A história da propriedade imobiliária no Brasil

AutorChristiano Cassettari, Marcos Costa Salomão
Páginas3-26
Capítulo 1
A HistÓriA DA proprieDADe
imoBiLiáriA no BrAsiL
Neste ponto tentaremos demonstrar o surgimento e a evolução da propriedade
privada no Brasil, a contar do descobrimento do território pela Coroa Portuguesa,
passando pela colonização mediante as capitanias, as concessões por sesmarias até a
validação destes atos, reconhecendo o domínio privado.
Na sequência, apresentamos que a propriedade adotou, num primeiro momento,
uma postura contratual para, depois, receber a publicidade do registro imobiliário, a
começar pelo sistema de transcrições até alcançar o sistema de matrículas.
1.1 O DESCOBRIMENTO DO TERRITÓRIO
Desde o descobrimento do território brasileiro pela Coroa Portuguesa ocorreram
vários desdobramentos importantes que devem ser recordados, como um pressuposto
para a compreensão contemporânea. O Brasil sempre foi um país de desigualdades so-
ciais e a propriedade imobiliária formal1 sempre foi restrita àqueles que conseguissem
preencher os requisitos legais. A posse é uma prática comum, como será demonstrado
ao longo deste trabalho.
Voltemos ao século XV, na Era dos descobrimentos, das grandes navegações. Por-
tugal e Espanha desbravavam os oceanos em busca de novas rotas para chegar às índias
e então explorar aquele rico mercado de especiarias. Algumas dessas viagens foram
decisivas para o continente chamado de América, o qual foi descoberto pelo piloto
genovês Cristóvão Colombo, um aventureiro falador e com pouco crédito perante as
autoridades da época. Após várias tentativas de f‌inanciamento para sua viagem por rotas
desconhecidas às Índias, Colombo conseguiu um empréstimo com Luiz de Santagel e com
o cardeal D. Pedro de Mendonça. Sonhador, ele calculou que, se a Terra era redonda e o
Oceano Atlântico estava entre duas costas, imaginando que a costa ocidental seria a Ásia,
ele chegaria à ilha do Japão, próximo das Índias, sem contornar o continente africano.
No dia 3 de agosto de 1492, Colombo partiu com três caravelas, sob as ordens dos
reis católicos da Espanha, e navegou até encontrar, em 11 de outubro, uma ilha, que
1. Propriedade formal é aquela que possui uma titulação registrada no cartório de registro de imóveis. O sistema
atual é baseado na matrícula do imóvel, o fólio real, adotado no Brasil após a Lei nº 6.015/73 que entrou em vigor
em 1976. Antes da vigência desta norma, a propriedade imóvel era objeto de transcrição do título no livro das
transmissões, sistema adotado em 1864, e baseado nas pessoas, não nos imóveis como é hoje. A propriedade
formal depende de qualif‌icação do título pelo registrador e após o registro é que o direito pessoal se transforma
em direito real, sendo oponível contra terceiros.
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REGISTRO DE IMÓVEIS • Marcos costa saloMão
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batizou de São Salvador. Seguindo viagem, descobriu a ilha de Cuba e depois São Do-
mingos, onde encontrou os indígenas chamados de Haité. Colombo retornou à Europa
com cerca de dez desses indígenas, chegando a Lisboa no dia 6 de março de 1493. Lá,
ostentou ter descoberto a ilha de Cipango. Mais tarde, Colombo fez outras três viagens
ao Novo Mundo, descobrindo a Jamaica, Honduras e Porto Belo2.
Entre 1492 e 1497, o navegador Vasco da Gama foi instruído com cálculos mate-
máticos da Marinha portuguesa sobre uma possível nova rota para as índias3, também
com o objetivo de buscar especiarias. Sua expedição partiu no dia oito de junho de 1497
e, depois de dobrar o cabo, acompanhou a costa oriental, passando por Moçambique
e Mombaça, chegando a Melinde, onde um navegador árabe passou as orientações do
caminho, até então desconhecido. A longa viagem teve sua recompensa e Vasco da
Gama permitiu à Europa que, f‌inalmente, colocasse as mãos em tesouros lendários,
desbancando Veneza dos mercados4. Vasco da Gama trouxe pimenta, canela, gengibre
e outras tantas raras e famosas especiarias do Oriente, que antes só chegavam à Europa
por meio de navios italianos, que as revendiam ao restante do continente europeu. Dis-
pensavam-se, agora, os grandes povos navegadores do Mar Mediterrâneo, Venezianos,
Genoveses e Catalães, pois as especiarias seriam compradas diretamente por Portugal5.
A Corte Portuguesa comemorou a descoberta que transformou Portugal em um
centro de negócios e com ambições ainda maiores. Uma nova expedição foi organizada
por D. Manuel, que reuniu pilotos de outras expedições, aconselhado por políticos,
matemáticos e físicos. A esquadra estava formada e precisava de um capitão-mor, com
habilidades militares e diplomáticas. D. Manuel6 escolheu um f‌idalgo, que lograva êxito
em tudo que empreendia, mas nunca tinha viajado: Pedro Álvares Cabral.
No dia 9 de março de 1500, Cabral partiu com sua esquadra de treze navios, a
pedido de D. Manuel, com a f‌inalidade de estabelecer relações diplomáticas e econô-
micas com os reis dos inúmeros portos das Índias, e chegar até as fontes primárias das
especiarias que f‌icavam do outro lado do oceano Índico. Durante o percurso na costa
africana, perto da região de Guiné, Cabral fez um desvio e acabou chegando ao local
que conhecemos hoje por Bahia7. Pero Vaz de Caminha8, que acompanhava a esquadra
de Cabral, descreveu o momento do desembarque e o encontro com habitantes locais,
chamados por nós, hoje, de índios:
2. CASAL, Manuel Aires de. Corograf‌ia Brasílica ou Relação Histórico-Geográf‌ica do Reino do Brasil composta
e dedicada a sua Majestade Fidelíssima. Tomo I. São Paulo: Edições Cultura, 1943, p. 2-4.
3. CALMON, Pedro. História do Brasil. Século XVI – As Origens. Rio de Janeiro: José Lympio Editora, 1959, v. I,
p. 39.
4. Nas Índias, “[...] os mercadores levantinos vendiam os estofos, os perfumes, as pedrarias, numa confusão de feira
árabe- entre brâmanes magros, sarracenos cúpidos, príncipes cobertos por joias, marinheiros tártaros ou chineses,
judeus traf‌icantes, escravos polinésios e escultores em marf‌im”. (CALMON, Pedro. História do Brasil. Século
XVI – As Origens. Rio de Janeiro: José Lympio Editora, 1959, v. I, p. 40).
5. ABREU, J. Capistrano de. O descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil, 1929, p. 140.
6. CALMON, Pedro. História do Brasil. Século XVI – As Origens. Rio de Janeiro: José Lympio Editora, 1959, v. I,
p. 40.
7. MESGRAVIS, Laima. História do Brasil Colônia. São Paulo: Contexto, 2017, p. 14.
8. Conforme Calmon, Pero Vaz de Caminha foi vereador na cidade de Porto. Era um homem letrado e arguto, e por
isso foi escolhido para fazer uma narrativa escrita de toda a viagem de Cabral. (CALMON, Pedro. História do
Brasil. Século XVI – As Origens. Rio de Janeiro: José Lympio Editora, 1959, v. I, p. 47).
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