Ideology and politics in Antonio Gramsci: theoretical approaches to its main contributions/ Ideologia e politica em Antonio Gramsci: aproximacoes teoricas as suas principais contribuicoes.

Autordos Santos, Paulo Roberto Felix
CargoTexto en portugues

Introducao

As transformacoes societarias recentes tem desafiado a empreender analise substantiva dos fundamentos que engendram o movimento da realidade. E a partir desse desafio que se entende urgente o resgate e o debate construido pela tradicao marxista acerca de rigorosa analise da realidade. A despeito de se encontrarem, nessa tradicao, inumeras referencias que certamente podem ajudar a empreender leitura e analise ricas acerca da realidade contemporanea, destacam-se a contribuicoes do italiano Antonio Gramsci (1891-1937), cuja obra, mesmo que interrompida precocemente, ainda e viva e necessaria para o enfrentamento de um conjunto de desafios interpostos pela sociabilidade capitalista.

Entre os diversos temas pelos quais transita o legado do autor, sao notorias suas contribuicoes na discussao para a relacao entre Estado e sociedade civil, bem como para a cultura e o papel dos intelectuais, almejando balizar elementos que permitam a construcao de uma estrategia revolucionaria --e suas particularidades no "Ocidente" e "Oriente". Percorrendo esse feixe de temas e preocupacoes sobre os quais se debrucou o autor, mostram-se fundamentais, para pensar os desafios do presente, as discussoes empreendidas entre ideologia e politica, sobretudo nas particularidades assumidas frente a mais uma crise do capital.

Parece inconteste que a crise a que se alude exige mudancas significativas do ponto de vista economico, fato observado, mais recentemente, desde o fim dos anos de 1970, com os impactos da denominada "Reestruturacao Produtiva" e sua consequente alteracao nas esferas de producao e reproducao sociais (ANTUNES, 1998; HARVEY, 1998). Trata-se de uma crise sem precedentes e cujos limites de saneamento lhe impoem um carater "cronico e estrutural" (MESZAROS, 2009). Apesar das determinacoes economico-estruturais que configuram esse processo, e fundamental compreender que ele tambem vem acompanhado de um reordenamento ideopolitico em escala global (1). Ante a esse contexto, nao sao raras as proposicoes de que se teria chegado ao "fim da historia" (FUKUYAMA, 1992). Tambem nessa linha, na decada de 1960, tem-se a proposicao de Bell (1980) acerca do fim das ideologias, enunciada em The end of ideology (O fim da ideologia).

Apos a derrocada da experiencia do chamado "socialismo real" e a dissolucao da Uniao das Republicas Socialistas Sovieticas (URSS), em 1991, parece conformar uma ambiencia apologetica de esvaziamento de quaisquer alternativas frente ao capitalismo como sistema hegemonico. Foi em meio a esse novo contexto que ganharam maior reverberacao os impactos das ideias, postuladas ate os dias atuais, de Fukuyama (1992), para quem o capitalismo e a democracia burguesa constituem o coroamento da historia da humanidade, nao havendo alternativas de realidade para alem das determinacoes capitalistas.

Essas acepcoes infligem duro golpe nas concepcoes de ideologia e politica como elementos fundamentais na estruturacao do conjunto das lutas sociais, com consequentes desdobramentos na analise da realidade contemporanea. Nessas condicoes, essas categorias sao retiradas--ou pelo menos vem-se buscando, em vao, retira-las--da cena publica, por serem entendidas como discussao demode. Nesses termos, falar em ideologia (ou ideologias) na contemporaneidade adquire conotacao essencialmente pejorativa. Trata-se de um processo que Lukacs (2011), acertadamente, denominou de "nova ideologia da desideologizacao". Do mesmo modo, concorda-se com lasi (2011, p. 87), para quem "podemos ver o quanto de hipocrisia existe na afirmacao peremptoria sobre o 'fim das ideologias'. Elas nao apenas nao morreram como se reforcaram no disfarce que lhes cabe, 'como nao ideologias'".

No segundo caso, a politica passa a ser reduzida a melhor forma de aperfeicoamento da ordem vigente. Ora, o raciocinio e de que se chegou ao apice da humanidade e, portanto, ao Fim da Historia, nao havendo possibilidades de inclinacoes extremadas a direita ou a esquerda, sob pena de cair nos horrores do totalitarismo; desse modo, cumpre tao somente melhorar o que esta posto. Nao ha outra possibilidade senao a de se corrigirem as "falhas naturais" do modo de producao capitalista, tornando-o mais "humano" e "socialmente responsavel".

Essas ideias ganham forca num movimento que se pauta em uma reestruturacao no campo da ideologia e da politica, condicionadas, em ultima instancia, pelas determinacoes estruturais que configuram o atual modelo de acumulacao do capital. Se a hipotese estiver correta, o contexto contemporaneo nao tem apontado para o fim da ideologia e/ou da politica, como aporte fundamental de capilarizacao de dominio e direcao da burguesia sobre os demais seguimentos da sociedade. Pelo contrario, tem-se assistido a um profundo ataque ideologico travestido de nao ideologia. Para situar os desafios do tempo presente, pode-se pensar, por exemplo, na apologia da famigerada proposta denominada "Escola Sem Partido" (2), isso para ficar em apenas um dos fantasmas ideo-politicos que se tem instaurado numa conjuntura de profunda ofensiva conservadora. Nesse sentido, nao so subsiste uma clara luta politica e ideologica, mas estas se aprofundam num contexto de acirramento da luta de classes.

E nessa perspectiva que, neste texto, tem-se por objetivo problematizar as acepcoes de ideologia e de politica, bem como sua importancia para compreensao da realidade contemporanea, a partir dos estudos de um dos mais importantes pensadores da tradicao marxista. Faz-se essa escolha por entender que se trata de um dos mais influentes teoricos e militantes que abordaram as tematicas em questao, situando-se como fundamental no renascimento do marxismo do seculo XX. Ademais, Gramsci (2007) problematizou de forma magistral o entrelacamento das esferas da ideologia e da politica, sobretudo, a partir do desenvolvimento de sua teoria da hegemonia.

Expressando o movimento de pesquisas (3) realizadas nos ultimos anos acerca da obra do autor italiano, apresentam-se, a partir de artigo de natureza teorico-bibliografica, alguns resultados a que se chegou ate aqui, de modo a explicitar a importancia das categorias de ideologia e politica na obra de Gramsci. Para fundamentar o presente artigo tomou-se por base, fundamentalmente, a obra de maturidade do autor, a partir das discussoes desenvolvidas em Cadernos do carcere. Optou-se por esse caminho por entender que la se encontram importantes apontamentos acerca dos temas aqui problematizados. Certamente, o carater inconcluso e pouco sistematico do material pode--e com muita frequencia tem ocorrido--gerar as mais diversas interpretacoes. Por isso, buscou-se delinear os argumentos que apresentam determinado consenso acerca da obra do autor, para sustentar a argumentacao a partir do dialogo com reconhecidos estudiosos da sua obra.

Na primeira parte deste texto, demonstra-se como Gramsci aborda a questao da ideologia, sobretudo a partir de uma concepcao historico-objetiva, enriquecendo com novas determinacoes a classica definicao presente na obra marxiana (4). Ao resgatar os fundamentos da categoria ideologia, o pensador sardo oferece importantes reflexoes acerca do contexto contemporaneo, expressando limites, mas tambem possibilidades concretas.

Em seguida, na segunda parte, apresentam-se elementos que prefiguram uma estreita relacao entre as nocoes de ideologia e politica na acepcao gramsciana. Nesse esforco, tenta-se demonstrar como essas categorias se alinham tendo como eixo articulador a nocao de hegemonia. Por outro lado, tambem se buscou apontar o carater historico dessas categorias, que, como tais, nao estao dadas a priori, mas, ao contrario, requerem intencionalidades por parte dos sujeitos que as operam, sempre respondendo a um contexto socio-historico determinado.

Com isso, objetiva-se apontar elementos que podem permitir a melhor clarificacao de alguns desafios hodiernos, bem como salientar a necessidade de adensar espacos de construcao contra-hegemonicos. Desse modo, intenta-se possibilitar a construcao de nova vontade coletiva, que se expresse verdadeiramente nas demandas pautadas pelos subalternos, e que, articulada com mudancas estruturais, possa trazer a ordem do dia a necessidade de superacao da sociabilidade vigente.

Ideologia: fundamento historico-objetivo em Gramsci

E corrente no marxismo o uso da categoria ideologia, com tendencia a apreende-la a partir de uma dimensao negativa e mecanica como "falsa consciencia", desde a aquisicao de ideias falsas (5). Entende-se que, na obra de Gramsci, ao contrario desse uso habitual, existe decidida revalorizacao da categoria ideologia, a partir de uma inovacao no interior do paradigma marxiano. A trilha que leva o autor a desenvolver sua acepcao da categoria ideologia e inspirada pela critica a superestrutura em suas multiplas expressoes. Mas nao se trata de uma critica que cinde a dimensao superestrutural do terreno das estruturas. Ao contrario, essas esferas sao pensadas enquanto determinacao dialetica de interacoes reciprocas. O conjunto dessas determinacoes ganha, em Gramsci (2007, p. 250), a nomenclatura de Bloco Historico, "[...] isto e, o conjunto complexo e contraditorio das superestruturas [que] e o reflexo do conjunto das relacoes sociais de producao".

Nessa direcao, para Gramsci (2007, p. 238), a definicao de Bloco Historico comporta o fato de que "[...] as forcas materiais sao o conteudo e as ideologias sao a forma". Ainda adverte o autor que a distincao entre forma e conteudo e puramente didatica, "[...] ja que as formas materiais nao seriam historicamente concebiveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forcas materiais" (GRAMSCI, 2007, p. 238). E nessa perspectiva que o filosofo italiano constroi a sua "teoria da ideologia".

Conforme argumenta Liguori (2007, p. 78), e muito provavel que Gramsci nao tenha tido acesso ao conjunto de obras marxianas que nos leva hoje ao "lugar de nascimento do marxismo de ideologia na sua conotacao negativa"...

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