Grupos empresariais e reforma trabalhista

AutorAna Frazão
Páginas21-25

Page 21

Ver Nota1

1. Introdução

O franco desenvolvimento das formas de organização empresarial traz desafios cada vez mais complexos para os mais diversos ramos do direito, seja no que tange à governança de relações sofisticadas entre agentes econômicos, seja no que diz respeito à responsabilização desses sujeitos perante terceiros. O exercício do poder empresarial, tendo em vista sua natureza dinâmica, adquire formatos diversos no intuito de abarcar novos modelos de negócio e de gestão, de maneira a estruturar intrincados laços interempresariais nos quais tanto se pode estabelecer vínculo entre agentes que mantêm a sua autonomia, como se submeter várias sociedades empresárias a uma fonte central de comando.

Na verdade, a própria noção de sociedade empresária tem adquirido novos contornos em virtude da substituição da organização da atividade econômica por agentes isolados, tal qual átomos, pela chamada “empresa plurissocietária”, estruturada de maneira molecular. Os grupos societários, nesse sentido, têm adquirido importância cada vez mais significativa, na medida em que as ideias de empresa e empresário não estão adstritas ao conceito de personalidade jurídica, podendo inclusive transcender a personalidade individual de cada um dos integrantes do grupo.

É essencial, portanto, que o direito conte com instrumentos para que os verdadeiros titulares do poder empresarial, especialmente nos grupos, possam assumir as responsabilidades correspondentes, preocupação que adquire especial importância no campo do Direito do Trabalho, que lida com credores vulneráveis. É claro que a necessidade de tutelar os interesses dos trabalhadores deverá ser sempre pautada por critérios consistentes e razoáveis, uma vez que não há que se falar na instituição de regime de responsabilidade que alcance sujeitos que sequer tenham exercido qualquer tipo de poder empresarial.

Certo é que a indefinição e as incertezas sobre a questão já vinham produzindo dificuldades para o estabelecimento de uma jurisprudência trabalhista coerente, verificando-se tanto decisões que alargavam excessivamente o conceito de grupo, como outras que o restringiam de maneira inadequada.

Ocorre que, com a edição da Lei n. 13.467/2017, o conceito de grupo econômico na Consolidação das Leis do Trabalho foi modificado, seja com a alteração do texto do § 2º do artigo 2º, seja com a introdução do §3º do mesmo artigo, que especifica o conceito de grupo ao exigir “a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”.

Tendo em vista a relevância da questão e as transformações levadas a cabo pela reforma de 2017, o objetivo do presente artigo é trazer uma reflexão sobre as modificações decorrentes da recente reforma trabalhista em relação à definição de grupos empresariais, matéria que é fundamental para a devida compreensão da empresa e para a adequada compatibilização entre poder empresarial e responsabilidade.

2. Os grupos no direito do trabalho antes da Lei n 13.467/2017 e os critérios para sua definição

Antes de ingressar propriamente no exame do texto da Lei n. 13.467/2017, é importante destacar que a CLT apresentava uma interessante definição de grupos empresariais no § 2º do seu artigo 2º, segundo o qual “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.

Andou bem a CLT ao adotar a direção única como o primeiro critério para a identificação dos grupos empresariais. Com efeito, é a direção unitária o elemento primordial para que várias sociedades juridicamente independentes possam ser consideradas uma só empresa, ou seja, a empresa plurissocietária2. Afinal, se o que diferencia a empresa do mercado é precisamente a lógica de autoridade e direção que está presente na primeira3, é inequívoco que é a direção única o elemento que faz com que, do ponto de vista econômico, várias sociedades distintas possam ser consideradas

Page 22

apenas uma unidade, apresentando entre si relações bem distintas das relações usualmente de mercado4.

Ainda que haja divergências sobre o que vem a ser a referida direção unitária e quais os instrumentos e meios para a sua operacionalização, é incontroverso que se trata de pressuposto da existência dos grupos. Tendo isso em vista, Engrácia Antunes5, na obra que é considerada uma das mais importantes referências sobre o assunto, define o grupo como o “conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais que, conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram subordinadas a uma direção econômica unitária e comum”.

Por essa razão, a CLT nem mesmo precisava ter mencionado o controle ou a administração, tendo em vista que estes dois elementos são normalmente importantes causas da direção unitária, mas que não são as únicas. No entanto, é importante ressaltar que o que caracteriza o grupo não é a mera existência de laços societários entre diferentes sociedades e nem mesmo a existência de um controlador comum, mas o fato de o poder de controle ser efetivamente utilizado como meio de implementação de uma direção única. Por outro lado, desde que haja a unificação da direção, ainda que por outros mecanismos que não a existência de participações societárias ou do controle de um dos agentes envolvidos sobre os demais, poder-se-á cogitar de grupo.

Alguns autores, como Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho6, chegam a identificar nos grupos societários os três elementos intrínsecos às relações societárias, quais sejam: (i) a contribuição individual com esforços ou recursos; (ii) a atividade para lograr fins comuns; e (iii) a participação em lucros ou prejuízos. Sob essa perspectiva, os grupos seriam, portanto, uma espécie de sociedade de segundo grau, inobstante o legislador não lhes tenha atribuído personalidade jurídica. Com efeito, hoje já se cogita de que a direção unitária possa decorrer de outras situações, tais como a influência significativa e mesmo de laços contratuais, como ocorre em contratos associativos, dentre os quais se destacam joint...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT