Inconstitucionalidade da restrição legal imposta pela reforma trabalhista na análise das normas coletivas pela justiça do trabalho

AutorIlse Marcelina Bernardi Lora e Sandra Mara de Oliveira Dias
Páginas26-30

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1. Introdução

Neste artigo se pretende examinar a restrição legal imposta pela reforma trabalhista através do artigo 8º, § 3º da CLT (Lei n. 13.467 de 2017) na análise das normas coletivas de trabalho pela Justiça Especializada do trabalho.

A reforma trabalhista, quanto ao novel aspecto de interpretação e aplicação das normas coletivas, não está consentânea com os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito, que tem como basilares e robustos fundamentos o da dignidade da pessoa humana e do valor social do Trabalho.

Considerando que a reforma trabalhista extrapola os limites impostos pela Constituição, há que se perquirir qual seria a atuação da Justiça Especializada do Trabalho, neste contexto.

2. Inconstitucionalidade por violação ao princípio do acesso à justiça

Apesar de a Lei n. 13.467/2017 ter mantido intacto o caput do art. 8º da CLT, promoveu profunda alteração legislativa, inserindo no art. 8º, o § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, delimitando a análise, pela Justiça do Trabalho e quando do exame de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente à “conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”, e prescrevendo que a Justiça Especializada deverá balizar “sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”.

Parece-nos manifesta a inconstitucionalidade deste dispositivo, na medida em que representa violação ao direito fundamental de ação expressamente previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Quanto ao acesso à justiça, também chamado princípio do acesso ao Poder Judiciário ou princípio do acesso à ordem jurídica justa, a doutrina explica que a vague-za da expressão “acesso à justiça” viabiliza atribuir-lhe dois sentidos: o primeiro conferindo ao significado justiça a mesma acepção e natureza que o de Poder Judiciário, tornando semelhantes às expressões “acesso à justiça” e ao Judiciário; e o segundo, com base em perspectiva axiológica do vocábulo justiça, entende o acesso a ela como o ingresso à determinada ordem de valores e direitos fundamentais para a pessoa humana.

“A formulação do princípio optou pela segunda significação. Justifica-se tanto por ser mais abrangente, como pelo fato de o acesso à justiça, enquanto princípio, inserir-se no movimento para a efetividade dos direitos sociais.” (PORTANOVA, 2005, p. 112) .

O acesso do trabalhador brasileiro à Justiça Especializada do Trabalho, para que esta possa examinar sua relação de trabalho e a validade da norma coletiva subjacente a seu contrato de trabalho é uma garantia constitucional, segundo prescrevem os artigos 5º, XXXV e 114 da Constituição Federal.

O acesso à justiça deve ser havido como requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário, sendo considerado como o mais básico dos direitos humanos. (MAILLART, SANCHES, 2012, p. 584)

Proibida a autotutela, somente admitida em casos excepcionais, ao Estado, que detém o monopólio da jurisdição, incumbe colocar à disposição dos cidadãos meios eficazes para a invocação da tutela jurisdicional.

Ao comentar o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, José Afonso da Silva afirma que o princípio da proteção judiciária, também denominado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, representa a mais importante garantia dos direitos subjetivos. Dito princípio encontra alicerce no princípio da separação dos poderes, havido pela doutrina como garantia das garantias constitucionais. (SILVA, 2017, p. 134)

É cediço que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no inciso XXXV do art. 5º da CF, não garante apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o efetivo e amplo acesso à Justiça que proporcione a eficiente e oportuna defesa contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa.

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A Constituição Federal Brasileira de 1988 consagrou a máxima amplitude da tutela jurisdicional, englobando tanto a possibilidade de defesa de direitos individuais quanto dos direitos coletivos. No que respeita à abrangência, a Constituição somente subtrai à tutela jurisdicional, conforme previsto no art. 142, § 2º, a revisão do mérito de punições militares. Inclusive as chamadas questões políticas estão submetidas ao controle jurisdicional, bastando a tanto que a partir delas se verifique utilização abusiva de prerrogativas políticas e desrespeito aos direitos fundamentais.

A Carta Magna permite, entretanto, aos particulares submeter, voluntariamente, certos litígios à solução arbitral. “O que a Constituição veda é a interdição da apreciação do Poder Judiciário pelo próprio Estado.”(MARINONI; MITIDIERO, 2013, p. 712-713)

Não se pode considerar efetiva a tutela jurisdicional que tem seus limites fixados em lei infraconstitucional que interdita a atividade do Poder Judiciário, sendo dado a este, em especial no exercício do controle difuso de constitucionalidade, proclamar a absoluta incompatibilidade do § 3º do art. 8º da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/2017, com o direito fundamental previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

3. Restrição legal em afronta à independência funcional da justiça do trabalho

A restrição imposta pelo artigo 8º, § 3º afronta a independência funcional do Poder Judiciário Trabalhista que tem a garantia constitucional de dizer o direito no caso concreto em decisão devidamente fundamentada, nos termos dos artigos , , 60 e 93, IX da Constituição Federal.

Importante ressaltar que a Justiça do Trabalho, à luz do artigo 114, I da Constituição Federal, tem competência exclusiva para julgar as ações oriundas da relação de trabalho, e ao Juiz do Trabalho, a quem incumbe examinar no caso concreto a relação de trabalho, tem...

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