Introdução

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas315-331

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O processo do trabalho não prevê a resposta reconvencional, conquanto esta seja compatível com aquele. Logo, a disciplina da reconvenção deve ser tomada por empréstimo ao processo civil, com eventuais adaptações.

Consta do Estatuto Processual Civil:

Art. 343. Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.

§ 1.º Proposta a reconvenção, o autor será intimado, na pessoa de seu advogado, para apresentar resposta no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 2.º A desistência da ação ou a ocorrência de causa extintiva que impeça o exame de seu mérito não obsta ao prosseguimento do processo quanto à reconvenção.

§ 3.º A reconvenção pode ser proposta contra o autor e terceiro.

§ 4.º A reconvenção pode ser proposta pelo réu em litisconsórcio com terceiro.

§ 5.º Se o autor for substituto processual, o reconvinte deverá afirmar ser titular de direito em face do substituído, e a reconvenção deverá ser proposta em face do autor, também na qualidade de substituto processual.

§ 6.º O réu pode propor reconvenção independentemente de oferecer contestação.

Ao exame.

Caput. O Projeto primitivo do CPC abolia a figura da reconvenção, substituindo-a pelo pedido contraposto. Com as alterações introduzidas no projeto, a reconvenção acabou sendo restabelecida.

A reconvenção constitui uma das modalidades de resposta do réu, que, no processo do trabalho, compreendem, ainda, a exceção e a contestação. O atual CPC reduziu a duas essas respostas: a contestação e a reconvenção. Na verdade, há outra espécie de resposta, consistente no “reconhecimento da procedência do pedido” (CPC, art. 487, III, “a”). São, pois, quando menos, quatro as modalidades de resposta, no processo do trabalho. A propósito, melhor teria sido que o legislador de 2015 (assim como o de 1973: art. 269, II) não aludisse ao “reconhecimento da procedência do pedido”, e sim, ao reconhecimento do direito alegado pelo autor.

1. Escorço histórico

As raízes históricas da reconvenção — como da grande maioria dos institutos do direito processual luso-brasileiro — estão no direito romano antigo e podem ser localizadas no período da cognitio extraordinaria. Alguns estudiosos, contudo, sustentam que ela

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surgiu no período formulário (1949 a.C a 200 d.C), especificamente naquelas ações em que o juiz estava autorizado a decidir por equidade (actiones bonae fidei): aqui, os litigantes, estribados no mesmo título (causa), poderiam formular pretensões recíprocas (mutua petitio, mutua actio), seja baseando-se em compensação, seja em ação contrária; nesta última hipótese é que estaria caracterizada, conforme o segmento doutrinário a que nos referimos, a reconvenção. A despeito disso, prevalece a corrente de opinião que identifica a origem da ação reconvencional no período da cognitio extra ordinem, pois foi aí, com efeito, que ela adquiriu os contornos com que se apresenta ao mundo moderno.

No ano de 530, a Constituição de Justiniano previa a possibilidade de o juiz não apenas absolver o réu, mas de condenar o autor, desde que se convencesse que ele era devedor de alguma coisa ao adversário.

Na verdade, a gênese na reconvenção, em Roma, parece coincidir com a interpretação que se deu à expressão: in eodem negotio, pois se dizia que se o autor estava submetido à decisão do juiz, pelo mesmo motivo não poderia recusá-lo (exceção de incompetência) quando, sobre o mesmo negócio (in eodem negotio), fosse proferida decisão contrária a seus interesses. Algumas vezes, a referida expressão era ligada ao mérito da demanda, exigindo-se a existência de vínculo material entre a ação do autor e a do réu (conexão de causas); outras, se impunha uma relação de natureza processual (in eodem iudicio), vale dizer, sem nenhuma repercussão no direito material.

A denominação de reconvenção, com que o instituto passou a ser conhecido nos tempos modernos, foi, todavia, dada pelo direito canônico. Nesse direito, aliás, a reconvenção foi largamente permitida, porquanto isso conviria ao propósito político de colocar à margem da justiça exercida pelos senhores feudais a maior quantidade possível de demandas. Procurava-se, desse modo, estabelecer a supremacia da jurisdição eclesiástica em relação à civil. Exatamente por isso é que a reconvenção era admitida em todas as ações, fossem reais ou pessoais, penais ou reipersecutórias, não se exigindo a cláusula ex eodem causa (identidade de causas), porquanto era suficiente que as partes fossem as mesmas, numa e noutra ações.

O direito português, inspirado no intermédio, permitiu a reconvenção sobre o mesmo negócio (in eodem negotio), dispensando a vinculação entre as causas (eodem causa). Nesse sentido foram todas as Ordenações reinóis.

Na França, entretanto, se escreve um capítulo especial sobre a reconvenção. Ocorre que, no direito consuetudinário francês, a reconvenção não era permitida por um motivo claramente político-financeiro: como a justiça feudal era exercida pelos senhores e constituía, para eles, uma fonte de receita, a reconvenção ia de encontro a esses propósitos. Unicamente em situações excepcionais é que, por meio de “cartas reais”, dadas por graça do soberano, se podia fazer uso da ação reconvencional.

Posteriormente, a propagação dessas “cartas”, somada à infiuência do direito canônico, e, máxime, a opinião dos jurisconsultos, a reconvenção passou a ser consentida quando possuísse a mesma causa da ação principal ou fosse empregada como defesa à mencionada ação. Embora o Código de Processo Civil gaulês não a previsse, de maneira expressa, a

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doutrina e a jurisprudência, baseando-se em certos trechos desse Código, construíram o entendimento de que a reconvenção era uma ação incidente, cujo uso seria possível como instrumento de defesa do réu ou como meio de este obter indenização por perdas e danos provenientes da ação principal.

A disciplina da matéria, no âmbito do direito francês, acabou sendo adotada, com algumas modificações, na Itália. O Código de 1865, por exemplo, estabelecia que o juiz, perante o qual tramitasse a ação principal, seria competente para apreciar a reconvenção, conforme fosse o título indicado pelo autor, ou já deduzido na causa principal, “come mezzo di eccezione” (como meio de exceção).

O Código italiano de 1940 reproduziu essa disposição, no art. 36, onde foram se abeberar os elaboradores do projeto do Código de Processo Civil brasileiro de 1973.

O Regulamento Imperial n. 737, de 1850, permitia que o réu apresentasse reconvenção, “simultaneamente com a contestação, no mesmo termo para ela assinado e sem dependência de prévia citação do autor” (art. 103), conquanto também previsse uma reconvenção imprópria, que poderia ser ajuizada mais tarde, em autos distintos, devendo ser apreciada antes da ação principal.

No Brasil, o CPC de 1939, infiuenciado pelo direito canônico, autorizava a reconvenção quando o réu tivesse ação que visasse a “modificar ou excluir o pedido” do autor (art. 190). O Código de 1973 dispôs que o réu poderia reconvir ao autor, no mesmo processo, sempre que a reconvenção fosse conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa. O CPC atual repetiu a regra. Desses pressupostos para o exercício da ação reconvencional nos ocuparemos mais adiante.

2. Conceito

De modo geral, o réu assume uma atitude eminentemente defensiva diante das pretensões formuladas pelo autor, cujo fato se justifica por encontrar-se no polo passivo da relação jurídica processual. A contestação constitui, por isso, a mais característica das modalidades de defesa, de que se pode valer o réu em juízo, uma vez que espelha uma sua resistência aos pedidos deduzidos pelo adversário.

Em determinadas situações, contudo, o réu aproveita o mesmo processo para, além de se defender, assumir uma posição ativa perante o autor, formulando pretensões que devam ser por este satisfeitas. Essa espécie de “contra-ataque” promovido pelo réu põe em relevo a reconvenção, que nada mais é, em termos gerais, do que uma ação deste em face do autor, no mesmo processo. Sob o aspecto sistemático, a reconvenção representa uma das modalidades de resposta do réu.

Estabelecidas essas considerações preliminares, podemos enunciar o seguinte conceito de reconvenção: é a ação do réu, em face do autor, no mesmo processo, atendidos os pressupostos legais específicos.

Antes de examinarmos em que consistem os pressupostos para o regular exercício da ação reconvencional, a que aludimos há pouco, devemos dizer que, sob o ângulo prático,

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a reconvenção foi instituída com o objetivo de atender à política de economia e de racionalização da entrega da prestação jurisdicional. Com efeito, se o réu pretende exercer o direito de ação perante o autor, essa política sugere que ele aproveite o mesmo processo em que foi citado para manifestar a sua pretensão. Desse modo, com a reconvenção passam a existir duas ações, no mesmo processo, submetidas ao mesmo procedimento judicial e que serão apreciadas por uma só sentença. Essa concentração de ações fornece a medida da economia de atos jurisdicionais que com ela se obtém. Deve ser ainda observado que a reconvenção, como a conexão, também se destina a impedir o proferimento de sentenças eventualmente contrastantes, sobre o mesmo negócio jurídico (in eodem negotio), pois é preciso lembrar que o exercício da reconvenção pressupõe, dentre outras coisas, um nexo com a ação principal ou com os fundamentos da defesa (CPC, art. 343).

3. Pressupostos legais

A reconvenção, como ação, apresenta os seguintes pressupostos:

  1. uma causa pendente, pois a reconvenção, como afirmamos, é uma ação exercida pelo réu no mesmo processo, provocando, com isso, uma aglutinação de ações, onde o autor, na primeira, é réu na segunda, e vice-versa;

  2. o exercício no momento oportuno, porque a reconvenção deve ser apresentada na fase de...

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