Homenagem de vida à Maria Carmelita Yazbek/Tribute of life to Maria Carmelita Yazbek.

AutorIamamoto, Marilda Villela

Esta homenagem à Professora Dra. Maria Carmelita Yazbek se soma a outros manifestos de reconhecimento da sua contribuição à profissão, sublinhando a grandiosidade da trajetória intelectual no Serviço Social brasileiro e nos projetos de intercâmbio internacional, especialmente com Argentina, Portugal e Angola.

Carmelita é uma das expressões singulares da intelectualidade do país, que recusando seguir acriticamente os cânones da universidade e da profissão, mergulhou nos grandes temas da pobreza e da desigualdade social, repercutindo suas inquietações teóricas, éticas, políticas e ideológicas para o interior da profissão e do Estado brasileiro, particularmente para as políticas sociais. O desafio acadêmico e político de Carmelita sempre foi o revés do conservadorismo no Serviço Social e na política brasileira, a partir do impulso das lutas sociais e da renovação crítica da cultura, da educação e das profissões. Rechaçando a torre de marfim acadêmica e os aportes abstratos das especializações, Carmelita fechou fileiras com as grandes questões de nosso tempo, como uma intelectual pública, como uma efetiva humanista que é também portadora de conhecimentos específicos da área profissional, portanto uma especialista que é política, que reverte a limitação da divisão intelectual do trabalho e que articula o pessimismo da razão com o otimismo da vontade, conforme pensava Antônio Gramsci.

Carmelita é natural de São Paulo, onde consolidou sua carreira profissional e acadêmica, projetando-se para o restante do país e para o exterior. Ela é Mestra (1977) e Doutora (1992) em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Realizou seu Pós-Doutorado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), voltado aos Fundamentos Políticos das Ideias Contemporâneas (2001). Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo na área de Fundamentos Teórico-Metodológicos do Serviço Social.

Aluna da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em sua graduação - no período de 1964 a 1967- logo se interessou pelos estudos históricos do Serviço Social, estimulada pelo protagonismo desta instituição ao criar o primeiro curso de graduação da área, em 1936, no Brasil. E isso não é uma percepção isolada, pois é notório que a trajetória do Serviço Social da PUC-SP confunde-se com o próprio desenrolar do Serviço Social brasileiro, impulsionando ao mesmo tempo seu desenvolvimento acadêmico e profissional ao longo das décadas que se seguiram.

Em suas origens no Brasil, na década de 1930, o Serviço Social esteve intimamente vinculado às iniciativas da Igreja Católica, como parte de suas estratégias de qualificação do laicato, especialmente sua parcela feminina por meio dos movimentos da ação social e ação católica -, em sua missão de apostolado junto à família operária (IAMAMOTO e CARVALHO, 1982).

Sob a influência acadêmica franco-belga, o Serviço Social foi sendo impulsionado a partir do processo mais amplo das requisições contraditórias do capitalismo no país. Mais que uma condicionalidade, trata-se de um contexto social efervescente de industrialização e urbanização que tem em São Paulo seu centro dinâmico e em cujo verso está a questão social, que condensa as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político, exigindo o seu reconhecimento como classe por parte do Estado e do empresariado. O Estado passa a intervir diretamente nas relações entre o empresariado e a classe trabalhadora, criando condições para acelerar a dinâmica capitalista internamente e para a canalização do conflito capital-trabalho. Estabelece uma regulamentação jurídica do mercado de trabalho através da legislação social e trabalhista criando o Ministério do Trabalho e as primeiras iniciativas no campo das políticas sociais - e passa a gerir a organização e prestação de serviços sociais como um novo tipo de enfrentamento da questão social, tendo à sombra a crise do capital de 1929 e a ameaça comunista que rondava o descontentamento social sobre as péssimas condições de vida e trabalho.

Para atender a esse novo tempo urbano-industrial, ainda nos anos quarenta, são criadas as grandes instituições sócio-assistenciais: Legião Brasileira de Assistência - LBA -, em 1942, organizada em decorrência do engajamento do país na Segunda Guerra Mundial; o Serviço Nacional de Aprendizagem da Indústria (SENAI), em 1942; e o Serviço Nacional do Comércio (SENAC) e o Serviço Social da Indústria (SESI), em 1946, voltados à força de trabalho comerciária e industrial. Em conjunto, essas e outras iniciativas, demonstram o Estado institucionalizando iniciativas das frações dominantes da burguesia industrial-urbana num grande complexo assistencial - extrapolando sua ação exclusiva nas unidades de produção - para o cotidiano da vida do proletariado (IAMAMOTO e CARVALHO, 1982).

No ciclo do capital monopolista, em que emerge a dimensão social da superestrutura capitalista, a história testemunha que o Estado se amplia e passa a administrar e gerir o conflito de classe não apenas via coerção, mas buscando construir um consenso favorável ao funcionamento da sociedade, por meio do controle e integração da classe trabalhadora.

Nesse sentido, ao centralizar a política socioassistencial efetivada através da prestação de serviços sociais, o Estado cria as bases sociais que sustentam um mercado de trabalho para o assistente social, que se constitui como um trabalhador assalariado, impulsionando os centros de formação profissional, como a PUC-SP. O Estado e os estratos burgueses tornam-se assim molas propulsoras dessa qualificação profissional na divisão sociotécnica do trabalho, para atender as novas requisições expansionistas do capital e amortecer os conflitos sociais decorrentes da luta de classes.

A PUC-SP recebe esse impulso e vive de perto a alteridade, com o Serviço Social deixando de ser um mecanismo da distribuição da caridade privada das classes dominantes - rompendo com a tradicional filantropia para transformar-se em uma das engrenagens da execução das políticas públicas e de ação dos setores empresariais, que se tornam seus maiores empregadores. Não por outro motivo nos anos que se seguem à Segunda Guerra Mundial, há um crescimento do ensino do Serviço Social no país e a expansão do mercado de trabalho dos assistentes sociais, como parte da resposta ao consenso internacional do mundo capitalista em torno da assunção do Estado Social no ciclo do Pós-Guerra.

Coetâneo a esse amplo processo, lembramos que, em 1949, o Serviço Social foi reconhecido pelo Ministério do Trabalho como profissão liberal (Portaria n. 35 de 19/04/1949) ainda que o assistente social tenha o seu desempenho vinculado às instituições públicas e privadas, na condição de trabalhador assalariado (IAMAMOTO, 2007). Mas foi em agosto de 1957, que a Lei 3.252 conferiu o monopólio do exercício da profissão aos portadores de diploma de nível superior, regulamentada pelo decreto Lei n. 994 de 15 de maio de 1962, definindo os requisitos, os atributos, as prerrogativas profissionais e a fiscalização do exercício profissional por meio do então Conselho Nacional de Assistentes Sociais (CNAS) e dos Conselhos Regionais, hoje, Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e respectivos Conselhos Regionais.

Nesse sentido, chegamos aos anos de 1960 com o arcabouço legal e ocupacional básico da profissão efetivamente estabelecido, para o que foram fundamentais os profissionais pioneiros e as gerações que passaram a compor o quadro profissional. A Escola de Serviço Social da PUC-SP mantevese atuante nesse impulsionamento da profissão, contando com pioneiras ilustres como Helena Junqueira e Nadir Kfouri, que participaram do amadurecimento institucional do Serviço Social e da universidade brasileira, conformando uma experiência socioprofissional muito relevante, da qual Carmelita soube se alimentar, no curso de sua formação profissional, com a graduação realizada nesta Pontifícia no tenebroso período ditatorial, entre 1964 e 1967.

Todavia, é preciso enfatizar que o ambiente histórico dos anos 1960 fez brotar duas novas dinâmicas decisivas para o Serviço Social e para a bagagem acadêmica e profissional de Carmelita. De um lado, temos o aprofundamento das contradições sociais com a aceleração da urbano-industrialização do país - advinda da dinâmica econômica da segunda metade dos anos de 1950 -, colocando em cena variados movimentos por reformas sociais (reforma urbana, reforma agrária, reforma da educação, reforma previdenciária, entre outras). Por outro lado, temendo esse processo de contestação social, o capital se articulando aos interesses internacionais empreende a ditadura civil-militar e abre novo ciclo, matizado como uma modernização conservadora do capital monopolista em expansão, para o que...

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