A justiça distributiva

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Ocupação do AutorDoutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor do Programa de Pós-Graduação e do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário do Estado do Pará. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará. Titular da Cadeira n. 26 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho
Páginas24-31

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É entendimento praticamente pací co atualmente embora o libertarismo de Nozick rejeite essa conclusão por exemplo que em modelo de justiça distributiva o estado é obrigado a proporcionar a seus cidadãos um mínimo de bem estar material39.

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Ela a justiça distributiva é tratada possivelmente pela primeira vez no livro V da obra Ética a Nicômaco de Aristóteles40 O livro V é dedicado à justiça que é considerada pelo autor a forma mais elevada de excelência moral ou melhor ainda conforme Aristóteles a excelência moral inteira 41.

A justiça distributiva segundo Aristóteles é uma das espécies de justiça em sentido estrito ao lado da justiça corretiva42.

Para o autor a justiça distributiva é a que se manifesta na distribuição de funções elevadas de go verno ou de dinheiro ou das outras coisas que devem ser divididas entre os cidadãos que compartilham dos benefícios outorgados pela constituição da cidade pois em tais coisas uma pessoa pode ter uma participação desigual ou igual à outra pessoa 43

Observo que para Aristóteles a justiça distributiva estava relacionada à ideia de mérito e não continha o caráter de obrigatoriedade na distribuição dos bens e oportunidades Isso ca claro na seguinte passagem todas as pessoas concordam em que o que é justo em termos de distribuição deve sê lo de acordo com o mérito em certo sentido embora nem todos indiquem a mesma espécie de mérito os demo cratas identi cam a circunstância de que a distribuição deve ser de acordo com a condição de homem livre os adeptos da oligarquia com a riqueza ou nobreza de nascimento e os adeptos da aristocracia com a excelência 44

Isso é acentuado por Ricardo Castilho que falando da justiça distributiva aristotélica a rma que ela será observada sempre que a proporção entre as valias dos sujeitos para o todo social forem exatamente reproduzidas nas quantidades de coisas direitos ou encargos outorgados a cada qual 45.

Não é essa todavia como visto acima a ideia contemporânea de jus tiça distributiva De fato como bem coloca Samuel Fleischacker não está na discussão travada por Aristóteles a respeito da justiça distributiva a questão da distribuição dos recursos escassos nem a consideração de que a

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necessidade pudesse ser o fundamento de qualquer reivindicação de propriedade sendo segundo este autor recente a concepção de que é a partir de uma ideia de justiça que se exige uma distribuição de recursos que satisfaça as neces sidades de todos os indivíduos o que corresponde à noção atual de justiça distributiva46.

É que atualmente a concepção de justiça distributiva se esteia no reconhecimento como a rma Fleischacker de que alguma distribuição de bens é devida a todos os seres humanos em virtude apenas de serem huma nos 47.

Sob esse prisma o autor indica as premissas necessárias para o moderno conceito de justiça distributiva e que são

Cada indivíduo e não somente sociedades ou a espécie humana como um todo tem um bem que merece respeito e aos indivíduos são devidos certos direitos e proteções com vistas à busca daquele bem

Alguma parcela de bens materiais faz parte do que é devido a cada indivíduo parte dos direitos e proteções que todos merecem

O fato de que cada indivíduo mereça isso pode ser justi cado racionalmente em termos puramente seculares

A distribuição dessa parcela de bens é praticável tentar consciente mente realizar essa tarefa não é um projeto absurdo nem é algo que como ocorreria caso se tentasse tornar a amizade algo compulsório solaparia o próprio objetivo que se tenta alcançar e

Compete ao Estado e não somente a indivíduos ou organizações privadas garantir que tal distribuição seja realizada 48

Ela é feita por Fleischacker obviamente sob uma perspectiva liberal igualitária pois toma por base que a distribuição deve ser feita a todos os indi víduos nessa condição sendo que podemos sintetizar as premissas acima em duas partes cada indivíduo é merecedor de direitos básicos sendo que uma certa parcela de bens materiais está compreendida nesses direitos garantir que ocorrerá a distribuição desses bens entendida a distribuição como algo factível compete principalmente ao Estado

Em sentido mais restrito que toma por base a motivação da redistribuição como forma de corrigir os efeitos da discriminação Joaquim Barbosa Gomes

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defende que a justiça distributiva promoveria a redistribuição para mitigar as iniquidades decorrentes da discriminação"49 E continua para aqueles que esposam tal teoria não é justo que determinados grupos sociais tais como negros e mulheres sejam fadados ao longo de suas vidas a sempre ocupa rem as posições inferiores ou subalternas na hierarquia social por razões que repousam unicamente na cor de sua pele ou no seu sexo 50.

Voltando a Fleischacker a concepção de justiça distributiva vai ser al terada abandonando se o pensamento aristotélico a partir das ideias de um conjunto de autores Rousseau Adam Smith e Kant51 sempre relacionadas à ajuda aos mais pobres

Em relação a Rousseau é importante observar que em diversas passagens Do contrato Social, fica claro que o autor embora reconheça o direito de propriedade não defende uma propriedade desmedida em detrimento do conjunto da sociedade Quando Rousseau por exemplo trata das condições para autorizar o direito do primeiro ocupante ele lista como segunda e terceira condições que só se ocupe a quantidade que se necessita para sobreviver e que se tome posse pelo trabalho e pela cultura da terra único sinal de propriedade que na falta dos títulos jurídicos deve ser respeitado por alguém 52.

Mais adiante ainda em Do contrato social e terminando o Livro I Rousseau ao a rmar que o pacto social não destrói a igualdade natural mas sim substi tui a desigualdade física pela igualdade moral abre uma nota para dizer que essa igualdade é ilusória quando se está diante de maus governos concluindo que o estado social só é vantajoso aos homens quando têm alguma coisa e quando nenhum tem em excesso 53.

Essa passagem embora a ideia não seja mais tão claramente retomada por Rousseau parece ser a mostra de uma nova concepção de justiça que embora ainda centrada na liberdade e na propriedade na liberdade...

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