Lei da terceirização e contribuições previdenciárias

AutorAna Paula Fernandes
Páginas135-143

Page 135

Ver Nota1

1. Introdução

Quando uma norma sofre alterações no Ordenamento Jurídico muito se discute, do ponto de vista legal e prático, sobre sua validade, eficácia, constitucionalidade, vigência e principalmente sobre os reais impactos que ela causará na sociedade.

A aprovação de uma norma prescinde, ou ao menos deveria, de um trabalhoso processo legislativo. Inúmeras negociações políticas, discussões sociais, e claro o debate entre os envolvidos ou afetados por ela.

O que se diz então quando se trata de uma norma que resultou de um momento histórico de grande avanço social, norma esta que trouxe à tona a necessidade de equilíbrio entre os indivíduos que figuravam em classes muitas vezes tão antagônicas como empregador e proletariado?

Pois bem, a Consolidação das Leis Trabalhistas de 1973 é atualmente objeto no cenário político e legislativo da maior Reforma (contrarreforma para alguns) já discutida até os dias de hoje em matéria de Direitos Sociais. Momento este no qual se discutem também outras reformas de grande impacto na sociedade, como a previdenciária.

E é neste cenário que se analisam os possíveis reflexos da Lei da Terceirização, Lei n. 13.429/2017, aprovada em 31 de março de 2017, nas obrigações tributárias denominadas de Contribuições Previdenciárias, vertidas aos Cofres Públicos da Seguridade Social.

No âmbito trabalhista a discussão divide opiniões. Empresários defendem que a aprovação da medida permitirá ganhos de produtividade, enquanto que órgãos de classe de base do trabalhador apontam para a precarização de direitos.

O que se pretende, contudo, neste artigo é analisar se a aprovação da Terceirização, nos moldes da Lei n.
13.429/2017, trará ou não alterações no âmbito previdenciário e se isso causará ou não impacto no caixa da Seguridade Social, possibilitando ao trabalhador ou ao contratante eximirem-se de suas obrigações para com o caixa previdenciário.

O novo diploma inova de forma impactante no cenário trabalhista com a previsão legal que autoriza a terceirização da atividade-fim, antes vedada pela Súmula n. 331 do TST.

Importante salientar que a terceirização em si nunca foi vedada no âmbito previdenciário, uma vez que o próprio conceito de cessão de mão de obra existente na legislação ventilava esta possibilidade.

Não há dúvida também de que esta inovação legal pode alterar bruscamente a vida do trabalhador, tanto nas relações de terceirização havidas entre pessoa jurídica e pessoa física, quanto nos casos entre duas ou mais pessoas jurídicas.

Isto por que quem labora na condição de empregado poderá vir a deixar de ser empregado direto do tomador e passar a ser empregado direto da empresa terceirizada (contratada ou subcontratada), ou ainda em menor proporção na relação entre pessoa física e jurídica, ocorrerá a legalização da chamada “pejotização” com a criação de CNPJ para prestação de serviço individual para outra pessoa jurídica.

E para entender os reflexos destas relações nas contribuições fiscais é preciso compreender como foi estruturado o sistema de Custeio Previdenciário na Constituição Federal de 1988, e nos termos da Lei n. 8.212/1991, como os segurados da Previdência Social vertem suas contribuições para ele.

2. Sustentabilidade e desenvolvimento do sistema previdenciário brasileiro na Constituição Federal de 1988

Para compreender a estrutura de custeio do sistema previdenciário é preciso entender que este está inserido na Seguridade Social.

A Constituição Cidadã trouxe em seu texto a estrutura ideal de Estado Social. Conforme previsão Constitucional a Seguridade Social é um conceito amplo que engloba a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde. (Art. 194, caput da CF/88). Importante não confundir os conceitos e objetivos de cada uma delas. Observe-se, também, que somente a Previdência Social é fonte de arrecadação tributária, ou seja, é a única das três que arrecada valores diretos para a Seguridade Social, enquanto a Assistência e a Saúde apenas dispendem tais verbas.

Page 136

A Seguridade Social tem como principal objetivo a manutenção de um sistema de proteção social. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – equidade na forma de participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento; VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite (e não tripartite), com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (art. 194 incisos e parágrafos da CF/88).Social é organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, atendendo às necessidades de seus segurados em casos de incapacidade para o trabalho, temporária ou permanente, maternidade e idade avançada. (art. 201, CF/88).

Já a Assistência Social envolve políticas públicas e ações governamentais prestadas a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo como objetivo a proteção da família, da maternidade, da criança e do adolescente e dos idosos, ainda, a promoção da reintegração ao mercado de trabalho e a garantia de um salário mínimo por pessoa idosa ou deficiente cuja família não tenha condições de subsistência. (art. 203, CF/88).

Por fim, a Saúde engloba um conjunto de ações e serviços públicos, numa rede regionalizada e hierarquizada denominada de Sistema Único de Saúde. È um direito de todos e um dever do Estado, independentemente de contribuição para a seguridade social. Apesar de constituir dever do Estado, a Saúde é livre à iniciativa privada. (arts. 196, 197, 198 e 199, CF/88).

Observe-se que o legislador ordinário tratou de elencar todos benefícios previdenciários, no corpo do texto constitucional, bem como os requisitos para sua obtenção, forma de cálculo de benefícios, comunicação entre regimes, entre outros detalhes afins, tudo isso em função da importância destes direitos num Estado Democrático de Direito.

Porém, com o passar dos anos, o que vemos são constantes alterações em seu texto, na grande maioria das vezes, com intuito de suprimir direitos e afastar garantias, que estão modificando sua estrutura fundamental2 e desviando-se dos objetivos traçados pelo Poder Constituinte Originário. Tais alterações de cunho político e de interesse da União, visam diminuir gastos públicos com a Seguridade Social ou ainda, em muitos casos, garantir o uso da verba a ela destinada para outros objetivos e interesses políticos.

3. Base constitucional de custeio previdenciário e classificação dos segurados e empresas na norma infraconstitucional

A Constituição Federal de 1988 trata da Ordem Social no Titulo VIII, a partir do seu artigo 1933. O referido artigo trata da Ordem Social, na qual a seguridade está inserida. O texto constitucional determina que haverá universalidade da cobertura e atendimento nos moldes do artigo 1944, e que caberá a toda a sociedade financiar a seguridade social, na modalidade direta ou indireta, conforme previsto no artigo 1955.

O financiamento do modelo de proteção social escolhido pela Carta Magna é regido por alguns princípios fundamentais, que podem ser encontrados na literalidade dos artigos 194 e 195 da Constituição Federal, quais sejam: equidade na forma de participação no custeio, diversidade da base de financiamento e preexistência do custeio em relação ao benefício ou serviço (regra da contrapartida).

É justificada a preocupação com o equilíbrio atuarial do sistema de seguridade social instituído, porém, é importante observar que ele não será aplicado isoladamente, mas sempre em conjunto com a correta implementação dos direitos dos cidadãos, como bem aponta Marco Aurélio Serau Junior:

O equilíbrio financeiro e atuarial, tão relevante em qualquer sistema previdenciário, assegurado constitucionalmente (artigos 40 e 201), não deve vigorar isoladamente

Page 137

ou com primazia. É elemento estrutural do sistema que deve ser respeitado, mas não pode sobrepujar a finalidade precípua da Seguridade Social, que é levar proteção social aos cidadãos em momentos de contingência social.6

Veja, seria totalmente inútil o texto constitucional se este assegurasse uma gama de direitos fundamentais e, se aliados a tais garantias, não existissem meios, principalmente orçamentários, que possibilitassem a concretização destes projetos constitucionais.7 Exatamente por este motivo, que o Poder Constituinte Originário tratou de estabelecer as regras gerais de custeio do sistema de seguridade no texto constitucional.

A Carta Constitucional, portanto, é primorosa ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, na linha de raciocínio da reserva do possível, entre ser razoável a pretensão frente à possibilidade de concretização, pois previu as respectivas fontes orçamentárias de custeio.

Como vimos, a Seguridade Social será custeada por toda a sociedade, mas o impacto da terceirização, caso ocorra, será nas contribuições sociais devidas pelo I – empregador, empresa e entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT