Justiça do trabalho

AutorLeonardo Tibo Barbosa Lima
Páginas100-132
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Justiça do Trabalho
Além de princípios e normas, o Direito Processual do Trabalho faz uso de instituições para cumprir suas
finalidades. Por isso é que a Constituição Federal de 1988 trata, entre os arts. 111 e 116, da Justiça do Trabalho,
órgão do Poder Judiciário da União especializado na conciliação e julgamento de demandas de natureza trabalhista.
Antes, porém, de compreender a Justiça do Trabalho brasileira, é oportuno tecer breves comentários acerca
da história das instituições trabalhistas e de sua situação no Direito comparado.
De se dizer que o presente capítulo tem suas bases na monografia do autor denominada “História da Justiça
do Trabalho no Brasil: uma história de justiça,” que foi premiada em 1º lugar no I Concurso de Monografias da
Biblioteca do TRT da 3ª Região — Escola Judicial, promovido no ano de 2017, cujo tema foi a Justiça do Trabalho
— importância e desafios em 76 anos de história (art. 36 do respectivo edital).
3.1 JUSTIÇA DO TRABALHO NO MUNDO
3.1.1 MOTIVOS
No sistema econômico capitalista, os meios de produção de bens e serviços pertencem à iniciativa privada.
Mas a produção em si só é acessível ao capitalista, que o faz por meio da exploração e acumulação de recursos
humanos, naturais, mecânicos e tecnológicos, os quais se oferecem a determinado custo.
Em se tratando de recursos que não sejam humanos, esse custo é o preço, ou seja, um valor que pode ser
traduzido e trocado por dinheiro.
No caso do ser humano, no entanto, o custo não é um preço, pois a vida humana não pode ser objeto de
propriedade e alienação, ao menos desde que as conquistas históricas puseram fim à escravidão. A filosofia de Kant
há muito qualificou a dignidade como o valor do ser humano, p elo que, em vez de pagamento de preço, o acesso à
mão de obra se faz por meio do pagamento de contraprestação, que consiste não só na remuneração pelo trabalho,
mas também no fornecimento de condições de trabalho em patamares mínimos de proteção da personalidade do
trabalhador. Por isso é que, além de salário, a contraprestação do ser humano deve abranger o cumprimento de
obrigações voltadas ao bem-estar físico e mental do trabalhador.
Não é por outro motivo que a Declaração da Filadélfia (1944), que é um anexo da Convenção da OIT,
proclamou que “o trabalho não é mercadoria” (ar tigo I, “a”).
Lições de Direito Processual do Trabalho Teoria e Prática 101
E isso não equivale a se dizer que o trabalho é uma mercadoria regulada, tal qual ocorre com recursos
naturais, como o carvão e outras commodities. A exata dimensão dessa declaração é justamente desconstituir
o trabalho como mercadoria e pronunciá-lo como valor, de natureza imaterial, imune à lógica capitalista da
apropriação dos meios e recursos de produção.
É certo que as muitas sociedades capitalistas adotam as mais variadas formas de regulamentar o trabalho
humano. Também é certo que todas elas optam, de alguma forma e em alguma medida, pela proteção do valor-
-trabalho, sob pena de causar o colapso do próprio sistema, tal qual a experiência desvelou nos idos da primeira
Revolução Industrial, em que a massa de trabalhadores desprotegidos não consumia, adoecia, custava caro ao
Estado e emperrava o desenvolvimento econômico. É dizer, ainda que se observe o fenômeno estritamente sob o
ponto de vista do capitalista, não é interessante a exploração desregulada do trabalho. Por isso mesmo, a proteção
é mesmo um objetivo cogente.
Assim é que a experiência criou, primeiramente, o postulado econômico de proteção do valor do trabalho
(v. g., na teoria econômica de Marx e Engels, de 1848), o qual posteriormente se tornou jurídico, desde a criação
das primeiras normas de proteção do trabalho (como o Peel’s Act Inglês, de 1802), passando pela consolidação
de princípios (cite-se a Encíclica Rerum Novarum, de 1981), até a autonomia do Direito do Trabalho, alcançada
com a sua constitucionalização (México em 1917 e Alemanha, em 1919) e institucionalização (criação da OIT,
em 1919) .
Nos regimes jurídicos democráticos, a tensão entre capital e trabalho motivou a intervenção do Estado por
meio da regulação protetiva, em maior ou menor grau de intensidade, nas relações materiais. Mas não só nestas.
Antes mesmo de o Estado intervir formalmente nas relações materiais, a preocupação inicial foi de conciliar os
conflitos trabalhistas, que já surgiam aos montes, desde a primeira revolução industrial:
[...] em 1806, Napoleão instituiu os ‘Conseils de Prud’hommes’ na cidade de Lyon, estendendo-os, três
anos depois, a toda a França, com o que essa jurisdição profissional, composta de representantes de
empregadores e trabalhadores e que até hoje funciona intensamente, precedeu à primeira lei trabalhista
francesa, de 1841, atinente ao trabalho do menor, e às leis britânicas de 1833, 1844 e 1847, que dispuse-
ram, respectivamente, sobre a higiene e inspeção nas oficinas, a idade mínima para o trabalho e a jor-
nada de dez horas de trabalho. Ainda no mesmo século, iguais conselhos paritários foram instituídos na
Alemanha, Bélgica, Itália, Noruega e Suíça, constituindo-se, assim, no embrião dos atuais tribunais do
trabalho. (SÜSSEKIND, 1999, p. 115).
As comissões paritárias estavam próximas do que hoje se conhece por arbitragem, do ponto de vista de
constituírem meio alternativo à jurisdição. Todavia, diferentemente da arbitragem, não gozavam ainda da mesma
força das decisões desta (que equivalem à da jurisdição), pelo que não impediram a judicialização dos conflitos.
Para atender a demanda, a intervenção estatal na solução dos conflitos trabalhistas foi se intensificando, passo a
passo, rumo a uma a libertação do processo civil, para dar origem a um processo do trabalho, com regr as, princípios
e instituições próprios.
Manifestando-se sobre o tema, Américo Plá Rodrigues concluiu pela necessidade de criar uma Justiça
especializada trabalhista simples, rápida e gratuita;
Existen algunos motivos generales que, si bien, se presentan como el ideal em todas las formas de pro-
cesso, em los problemas de trabajo adquiren categoria de necessidades imprescindibles e impostergables.
Esos motivos generales se resumen em estas tres palavras: sencillez, rapidez, economía. [...] el litigio de
trabajo exige extremada sencillez, gran rapidez y absoluta gratuidade, porque sin estas condiciones es
absolutamente inoperante. El obrero tiene que acudir ante los Tribunales de Trabajo, si lo cree conve-
niente solo, o aistido de sus vvaledores naturales, sus propios compañeros de profesión o sus diectivos
sindicales, sin que deba ser preceptivo el valerse de los profesionales del Derecho, y para que se así, el
procedimento y la organización jurisdicional tienen que ser extremadamente sencillos. (RODRIGUEZ,
1947, p. 24-25)
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O processo do trabalho surgiu como um instrumento para intervir na desigualdade da relação processual.
Independentemente do modelo adotado, seu desenvolvimento foi sempre estruturado em ferramentas de
correção de desigualdade, como a facilitação do acesso à justiça, gratuidade, celeridade, informalidade, oralidade
e simplicidade.
Do ponto de vista do capitalista, essa eficácia e também a independência do órgão conciliador ou julgador
eram necessárias, porque o mercado coloca as empresas em disputa, a qual só é viável com o cumprimento de
regras iguais para todos. Em outras palavras, a segurança jurídica é essencial para o capitalista se proteger da
concorrência desleal. Com a globalização, a independência do órgão conciliador ou julgador e sua capacidade de
gerar segurança jurídica passaram a ser uma questão mundial.
De conseguinte, o tema foi elevado ao Direito Internacional. Em 1962, a Organização Internacional do Trabalho
— OIT recomendou que os estados membros adotassem medidas para dar tratamento adequado às reclamações
trabalhistas, inicialmente dentro da própria empresa e, em caso de insucesso, garantindo o acesso a procedimentos
previstos em normas coletivas, arbitragem, tribunais do trabalho ou em qualquer outro procedimento apropria do,
levando em conta as condições nacionais (art. 17 da Recomendação n. 130).
Além disso, como destaca SÜSSEKIND (1999, p. 117), a Convenção n. 158, sobre a terminação da relação
do trabalho por iniciativa do empregador, estabeleceu que a reclamação deveria ser decidida por um “organismo
neutro, como um tribunal, um tribunal do trabalho, uma junta de arbitragem ou um árbitro” (ar t. 8º, 1).
SÜSSEKIND também lembra que o tema foi objeto da 4ª Conferência dos Estados da América Membros da
OIT, que proclamou a necessidade de criar tribunais do trabalho especializados:
Relativamente aos tribunais do trabalho, geralmente instituídos para solução dos litígios individuais e dos
coletivos de direito, a 4ª Conferência dos Estados da América Membros da OIT (Montevidéu, 1949) aprovou
resolução da qual destacamos as seguintes disposições:
a) os tribunais do trabalho deveriam ter caráter permanente, funcionando com inteira independência em
relação ao Poder Executivo (item 2);
b) os tribunais colegiados, constituídos à base de representação de interesses, deveriam ter representantes de
empregados e de trabalhadores (item 4);
c) sempre que possível, deveriam ser criados tribunais superiores do trabalho para os recursos das decisões
de primeira instância (item 7);
d) os tribunais do trabalho deveriam ser privativamente competentes para conhecer dos conflitos relativos
à interpretação ou aplicação dos contratos individuais do trabalho, das convenções ou contratos coletivos e
da legislação social (item 8);
e) os tribunais do trabalho não deveriam conhecer de conflito sobre a interpretação ou aplicação de conven-
ções ou contratos coletivos que estipulem procedimentos especiais para solucionar as controvérsias, salvo se
os procedimentos não tiverem caráter final (item 9);
f) os tribunais do trabalho deveriam esforçar-se para solucionar os conflitos jurídicos do trabalho por me-
diação e conciliação, antes de decidi-los por sentença ou acórdão (item 10);
g) deveriam simplificar-se ao máximo as formalidades do processo e adotar-se medidas para acelerar sua
tramitação. As regras do processo comum não deveriam aplicar-se aos tribunais do trabalho, salvo quando
compatíveis com as normas destes e a natureza especial, simples e expedita dos seus procedimentos, devendo,
em todos os casos, assegurar-se o direito de defesa (item 14);
h) os serviços dos tribunais do trabalho deveriam ser gratuitos (item 18);
i) os trabalhadores deveriam ser protegidos contra qualquer ato de discriminação no emprego tendentes a
impedir-lhes que recorram aos tribunais do trabalho, prestem depoimentos como testemunhas ou peritos e,
ainda, que integrem, como membros, esses tribunais (item 19);

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