O impacto da politica fiscal nos spreads dos paises emergentes.

AutorRocha, Katia
CargoArtículo en portugués

(The Impact of Fiscal Policy on Emerging Markets Sovereign Spreads)

  1. Introdução

    A relação entre a política fiscal e o risco país é uma questão central e atual da política macroeconômica, principalmente após o episódio da crise fiscal envolvendo alguns países europeus em 2010 (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha).

    O risco país, ou spread soberano, corresponde à taxa de juros que um determinado país se financia acima de uma taxa sem risco adotada como benchmark, (1) e reflete a capacidade do país em homar seus compromissos, além de condições internacionais de liquidez e aversão ao risco. O risco país afeta diretamente a capacidade de investimento das empresas e dos governos, sendo um importante elemento na composição dos juros domésticos e no crescimento econômico do país. No contexto de mercado de títulos soberanos, os investidores avaliam a saúde das finanças públicas de cada governo e transformam essa análise em um julgamento financeiro. Ao diferenciarem entre as taxas de juros, ou de forma equivalente, entre os spreads de cada país, os mercados precificam o risco de crédito de acordo com o grau de austeridade fiscal de cada país. Dessa forma, atribuem expectativas quanto à trajetória futura da capacidade de pagamento do país e sobre a probabilidade de default, que está relacionada com a sustentabilidade da dívida pública entre outros.

    A literatura sobre determinantes de spreads soberanos se concentra em modelos -- Hanson (1974), Eaton & Gersovitz (1981), Sachs & Cohen (1982) e Edwards (1986) -- que relacionam a probabilidade de default a variáveis idiossincrásicas (fundamentos macroeconômicos e variáveis fiscais) e a riscos agregados como liquidez internacional. (2) A maioria dos estudos empíricos corrobora evidências de que a política fiscal afeta os spreads soberanos, muito embora o impacto seja por vezes não linear, ou não significativo para déficits transitórios e pequenos.

    Estudos empíricos que associam os spreads a fundamentos macroeconômicos e a choques internacionais de liquidez e risco podem ser encontrados em diversos artigos desde 2000. Como exemplo, citamos Arora & Cerisola (2001), Ferrucci (2003), McGuire & Schrijvers (2003), Kashiwase & Kodres (2005), Favero et al. (2005) e Rozada & Yeyati (2006). Especialmente, Codogno et al. (2003) e Calvo (2003) argumentam que uma vez controlados pelos fatores internacionais de risco, a vulnerabilidade fiscal aparece como variável determinante dos spreads soberanos.

    Nos países da União Européia, a relação entre política fiscal e os spreads soberanos começou a ser debatida em meados de 2000 por Afonso & Strauch (2004), Bernoth et al. (2004) e Hallerberg (2006) que ressaltaram a importância da austeridade fiscal estabelecida pelo Maastricht Treaty sob a forma do Pacto de Crescimento e Estabilidade (Stability and Growth Pact), uma série de diretrizes que especificam limites claros em termos de déficit nominal (menor que 3% do PIB) e divida total (menor que 60% do PIB). Recentemente, Ejsing & Lemke (2009) e Gerlach et al. (2010), agregaram ao debate a relação entre o tamanho do setor bancário e os spreads soberanos dos países da zona do Euro, bem como a constatação de efeitos não lineares nos spreads após a crise financeira internacional de 2008.

    Em relação a países emergentes, Akitoby & Stratmann (2006) incluem no debate não apenas o ajuste fiscal, mas questões levantadas em Alesina & Perotti (1995) sobre a qualidade do ajuste fiscal, com o ajuste do Tipo I, basicamente em despesas correntes, sendo mais efetivo na redução dos spreads em detrimento do ajuste Tipo II, que recai em aumento dos impostos e cortes no investimento público.

    Com relação ao Brasil, Favero & Giavazzi (2004) concluem em favor da austeridade fiscal como determinante do spread soberano brasileiro, e propõe uma medida de austeridade fiscal cujo superávit primário é tal que proporciona uma trajetória estacionária da dívida pública.

    O objetivo do presente estudo é analisar o papel da política fiscal na determinação dos spreads soberanos de um grupo de 23 países emergentes (África do Sul, Argentina, Brasil, Bulgária, Chile, China, Colômbia, Egito, Equador, Filipinas, Hungria, índia, Indonésia, Kazaquistão, Malásia, México, Peru, Polônia, Rússia, Tailândia, Turquia, Ucrânia e Venezuela) no período de 1995 a 2008, amostra que corresponde a mais de 90% da capitalização de mercado do índice JPMorgan Emerging Markets Bond Index Global em dezembro de 2010.

    Como a maioria dos estudos de determinantes de risco país, a metodologia recai em dados de painel, onde o spread soberano é explicado por uma gama de variáveis macroeconômicas idiossincráticas e variáveis comuns de liquidez e risco internacional.

    O estudo se diferencia ao expandir para um amplo universo de emergentes uma versão do modelo apresentado para o Brasil em Favero & Giavazzi (2004). A questão se justifica na medida em que os países considerados na amostra são heterogêneos em muitos aspectos tais como sistema de metas inflação, taxa de poupança, nível de reservas, regime cambial e político. Dessa forma, a verificação, do impacto da austeridade fiscal nos spreads de economias emergentes diversas é questão fundamental na literatura de determinantes de spreads soberanos e no atual contexto sobre ajuste fiscal. O foco do trabalho recai em uma especificação estática de longo prazo que inclui: i) medida de austeridade fiscal cujo superávit primário deve ser tal que mantenha constante a relação dívida/PIB; ii) o nível da dívida que considera o efeito acumulado dos déficit passados; iii) a aversão de risco global como forma de isolar o efeito fiscal de choques externos; iv) o debate sobre a qualidade do ajuste fiscal sobre os spreads (ajuste Tipo I versus ajuste Tipo II) com modificações adicionais que tratam de problemas relacionados à significância dos estimadores reportada por Akitoby & Stratmann (2006); v) variáveis de controle e efeito fixo por pais que mitiga o viés de variáveis omitidas além do tratamento da endogeneidade das variáveis fiscais; e vi) extensiva análise de robustez verificando a estabilidade dos resultados para diferentes bancos de dados e especificações de modelo.

    O artigo está apresentado da seguinte forma: a próxima seção apresenta o modelo básico que discute o impacto da austeridade fiscal sobre os spreads soberanos; a seção 3 analisa a questão da qualidade do ajuste; e a última seção conclui.

  2. O Ajuste Fiscal e os Spreads Soberanos

    A falta de um banco de dados internacional das finanças consolidadas do governo de países emergentes é notória. A apuração das variáveis fiscais depende não só da qualidade da governança dos países, mas de suas características institucionais. Os dados disponíveis publicamente, como os divulgados pelo International Finance Statistics -- IFS, freqüentemente não consideram todas as instâncias do governo para as economias emergentes. A complexidade deste dado motivou a utilização dos dados apurados e divulgados pelo banco de investimento J.P. Morgan (2008) e pela agência de classificação de risco Moody's (2008). Estes dados estão disponíveis apenas na agregação anual, e, portanto, optamos por um modelo de freqüências mistas, conforme metodologia apresentada em Klein & Kushnirsky (2005),3 com variáveis mensais exceto aquela relacionada à política fiscal, suposta igual para todos os meses de cada ano. A possível autocorrelação induzida por esta especificação foi tratada através de um estimador que é robusto para autocorrelação serial e outras heterocedasticidades do resíduo.

    De forma a analisar o impacto da austeridade fiscal nos spreads soberanos na amostra de 23 países entre 1995-2008, propomos os respectivos modelos de painel (1) e (2). Ambas as especificações focam no equilíbrio de longo prazo, e eqüivalem a uma forma reduzida da relação estática entre o spread e as variáveis fiscais, além de possuírem a vantagem de considerar na estimação uma ampla variedade de ciclos econômicos e estado fiscal dos países bem como o grau de aversão ao risco global.

    [s.sub.it] = [[alfa].sub.i] + [beta][VIX.sub.t] + [delta][D.sub.it-12] + [gamma][AF.sub.it-12] + [lambda][X.sub.it] + [u.sub.it] (1)

    [s.sub.it] = [[alfa].sub.i] + [beta][VIX.sub.t] + [delta][D.sub.it-12] x [VIX.sub.t] + [gamma][AF.sub.it-12] x [VIX.sub.t] + [lambda][X.sub.it] + [u.sub.it] (2)

    Nas equações acima, sit representa o spread do país i no mês t; [[alfa].sub.i] corresponde ao efeito fixo por país; [VIX.sub.t] à medida de aversão ao risco VIX; (4) Dit à dívida pública total consolidada em...

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