Institutional capabilities of amici curiae in the Supremo Tribunal Federal: accessibility, admissibility and influence/Capacidades institucionais dos amici curiae no Supremo Tribunal Federal: acessibilidade, admissibilidade e influencia.

Autorde Almeida, Eloisa Machado
  1. Introducao: amicus curiae e litigio estrategico

    Ao desvendarmos os numeros e a extensao da participacao dos amici curiae no Supremo Tribunal Federal, e impossivel deixar de lembrar da provocacao feita por Hakman (1966) ao ser questionado sobre os amici curiae na Suprema Corte americana: amici curiae seriam "mero folclore academico".

    As mais recentes pesquisas, entretanto, poe fim a quaisquer duvidas sobre a relevancia dos amici curiae no Supremo Tribunal Federal: sao 2.103 amici curiae entre 1999 e 2014 que estao em cerca de um terco do total das acoes de controle de concentrado de constitucionalidade, em uma proporcao de quase 3 amici por acao (ALMEIDA, 2015).

    Mais impressionante, entretanto, sao as tendencias de crescimento, tanto no numero de amici curiae, como na porcentagem de acoes que contam com ao menos uma organizacao se manifestando como amicus, que saltou de pouco mais de 13% no periodo de 1999 a 2005 e chega a 30% entre 2006 e 2014 (ALMEIDA, 2015). Nao parece absurdo cogitar que essa tendencia podera se aproximar dos impressionantes numeros de amici curiae na Suprema Corte americana, que na ultima decada do seculo passado chegou a 85% das acoes, como mostra a pesquisa de Kearney e Merril (2000).

    Os amici curiae no Supremo Tribunal Federal, longe de ser folclore, sao parte central--e cada vez mais usada--de litigio estrategico de organizacoes de defesa de direitos: 368 amici curiae destas organizacoes foram propostos no periodo de 1999 a 2014: 18% do total de amici curiae no tribunal (ALMEIDA, 2015).

    A reivindicacao de direitos--ou mais especificamente o litigio--feito por organizacoes nao-governamenais depende tanto de um ambiente regulatorio de liberdade que garanta sua atuacao (TUSHNET, 2008), como tambem de regras de legitimacao processual que permitam a realizacao do litigio (GLOPEN e ROSEMAN, 2013). Dito em outras palavras, a acessibilidade e potencialidade de uma ferramenta juridica como o amicus curiae sao determinantes para entender sua utilizacao.

    Se "a nocao de litigio estrategico esta associada a utilizacao mais eficiente do sistema de justica para a solucao de problemas complexos e persistentes" e o "adjetivo estrategico significa que o caso a ser trabalhado no sistema de justica tera a capacidade de oferecer respostas para alem daquelas esperadas em um litigio comum" (ALMEIDA, 2017.b), entender o alcance de uma determinada ferramenta juridica, amplamente usada pelas organizacoes de defesa de direitos, e fundamental.

    Assim, mesmo que as motivacoes das organizacoes de defesa de direitos para o ingresso como amici curiae possam ser diversas, esses dados, por si so, justificam a necessidade de entender quais sao as capacidades institucionais conferidas aos amici curiae pelo tribunal, isto e, qual e o acesso e a potencialidade do instrumento para a realizacao de litigio estrategico.

    Se e possivel cogitar que dentre as motivacoes dos amici curiae esta a pretensao de influenciar uma determinada decisao, e preciso saber se estao dadas as condicoes necessarias para que possam exercer esse papel, ou seja, se as regras que regulam a manifestacao dos amici curiae e a aplicacao das mesmas pelo tribunal favorecem a diversidade de atores e de argumentos, promovendo uma ampliacao das informacoes a serem oferecidas aos juizes e, com isso, poder impactar em suas decisoes.

    Em outras palavras, importa saber os limites e as capacidades dos amici curiae no processo constitucional enquanto condicoes objetivas que permitem--ou impedem--exercer influencia qualitativa nas decisoes e pluralizar o debate constitucional. Isso definira, em grande medida, a potencialidade dos amici curiae para o litigio estrategico.

  2. Capacidades institucionais dos amici curiae no Supremo Tribunal Federal

    Variando entre argumentos sobre as benesses dos amici curiae e o risco de tumulto processual, o tribunal hoje confere aos amici curiae quase todos os poderes dos requerentes, que nao sao muitos. A seguir sao analisados tres blocos de condicoes institucionais dos amici curiae: i) as condicoes de acessibilidade aos amici curiae, que compreende as caracteristicas prazo, custo e representacao por advogado; ii) as condicoes de admissibilidade, onde sao explorados os poderes do relator e os criterios de representatividade e relevancia da materia; iii) as condicoes de influenciar no processo, onde sera abordada a possibilidade de peticionar, de sustentar oralmente e de recorrer.

    Juntas, as condicoes de acessibilidade, admissibilidade e de influencia compoe um retrato bastante preciso sobre o alcance da atuacao dos amici curiae no Supremo Tribunal Federal.

    2.1 Condicoes de acessibilidade

    Em primeiro lugar e importante analisar a acessibilidade deste instrumento. E facil postular a condicao amicus curiae em um processo? Para alem dos requisitos de admissibilidade que serao analisados no topico seguinte, resta ainda saber se ha condicoes institucionais favoraveis a manifestacao como amicus curiae. Nessa perspectiva, analisamos tres fatores: o custo, o prazo para manifestacao, e a necessidade de advogado.

    1. Custo

      O custo de uma acao judicial e mensurado nao so pelo "preco da atividade jurisdicional", calculado em taxas (custas judiciais) e pelas despesas com a remuneracao de honorarios e servicos especificos exigidos em um processo (como, por exemplo, pericia) (1) mas tambem pelo tempo que permanece no Judiciario, pelas atividades que sao exigidas e pelo seu resultado (2). Neste caso, e importante a analise do custo do processo enquanto estimulo/desestimulo ao ingresso como amicus curiae nos processos de controle concentrado de constitucionalidade em tramite no Supremo Tribunal Federal.

      Os processos de controle concentrado de constitucionalidade nao tem exigencia de pagamento de quaisquer taxas fixas ou porcentagens, diferentemente da regra de processos civis, em razao de serem processos de natureza objetiva, na qual as partes provocadores da jurisdicao constitucional nao buscam a defesa de interesse propria, mas de toda coletividade, no sentido de prover coerencia ao ordenamento juridico. Seria, assim, injusto que a parte requerente de uma acao constitucional arcasse sozinha com custos que deveriam ser compartilhados entre todos os potenciais beneficiarios da medida. Esse mesmo motivo deve informar a ausencia de custas judiciais para os amici curiae.

      Dessa forma, o custo economico em custas judiciais nao e um empecilho a manifestacao de amicus curiae. Isso nao quer dizer que nao existam outros tipos de despesas envolvidas, como honorarios advocaticios--ja que ha a necessidade de representacao por um advogado, viagens, entre outras pertinentes ao acompanhamento da acao (3).

    2. Prazo

      A legislacao que trata dos amici curiae, conforme ja mencionado, nao traz muitos elementos para a caracterizacao do instituto. O prazo, por exemplo, mencionado no [section]2 do art. 7 da Lei 9.868/99, faz remissao a um paragrafo anterior que fora vetado. Essa imprecisao legislativa gerou um enorme embate--ainda nao finalizado--sobre o prazo para manifestacao como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal. Tao logo publicada a lei, imaginava-se que os amicus curiae teriam que seguir o prazo de informacoes das respectivas acoes, ou seja, os 30 dias previstos no artigo 6 da lei 9,868/99 (4), a contar do despacho do relator.

      Esse prazo mostrou-se inviavel por dois motivos: primeiro porque as acoes que dao entrada no tribunal nao sao publicadas (5) e precisam ser monitoradas, uma a uma e diariamente, no sitio eletronico do tribunal. Segundo porque os prazos do tribunal nao sao previsiveis: ha acoes de controle de constitucionalidade votadas em dias e acoes votadas em anos, como demonstra a pesquisa:

      "A media de 5,3 anos da ADI e alta, porem pode-se dizer que e algo esperado em funcao da complexidade envolvida nos processos do controle concentrado. Por outro lado, isso nao explicaria a grande diferenca entre a media da ADI e aquela da Arguicao de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que e de 2,7 anos. Tambem a Acao Direta de Constitucionalidade (ADC) traz a complexidade envolvida na ADI e, no entanto, tem quase a metade da media desta--3 anos" (SUPREMO EM NUMEROS, 2014, p. 17).

      Obrigar o pretendente a amicus curiae monitorar cotidianamente as acoes que dao entrada no tribunal, conhecer seu teor, se organizar para redigir um amici curiae em 30 (trinta) dias, para depois a acao aguardar anos ate a acao ser julgada nao seria razoavel. Mesmo assim, esta posicao de parte da doutrina, como em Bueno (2008) e Del Pra (2008), foi acolhida pelo STF, dando aos amici o mesmo prazo das informacoes.

      Esse foi o entendimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (6) ate o ano de 2003, quando passaram a reconhecer que, na ausencia de uma norma especifica definindo o prazo, era necessario ampliar a possibilidade de admissao como amicus curiae, e nao a restringir (7). A regra era a indefinicao, com a ressalva que o requerente a amicus curiae, uma vez admitido, receberia o processo como se encontrava (8). Tal posicao precisou ser revista pelo tribunal quando se deparou com pedidos de admissao de amicus curiae apos iniciados os julgamentos, oportunidade em que se assentou a limitacao temporal dos amici curiae ate ter inicio a fase deliberativa do tribunal, para se evitar tumulto processual e "uma indevida interferencia circunstancial, movida pelo balanco das aguas da conveniencia", como dito pela ministra Ellen Gracie. (9)

      Esse argumento foi a base para definir o prazo de manifestacao dos amici curiae ate a publicacao da pauta de julgamento da respectiva acao (10), que segue ate o momento. E um criterio que faz todo sentido se considerar a utilidade dos amici curiae no processo: ele devera informar e tentar influenciar os ministros. Se eles ja tiverem os seus votos prontos, os amici curiae nao poderao sequer exercer a sua influencia, alem de --ai sim--tumultuarem a relacao processual, com adiamentos para consideracoes de suas razoes, por exemplo.

      No entanto...

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