Inovacao em pequenas empresas: rumo a uma abordagem de inovacao centrada no proprietario.

AutorSilva, Glessia

1 Introducao

De certa forma, a literatura sobre inovacao carece de conhecimento sobre os elementos que levam a inovacao nas pequenas empresas (Ferreira, Fernandes, Alves & Raposo, 2015). Ja que as pequenas empresas desenvolvem atividades e resultados de inovacao fundamentalmente diferentes daqueles encontrados nas grandes empresas de alta tecnologia (Forsman, 2011), enquadrar essas pequenas empresas--de modelo de inovacao tradicional--em modelos de "tamanho unico" pode levar a percepcoes equivocadas sobre seu desempenho inovador (Santamaria, Nieto & Barge-Gil, 2009).

Esses modelos tambem tomam como base teorica o que a literatura sobre inovacao entende como importante no desenvolvimento de inovacoes (Forsman, 2011). A questao e que o campo da inovacao tem um forte vies para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e grandes negocios baseados em alta tecnologia (Birkinshaw, Hamel & Mol, 2008; Damanpour, 2014; Ferreira et al., 2015; Garcia & Calantone, 2002; Santamaria et al., 2009). Portanto, os modelos tradicionais de inovacao--que se baseiam principalmente nesse contexto de inovacao--deixam de captar elementos especificos proprios das pequenas empresas, como o gestor/ proprietario como principal--senao unico--tomador de decisoes (De Jong & Marsili, 2006; Silva, Dacorso & Montenegro, 2016; Verhees & Meulenberg, 2004), ou sua gestao de inovacao mais tacita (Brunswicker & Ehrenmann, 2013; Fitjar, Gjelsvik & Rodriguez-Pose, 2013).

Alem disso, enquanto as vantagens das pequenas empresas sao de natureza comportamental (Rothwell, 1989), a maioria dos modelos tradicionais de inovacao possui atributos materiais e recursivos (Glover et al., 2016). Consequentemente, alguns aspectos sociocognitivos importantes no desenvolvimento de inovacoes em pequenas empresas sao geralmente ignorados pelos modelos de inovacao tradicionais (Cooper, Peake & Watson, 2016; Taneja, Pryor & Hayek, 2016; Zaridis & Mousiolis, 2014).

Ironicamente, mesmo a literatura sobre inovacao em pequenas empresas mostra algum tipo de predilecao por pequenas empresas de alta tecnologia (Storey, 2014). No entanto, a maioria das pequenas empresas pertence a setores tradicionais, e de baixa tecnologia e nao utiliza atividades de P&D em seus processos de inovacao (McGuirk, Lenihan & Hart, 2015; Plotnikova, Romero & Martinez-Roman, 2016; Romero & Martinez-Roman, 2012; Zaridis & Mousiolis, 2014). Essa situacao e preocupante, visto que as pequenas empresas constituem a base do desenvolvimento economico e social de qualquer pais (Patanakul & Pinto, 2014), e ainda assim sao pouco pesquisadas no dominio da inovacao (McGuirk et al., 2015; Plotnikova, et al., 2016; Romero & Martinez-Roman, 2012; Zaridis & Mousiolis, 2014) porque sao vistas como empresas menos glamourosas (Storey, 2014).

Para suprir essa lacuna de pesquisa, o objetivo deste artigo e entender como os proprietarios de pequenas empresas desenvolvem inovacoes. Essas empresas--que, juntas, chamaremos de "empresas esquecidas" de agora em diante--sao estudadas em um projeto de pesquisa de estudo de caso multiplo com foco nos setores tradicionais de baixa tecnologia, que nao sao intensivos em P&D em seus processos de inovacao. Criamos e decidimos usar a expressao "empresas esquecidas" para nos referir as pequenas empresas menos glamourosas de setores tradicionais e menos intensivos em tecnologia que, paradoxalmente, constituem a maior parte da economia na maioria dos paises, mas foram esquecidas na literatura de inovacao, formulacao de politicas e modelos de desenvolvimento.

Dito isso, realizamos um estudo sobre as pequenas empresas e seus proprietarios. A principio, com base na literatura e nas lentes teoricas que orientaram grande parte da pesquisa sobre empreendedorismo, procedemos entao a um enquadramento indutivo de nossos casos. Os relatos narrativos dos entrevistados constituiram o corpus de nossos dados brutos, que foram posteriormente codificados e analisados a luz da literatura existente sobre caracteristicas de pequenas empresas e inovacao.

Adotamos uma perspectiva sociocognitiva e defendemos a importancia do papel do gestor/proprietario na geracao de inovacao. Colocar o proprietario como elemento central do processo de inovacao e importante, porque ele e o responsavel pelas tomadas de decisao na pequena empresa (Whittaker, Fath & Fiedler, 2016). E impossivel discutir inovacao em tal contexto sem colocar enfase no proprietario (Moraes et al., 2014). Reconhecemos, portanto, que as teorias recursivas sao insuficientes para explicar a inovacao nas pequenas empresas e propomos a perspectiva sociocognitiva como uma lente teorica e analitica para estudar o fenomeno, pois permite ao pesquisador explorar as percepcoes e intencoes do proprietario (Cooper et al., 2016; Huarng & Ribeiro-Soriano, 2014; Linan, Santos & Fernandez, 2011; Silva et al., 2016).

Tambem adotamos a literatura sobre inovacao, pequenas empresas e empreendedorismo como nosso dominio substantivo. Isso ocorre porque a literatura sobre inovacao e insuficiente para explicar a inovacao em pequenas empresas (Berends, Jelinek, Rayman & Stultiens, 2014; De Jong & Marsili, 2006; Glover et al., 2016) e porque o foco no proprietario exige um olhar para o campo do empreendedorismo. Seguimos entao as recomendacoes de Garcia e Calantone (2002) e adotamos como nossa unidade de analise as perspectivas "novo no ramo" e "novo para o cliente/mercado". Da mesma forma, este estudo segue o conceito de inovacao de Schumpeter (1939).

Este artigo se desenvolve da seguinte forma: discutimos os modelos de inovacao tradicionais e por que eles podem nao ser apropriados como estruturas para estudar as pequenas empresas, bem como as pequenas empresas com uma abordagem centrada no proprietario e as tres proposicoes que nortearam nosso trabalho de campo. A secao 4 apresenta a metodologia e as etapas realizadas na conducao do trabalho de campo. A secao 5 apresenta os resultados e a discussao do estudo de caso multiplo conforme eles se relacionam com a literatura existente. Por fim, a secao 6 conclui o artigo com recomendacoes para governos, agencias de apoio e pesquisadores sobre pequenas empresas.

2 Olhando para alem dos modelos tradicionais de inovacao

Os modelos de inovacao tradicionais sao insuficientes para explicar a inovacao nas pequenas empresas, porque a maioria deles (Avlonitis, Kouremenos & Tzokas, 1994; Crossan & Apaydin, 2010; Lawson & Samson, 2001; Read, 2000; Smith M., Busi, Ball & Van Der Meer, 2008; Tang, 1998; Van de Panne, Van Beers & Kleinknecht, 2003) sao baseados em teorias recursivas que colocam mais enfase nos aspectos tecnologicos, financeiros e recursivos do processo de inovacao (Glover, Champion, Daniels & Boocock, 2016).

Por "insuficiente" nos referimos ao problema de aderencia dos modelos tradicionais quando se trata de empresas esquecidas pouco pesquisadas nos tres dominios de pesquisa empirica - substantivo, conceitual e metodologico --que fundamentam os estudos organizacionais e os paradigmas concorrentes da pesquisa qualitativa (Brinberg & McGrath, 1988).

Se olharmos os fatores de inovacao que compoem esses modelos, perceberemos que priorizam a estrutura material e organizacional no desenvolvimento da inovacao. Tais modelos tambem derivam seus dominios substantivos, teoricos e metodologicos de uma forte enfase em P&D e os grandes negocios baseados em alta tecnologia (Birkinshaw et al., 2008; Damanpour, 2014; Forsman, 2011; Santamaria et al., 2009). Portanto, os modelos tradicionais de inovacao--que se baseiam principalmente naquele contexto de inovacao e em teorias recursivas relacionadas as "grandes empresas" --deixam de captar elementos especificos proprios das empresas esquecidas, como o proprietario como principal --senao unico--tomador de decisao (De Jong & Marsili, 2006; Martinez-Roman & Romero, 2017; Verhees & Meulenberg, 2004), ou sua gestao da inovacao mais tacita (Brunswicker & Ehrenmann, 2013).

Em primeiro lugar, as teorias recursivas assumem e argumentam que uma empresa deve adquirir e controlar recursos para obter uma vantagem competitiva sustentada (Glover et al., 2016). No entanto, embora tenham contribuido consideravelmente para explicar a competitividade das organizacoes, seu foco na empresa como um "pacote de recursos" tem sido criticado como reducionista, dada a complexidade das empresas (Kraaijenbrink, Spender & Groen, 2010), e levou os modelos de inovacao a se desenvolverem com base em suposicoes equivocadas quando se trata de atividades de inovacao em empresas sem uma vantagem baseada em recursos--habilidades, experiencia, recursos financeiros e materiais limitados, capacidades organizacionais e de marketing--como e o caso das pequenas empresas (Glover et al., 2016). Portanto, os modelos de inovacao orientados a recursos podem levar a falsa percepcao de que as pequenas empresas sao menos inovadoras ou nada inovadoras, quando na verdade inovam fundamentalmente por meios diferentes (Forsman, 2011; Glover et al., 2016).

Em segundo lugar, independentemente do contexto organizacional, a forte enfase nos recursos tecnologicos na geracao de inovacoes tem sido questionada (Birkinshaw et al., 2008; Ferreira et al., 2015), uma vez que grande parte das atividades que levam a inovacao nao dependem necessariamente de tecnologia e atividades de P&D (Damanpour, 2014). Isso e particularmente importante para o entendimento da atividade de inovacao nas pequenas empresas, pois elas geralmente nao utilizam atributos tecnologicos para inovar (Cooper et al., 2016; Forsman, 2011; Hotho & Champion 2011; McGuirk et al., 2015).

Em terceiro lugar, os modelos tradicionais de inovacao preconizam uma estrutura formal de inovacao, como resultado do modelo linear de inovacao (Santamaria et al., 2009). A grande questao e que a pequena empresa geralmente nao possui um processo formal de inovacao (De Jong & Marsili, 2006; Forsman, 2011). Ela usa atividades informais de inovacao que se misturam as atividades do dia a dia da empresa, de modo que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT