa forma, como deixa claro nosso ilustre ministro, o direito patrimonial "dinheiro" significa fundamentalmente o

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poder de compra, e inevitavelmente ao reconhecer a garantia constitucional de propriedade que se pretende nessas ações é assegurar a essas posições patrimoniais há de alcançar a evidente e necessária moeda de troca (valor).

Cumpre destacar também o ultimo julgado mencionado neste capitulo, ADI 4425, convém transcrever o seguinte trecho do voto do seu Nobre Relator Originário, Exmo. Ministro Ayres Britto:3

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"Insurgência, a meu ver, que é de ser acolhida quanto a utilização do "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança" para a atualização monetária dos débitos inscritos em precatório. E que a correção monetária, consoante já defendi em artigo doutrinário, é instituto jurídico-constitucional, porque tema especifico ou própria matéria de algumas normas figurantes do nosso Magno Texto, tracejadoras de um peculiar regime jurídico para ela. Instituto que tem o pagamento em dinheiro como fato-condição de sua incidência e, como objeto a agravação quantitativa desse mesmo pagamento.

Agravação, porém, que não corresponde a uma sobrepaga, no sentido de construir obrigação nova que se adiciona à primeira, com fito de favorecer uma das partes da relação jurídica e desfavorecer a outra. Não é isso. Ao menos no plano dos fins a que visa a Constituição, na matéria, ninguém enriquece e ninguém empobrece por efeito da correção monetária, porque a dívida que tem o seu valor nominal atualizando ainda é a mesma dívida.

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Sendo assim, impõe-se a compreensão de que, com a correção monetária, a Constituição manda que as coisas mudem..., para que nada mude; quero dizer: o objetivo constitucional é mudar o valor nominal de uma dada obrigação de pagamento em dinheiro, para que essa mesma obrigação de pagamento em dinheiro não mude quanto ao seu valor real. É ainda inferir: a correção monetária é instrumento de preservação do valor real de um determinado bem, constitucionalmente protegido e redutível à pecúnia.

Valor real a preservar que é sinônimo de poder de compra ou "poder aquisitivo", tal como se vê na redação do inciso IV do artigo 7º da CF, atinente ao instituto do salario mínimo. E se se colocou assim na aplainada tela da Constituição a imagem de um poder aquisitivo a resguardar, é porque a expressão financeira do bem juridicamente protegido passa a experimentar, com o tempo, uma deterioração ou perda de substancia, por efeito, obviamente, do fato de substância, por efeito, obviamente, do fato econômico genérico a que se dá o nome de "inflação".

Daí porque deixar de assegurar a continuidade desse valor real é, no fim das contas, desequilibrar a equação econômico-financeira entre devedor e credor de uma dada obrigação...

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