Jurisdição e competência

AutorLeonardo Tibo Barbosa Lima
Páginas147-196
Lições de Direito Processual do Trabalho Teoria e Prática 147
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Jurisdição e competência
5.1 CONCEITOS
A jurisdição é a atividade estatal de “dizer o direito”, consistente em realizar o Direito de modo imparcial,
imperativo e criativo nas situações jurídicas concretamente deduzidas (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 67). Ela é
exercida pelos órgãos do Poder Judiciário em todo o território nacional.
A competência, por sua vez, determina qual é o juízo responsável por exercer a jurisdição.
5.2 PRINCÍPIOS
As regras de competência estão calcadas em princípios específicos. São eles: competência para a competência
(Kompetenz-Kompetenz), perpetuação da jurisdição (perpetuatio jurisdicionis), tipicidade, indisponibilidade e
competência implícita.
5.2.1 KOMPETENZ-KOMPETENZ
Originário do direito alemão, este princípio determina que os juízes são competentes para analisar e declarar
sua própria competência.(143) Essa pequena porção de competência faz com que nenhum juiz seja totalmente
incompetente, pois ao menos o será para analisar sua competência.
Quando dois ou mais juízes se declaram competentes ou incompetentes, surge o conflito de competência,
que deve ser sanado por órgão superior, como será visto mais à frente.
5.2.2 PERPETUATIO JURISDICIONIS
A competência é definida no momento do ajuizamento da ação (art. 43 do CPC), sendo irrelevantes as
modificações do estado de fato ou de direito posteriores.(144)
(143) “[...] 18. Outrossim, vige na jurisdição privada, tal como sucede naquela pública, o princípio do Kompetenz-Kompetenz, que estabelece
ser o próprio juiz quem decide a respeito de sua competência. [...]” (STJ — MS 11.308/DF; Relator Ministro Luiz Fux; Primeira Seção; DJe
19.05.2008).
(144) “[...] o princípio da perpetuatio jurisdictionis, previsto no art. 87 do CPC, segundo o qual a competência se define no momento da
propositura da ação, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem
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Nos locais onde existe mais de uma Vara do Trabalho, a ação é ajuizada através da distribuição entre os
vários juízes, pela ordem rigorosa de entrada das demandas, e, sucessivamente, a cada Vara (art. 713 da CLT).
Quando, porém, a Vara do Trabalho for única, haverá distribuição apenas para fins de registro da ação. É que não
há, no Processo do Trabalho, o ato de despachar a inicial, como no Processo Civil, de maneira que o momento
de ajuizamento da ação será sempre aquele no qual a ação foi distribuída, havendo ou não mais de uma Vara do
Trabalho.
O CPC de 2015 adotou a sistemática da CLT, ao dispor que “considera-se proposta a ação quando a petição
inicial for protocolada” (art. 312).
5.2.2.1 Exceções
No momento da distribuição a competência é fixada e se perpetua, sendo irrelevantes as modificações
do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, a não ser nos seguintes casos: a) supressão do órgão
jurisdicional (art. 43 do CPC); b) alteração da competência absoluta (art. 43 do CPC); c) conexão (art. 54 do CPC);
e d) continência (art. 54 do CPC).
5.2.2.1.1 Supressão do órgão jurisdicional
Quando a lei extingue uma Vara do Trabalho, por exemplo, os processos que nela estavam em curso devem ser
enviados ao juízo que passou a ser competente para analisá-los, havendo, portanto, modificação da competência.
5.2.2.1.2 Alteração de competência absoluta
O mesmo que foi dito acima vale para quando a lei modifica a competência absoluta. Foi o que aconteceu
com o advento da EC n. 45/04, que alterou a competência material da Justiça do Trabalho. Os processos que
ainda não tinham decisão na Justiça comum foram enviados para a Justiça especializada, nos termos da Súmula
Vinculante n. 22 do STF. Destarte, não se aplica o princípio da perpetuatio jurisdicionis à competência absoluta.(145)
5.2.2.1.3 Conexão e continência
Ocorrerá conexão, quando, entre duas ou mais ações, houver coincidência de pedido ou de causa de pedir
(art. 54 do CPC). A continência, por sua vez, exige que as partes e a causa de pedir sejam as mesmas, e que o pedido
de uma seja mais abrangente que o da outra (art. 56, do CPC). Caso o Juiz identifique a existência da conexão ou da
continência, poderá ordenar a reunião dos processos a qualquer momento, desde que o faça antes da sentença,(146)
para que sejam decididos conjuntamente (art. 55, § 1º, do CPC). Como se percebe, a reunião dos processos não
é obrigatória.
5.2.2.2 Reunião por risco de contradição
Além das exceções citadas, o CPC de 2015 inova ao estabelecer que o Juiz poderá determinar a reunião de
processos sempre que houver o risco de haver decisões contraditórias entre eles, ainda que não fique configurada
a conexão (art. 55, § 3º).
5.2.2.3 Distribuição por dependência
O art. 286 do CPC estabelece casos em que a distribuição de uma ação deverá, obrigatoriamente, ser feita
a determinado juízo. Trata-se da chamada distribuição por dependência, a qual deverá ocorrer, quando as causas
o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia. [...]” (STJ — CC 134.097/DF; Relator Ministro Raul
Araújo; Segunda Seção; DJe 05.11.2015).
(145) “[...] Tratando-se de competência ratione materiae, não há falar em perpetuatio jurisdicionis, tendo imediata aplicação os novos
ditames. Assim, com o advento da Emenda Constitucional n. 20/98, que acresceu ao art. 114 o § 3º (atual inciso VIII, na redação da Emenda
Constitucional n. 45/04), esta Justiça especializada tornou-se competente para a execução das contribuições sociais incidentes sobre as
verbas objeto de suas decisões, ainda que proferidas anteriormente a 16.12.1998, data de sua promulgação. Recurso de revista conhecido e
provido.” (TST. RR — 956400-49.2002.5.06.0906. Relatora: Ministra Rosa Maria Weber. 3ª Turma. DEJT: 20.11.2009).
(146) Súmula do STJ n. 235. “A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.
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de qualquer natureza: a) relacionarem-se por conexão ou continência com outra já ajuizada; b) forem idênticas
a outra já ajuizada (litispendência e coisa julgada); e c) contiverem reiteração de pedido de um processo extinto,
sem julgamento de mérito (sucessão). Em todos esses casos, a competência será do juízo prevento, isto é, aquele
que recebeu a distribuição em primeiro lugar.
A distribuição por dependência de causas conexas ocorre por motivos de economia, para fazer com que
apenas uma decisão resolva vários processos, e de segurança jurídica, a fim de evitar que causas parecidas tenham
decisões conflitantes. O mesmo ocorre no caso da continência.
Quando os elementos das ações forem coincidentes (partes, causa de pedir e pedido), haverá litispendência
em relação a uma ação que ainda não tenha decisão definitiva ou coisa julgada, quanto à ação que já tenha sido
decidida. Também por segurança jurídica, evitando decisões conflitantes, as novas causas deverão ser distribuídas
ao juízo prevento.
As situações das letras “a” e “b” citadas são aplicadas ao Processo do Trabalho, nos termos do art. 769 da CLT,
sem maiores polêmicas.
Já a hipótese da letra “c” desperta dúvidas. Ela é uma inovação trazida pela Lei n. 10.358/01, que alterou o
CPC de 1973, tendo sido mantida no CPC de 2015. Trata-se da distribuição por sucessão, pela qual o juízo que
tiver conhecido causa anterior, na hipótese de extinção, sem julgamento do mérito, fica prevento para conhecer
das causas futuras idênticas (art. 286, II, do CPC). A ideia é evitar que as partes escolham o juízo que julgará o
processo. Por exemplo, imagine-se que em um Município existam três Varas do Trabalho, sendo que os Juízes da 1ª
e da 2ª Vara têm entendimento contrário ao defendido pelo reclamante. Para fazer com que sua ação fosse julgada
pelo juízo da 3ª Vara, evitando os demais, bastaria ao reclamante ajuizar três ações e desistir das duas que fossem
distribuídos aos Juízes da 1ª e da 2ª Vara.
De uma face, é pacífico o entendimento pelo qual a distribuição por sucessão é aplicada no Processo do
Trabalho, nas hipóteses do art. 485 do CPC. A polêmica está em saber se ela também é aplicada no caso de
arquivamento.
É que, além das hipóteses de extinção do processo, sem julgamento do mérito, descritas no art. 485 do
CPC, entre as quais está a desistência da ação, o Processo do Trabalho dispõe de uma figura própria, que é o
arquivamento da ação por ausência do reclamante à primeira audiência (art. 844 da CLT). Tanto é distinta, que
ela dá causa à perempção, que é a perda temporária (por seis meses) do direito de ajuizar nova ação trabalhista, no
caso de dois arquivamentos seguidos (art. 732 da CLT), sem que as demais hipóteses do art. 485 do CPC tenham
o mesmo efeito.
Para a primeira corrente, tanto o arquivamento da ação trabalhista, por ausência do reclamante (art. 844 da
CLT), quanto qualquer outro motivo que acarrete a extinção do processo (art. 485 do CPC) dão ensejo à aplicação
do art. 286, II, do CPC, razão pela qual o juízo que processou a reclamação continua prevento na hipótese de ser
renovada a demanda (MOURA, 2012, p. 872). Nesse sentido, já decidiu o TRT da 3ª Região.(147)
Outra corrente, todavia, entende que o arquivamento é um instituto peculiar do Processo do Trabalho,
dispondo até de consequência específica (perempção), razão pela qual não pode ser regido pelas regras do processo
comum. Assim, apenas os casos do art. 485 do CPC autorizam a aplicação da distribuição por sucessão no Processo do
Trabalho, entendimento este que o TST já considerou ser razoável. (148)
(147) Mandado de Segurança. Arquivamento do Feito. Prevenção do juízo natural. Interpretando-se o disposto no art. 253, II, do CPC, de
aplicação subsidiária ao Processo do Trabalho, tem-se que a prevenção do juízo natural ali estabelecida abrange não apenas as hipóteses
de homologação judicial do pedido de desistência, mas, também e com mais razão caso em que o autor deixa de comparecer, sem justificativa,
à audiência, ensejando o arquivamento do feito. [...]. Mandado de segurança de que não se conhece. (TRT 3ª Região. MS 00085-2003-000-
03-00-0. Relator: Desembargador Bolívar Viégas Peixoto. SDI-I. DJMG 23.05.2003).
(148) Nulidade. Prevenção da vara para a qual distribuída ação anterior. Extinção sem julgamento do mérito. Ausência do reclamante à
audiência inaugural. Violação do art. 253 do CPC não configurada. Não incorre em violação do art. 253 do CPC o Tribunal Regional que
confirma não haver ficado preventa a Vara do Trabalho para a qual inicialmente distribuído o feito, porque extinta a ação, sem julgamento
do mérito, ante a ausência do autor à audiência inaugural. Recurso de revista de que não se conhece. (TST. RR-13400-80.2003.5.17.0001.
Relator: Ministro João Batista Brito Pereira. 5ª Turma. DEJT: 19.12.2008).

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