A inaplicabilidade da cláusula compromissória aos contratos individuais de trabalho

AutorFabio Rodrigo Milani
Páginas186-194

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1. A pressa é inimiga da perfeição

A reforma na legislação trabalhista é tema que há muito se ventila, pois, na ótica de alguns, o vetusto texto deveria ser atualizado para se adequar à modernidade, de modo a responder aos anseios de uma economia de mercado que necessita competir interna ou internacionalmente com países cuja responsabilidade em proteger seus trabalhadores não é uma prioridade.

Em que pese reconhecermos a necessidade de se reformar o texto da CLT em certos pontos, como por exemplo, regulamentar a prestação do trabalho sob o regime de home office, percebemos que a reforma avançou sobre pontos que, sob a ótica protetiva do trabalhador, não deveriam sofrer qualquer ajuste, ou melhor, estão protegidas por conquistas da classe operária e revestidas de garantias constitucionais que as blindam de ataques infraconstitucionais.

O grande desafio a ser enfrentado é “determinar o ponto de equilíbrio entre flexibilização sensível às preocupações legítimas das empresas e uma legislação que impeça um retrocesso ao antigo arrendamento de serviços, norteados pela autonomia da vontade, que foge completamente dos ideais de justiça social”2.

Todavia, ao largo de qualquer equilíbrio, esta mudança in malam partem de parte do texto laboral protagonizada pelo PL 6.787/2016 e materializada na Lei n. 13.467/2017, foi, ao nosso sentir, fruto de uma açodada tramitação, ha-vida em momento de inegável instabilidade econômica, política e institucional e que chega como resposta político-governamental ao grave problema econômico enfrentado pelo Brasil hodiernamente, como se a redução da proteção conferida pelo sistema juslaboral à relação de trabalho fosse, de per si, solucionar o problema econômico.

Deste modo e sem muito esforço, podemos apontar equívocos inerentes ao diminuto e quase inexistente debate havido com a sociedade acerca das mudanças implementadas na CLT, como por exemplo, a possibilidade de negociação entre empregado e empregador acerca do descanso intrajornada, isso em se tratando de aspectos individuais, ou a possibilidade de, em negociações ou acordos coletivos, a prevalência de suas estipulações mesmo que isto importe na diminuição dos direitos conferidos aos trabalhadores na já alterada CLT. Tais mudanças, em nosso sentir, fazem presumir que o trabalhador, na perspectiva do atual legislador, teria poder de barganha suficiente para entabular disposições favoráveis ou mesmo razoáveis em seu favor, desconsiderando-se por completo o poderio do empregador, principalmente neste cenário de crise onde os índices de desemprego alarmantes apontam para uma situação amplamente desfavorável ao trabalhador que se vê diante do “pegar ou largar”, situações que sempre objetivou resguardar o vetusto texto laboral.

É em meio a este palco turbulento que infere tratarmos de uma inovação trazida pelo texto da reforma à CLT por meio do novel art. 507-A, senão vejamos:

“Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996.”

Com a introdução do supra citado dispositivo conferiu-se tratamento diferenciado e sem precedentes aos trabalhadores “cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social”, permitindo que entre estes e seus empregadores possa ser pactuado cláusula compromissória.

Tal disposição contratual, se estabelecida, remeteria, portanto, possíveis discussões ao conhecimento de um terceiro imparcial, denominado árbitro, escolhido pelas partes para solucionar a controvérsia de forma definitiva, ou seja, estar-se-ia admitindo para a resolução de contratos individuais de trabalho o sistema da arbitragem que, nas palavras de Carlos Alberto Carmona3 significa:

“(...) meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor. Trata-se de um mecanismo privado de solução de litígios, através do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes.”

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Inegavelmente, a solução arbitral é de comprovada eficiência e utilidade, principalmente hodiernamente onde se verifica uma maior complexidade nos casos que, não raras vezes, entregam ao magistrado questões tecnológicas de difícil compreensão para qualquer um que delas não conheça à minúcia. No mesmo diapasão, este sistema de resolução extrajudicial vem ganhando força, também em face de um abarrotamento do Poder Judiciário e à inerente demora que isto implica na resolução do litígio.

Todavia, em que pese a Lei n. 9.307/1996 ser uma das respostas às mazelas acima mencionadas, encontramos óbices à sua utilização para os contratos individuais de trabalho, seja em razão da afronta aos mais comezinhos princípios que norteiam e conformam o próprio sistema juslaboral que visa a proteção do hipossuficiente, seja em razão da aparente inconstitucionalidade do novel art. 507-A da CLT em face do § 1º do art. 114 da Constituição Federal que não previu a utilização do compromisso arbitral aos contratos individuais de trabalho.

Ai falar-se que a pressa é inimiga da perfeição.

Esta análise, longe de pretender esgotar a matéria, busca trazer um pouco de desconforto à aplicação integral do texto da reforma, ao menos no que tange aos limites deste trabalho, que circunscreve exclusivamente a ótica da aplicação da sistemática do procedimento arbitral aos contratos individuais de trabalho daqueles que recebem, hoje, mais de R$ 11.062,62 de salário. Alertamos, contudo, que diante dos estreitos limites deste trabalho, não trataremos dos motivos pelos quais levaram o legislador infraconstitucional a estabelecer dois grupos de trabalhadores, os que recebem até R$ 11.062,62 daqueles que recebem mais, nem mesmo adotaremos posição em relação à justeza desta distinção.

2. A inaplicabilidade da lei n 9.307/96 Às relações individuais – Inexistência de igual-dade – Indisponibilidade de direitos – A questão principiológica e sistêmica – O prisma justrabalhista – Premissas menores

Antes de adentrarmos ao debate acerca da inaplicabilidade da arbitragem aos contratos individuais por conta da barreira sistêmica conferida pela principiologia protetiva conferida ao trabalhador hipossuficiente, convém entendermos um pouco do que seja este meio extrajudicial de resolução de conflitos regulamentado pela Lei n. 9.307/96.

Arbitragem é considerada uma forma de resolução de conflitos sem a necessidade de se valer do Estado para isso e sua existência precede a Lei de Regência, havendo doutrinadores que indiquem seu nascedouro em práticas de povos primitivos, remontando sua gênese aos Romanos.4

No Brasil, surgiu ainda enquanto colonização Portuguesa, onde o art. 8º do Decreto n. 1307/19075 remonta seu embrião, mas o tratamento constitucional somente seria reconhecido na Constituição do Império de 22.03.1924, em seu art. 160, ao estabelecer que as partes pudessem nomear juízes árbitros para solucionar litígios cíveis e que suas decisões seriam executadas sem recurso, se as partes, no particular, assim, convencionassem. Todavia é somente com o surgimento da Lei n. 9.307/96 que o resultado final da arbitragem veio ganhar contornos mais eficazes do que aquele que ocorria antes de sua vigência, onde a convenção arbitral era tida como um pré-contrato, inábil ao afastamento da Jurisdição Estatal e, portanto, dotado de insegurança e ausência de previsibilidade quanto à própria solução do conflito.

Com a Lei de Regência, a atuação do Poder Judiciário ficou limitada, apenas, àquelas situações determinadas para garantia do êxito da arbitragem como solução pacífica dos conflitos, por meio da mediação, da conciliação e do pronunciamento dos árbitros, sempre na área privada.

É justamente a existência deste âmbito privado e dispositivo que permite a utilização da Lei Arbitral, uma vez que esta inaugurou seu texto estabelecendo aplicabili-dade à resolução de litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, senão vejamos:

“Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”

Assim, se no âmbito privado encontramos direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, negociáveis, no âmbito das relações individuais de trabalho as normas cogentes conferidas pelo Estado como direitos mínimos limitam o campo de autonomia privada que se vê impedido de negociar tais garantias.

Com a ressalva de posicionamentos divergentes6, mas, tomando apenas este aspecto – aplicável apenas

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para direitos patrimoniais – da Lei já podemos reconhecer, prima facie, a impossibilidade de sua aplicação, aos contratos individuais de trabalho, por conta da própria sistemática e do modelo de normatização justrabalhista adotado pelo ordenamento positivo brasileiro que estabeleceu como...

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