Leninist reflections on State and the struggle of socialist women/Reflexoes leninistas sobre o Estado e a luta das mulheres socialistas.

AutorAlves, Leonardo Nogueira
CargoTexto en portugues

Introducao

Meu canto se renova E recomeco a busca Dum pais liberto Duma vida limpa E dum pais justo. Sophia de Mello (1) Neste trabalho nos propomos a dialogar com a formulacao de Lenin (2010) acerca do Estado, do ponto de vista da sua funcao e da necessidade de sua destruicao. Tambem nos colocamos no desafio de apreender, a partir dos escritos de Lenin, a percepcao dele acerca das relacoes de opressao a que as mulheres estao submetidas e o papel que cumpre a revolucao para construir a igualdade entre homens e mulheres.

Lenin sempre se colocou no desafio teorico-politico de construir uma abordagem acessivel a classe trabalhadora e com desdobramentos na luta de classes. Reconhecer esta dimensao da sua obra e um imperativo para dialogar com este pensador/militante que vislumbra a necessidade e a possibilidade da "revolucao socialista" em toda a sua trajetoria.

As contribuicoes de Vladimir Ilitch Lenin foram primordiais no campo dos estudos sobre "teoria da organizacao politica". Lukacs (2012) reforca o pioneirismo de Lenin ao afirmar que por muito tempo ele foi o unico lider e teorico a considerar o problema da organizacao. Na concepcao desenvolvida por Lenin, o partido e instrumento politico capaz de aglutinar os setores mais conscientes do proletariado de forma centralizada. Ou seja, o partido exerce uma funcao dirigente da classe operaria. Lukacs (2012) percebe que a centralidade da concepcao de partido em Lenin consiste na sua funcao preparatoria, ou seja, o partido precisa atuar de maneira intencional nas constricoes da sociedade capitalista no intuito de acelerar a precipitacao da ordem burguesa. Lukacs (2012) destaca que na obra e na trajetoria politica de Lenin a concepcao de organizacao esta umbilicalmente ligada a perspectiva de revolucao. Para Braz (2015, p. 11), Lenin "renovou teoricamente o debate sobre a revolucao--e, nela, a questao da organizacao politica do proletariado, a sua relacao com o Estado--, acentuando a necessidade de criacao de uma organizacao revolucionaria disciplinada".

No decorrer deste breve texto apresentaremos uma caracterizacao do periodo historico em que Lenin realiza a maior parte de suas reflexoes, bem como a interlocucao com o legado de Marx e Engels. Em seguida, caracterizaremos o Estado a partir das reflexoes de Lenin, especialmente a luz da obra O Estado e a revolucao, mostrando os aspectos centrais desta formulacao: o Estado como produto do antagonismo inconciliavel entre classes, como necessidade e via para o proletariado tomar o poder e instaurar a ditadura do proletariado.

  1. Condicoes historicas e emergencia da formulacao de Lenin

    A passagem do seculo XIX para o seculo XX e marcada por inumeras transformacoes politicas e economicas. Lenin (2012) percebe que, neste momento, o capitalismo transitava para sua fase madura, intitulada fase imperialista. Nesse contexto, a classe trabalhadora buscava retomar os preceitos do internacionalismo com a construcao da II Internacional Comunista.

    Entre os adeptos do comunismo, esse momento foi marcado por uma possivel "crise do marxismo", explicitada no objetivo de hegemonizar a organizacao dos trabalhadores pela via do reformismo/oportunismo ou pela via revolucionaria da tomada do poder do Estado, conforme Chevallier (1973).

    Embora tais perspectivas busquem inspiracao nas formulacoes de Marx e Engels, elas sao diametralmente divergentes. Lenin foi um dos responsaveis por formular uma interlocucao profunda com o pensamento de Marx e Engels, retomando as experiencias das lutas e da tomada do poder na Europa do seculo XIX, especialmente no que se refere a Comuna de Paris. Sobre esta, cabe ressaltar que, de acordo com Montano e Duriguetto (2011, p. 230-231):

    Em marco de 1871, os operarios franceses fazem uma revolucao da capital, que ficou conhecida como Comuna de Paris. A burguesia e o exercito foram expulsos pelos trabalhadores em armas. Um novo governo foi criado em torno da qual se agruparam principalmente os trabalhadores. [...] A experiencia triunfou 72 dias, sendo os trabalhadores massacrados pelo exercito frances e alemao. Estima-se que de trinta a cinquenta mil trabalhadores foram mortos. Desse modo, Lenin teve o desafio de compreender e explicar nao so a pertinencia da revolucao nos textos classicos de Marx e Engels, como tambem apreender as determinacoes da Russia czarista, marcada por um regime autocratico e pela crescente pauperizacao do seu povo.

    Ressalta-se que, ja no inicio do seculo XX, a possibilidade da eclosao da I Guerra Mundial estava posta. Esta irrompe em 1914 e coloca em xeque as teses da Internacional Comunista, tendo em vista que inumeros partidos da socialdemocracia apoiaram a guerra com o argumento de defender sua patria. Nas palavras de Chevallier (1973, p. 362):

    Rompe a guerra de 1914. [...] E um desastre para a Internacional. Em todos os paises beligerantes, o grosso dos partidos declara pela defesa da patria. O kautskismo, do nome do alemao Kautsky, que antes da guerra representava o marxismo ortodoxo e que condenava o oportunismo em teoria, mas sem romper praticamente com ele, conserva-se, em face dessa situacao, na mesma politica prudente: uma politica de centro. Esse contexto historico e refletido por Lenin (2015) a luz das condicoes historicas e objetivas da Russia. Lenin enfrentou o desafio constante de particularizar o universal e universalizar o particular. Dessa maneira, buscou compreender as determinacoes da Russia e um passo fundamental para perceber as possibilidades e as vias historicas para a revolucao.

    A Russia, se comparada aos demais paises da Europa, vivenciava um contexto de atraso politico-economico com uma economia predominantemente agricola. Contudo, havia contrastes importantes, como, por exemplo, as iniciativas de grandes industrias do meio urbano que requisitavam forca de trabalho daqueles que emigravam do campo. Esse processo foi essencial para a formacao do operariado russo.

    Em meados da decada de 1870, a Russia estava sob um regime czarista, no qual o czar detinha o poder politico e economico. Uma especie de monarquia autocratica. Tanto a nascente burguesia, quanto o crescente proletariado estavam insatisfeitos com esse regime. Focos de resistencia e de lutas surgiam num contexto de aumento da repressao pelo czar.

    Neste momento, a Russia tambem passava por um periodo de "revolucao agricola", processo timido no qual a terra se torna propriedade mercantil, ou seja, sua producao passa a integrar o mercado interno, numa perspectiva de produzir insumos para a manufatura que estava surgindo. O desenvolvimento da manufatura e da grande industria era precario e dependia da relacao com a Franca e, posteriormente, com a Alemanha.

    A composicao das classes sociais e suas fracoes tambem e um fator relevante para compreender a conjuntura da Russia naquele periodo: pequenos burgueses e burguesia industrial, aristocracia agraria (bases dos czares), campones medio e trabalhadores assalariados faziam parte da estrutura de classes daquele periodo.

    A necessidade de construcao de uma agenda democratica sintonizava as reivindicacoes de amplos setores da sociedade em oposicao ao regime czarista. Tanto as reivindicacoes por direitos trabalhistas quanto a liberdade de mercado dialogavam no combate ao czar. Neste contexto, comecam a surgir as experiencias sindicais e os soviets (conselho dos operarios), influenciados pela conjuntura da II Internacional.

    Os desafios teoricos e politicos de Lenin se inseriram neste contexto, levando em conta as particularidades da Russia e os ditames da conjuntura internacional. Para Chevallier (1973, p. 363),

    Criar na Russia autocratica um partido marxista, vanguarda da classe operaria, determinar-lhe um programa preciso e uma tatica eficaz, eliminar impiedosamente qualquer 'desvio' em relacao ao marxismo 'autentico', tal foi, do principio ao fim, a tarefa de Lenin. [...] 'Sem teoria revolucionaria, nao ha acao revolucionaria' [Lenin apud Chevallier]. A teoria tornava possivel a acao, mas essa fazia com que a teoria progredisse, transformando-a. Estes desafios teoricos e politicos de Lenin se materializaram na construcao do partido socialdemocrata russo e da II Internacional. Naquele momento, os soviets espalhavam sua influencia e os sindicatos comecavam a ter influencias anarquistas. Lenin (2015) criticou duramente o espontaneismo e o economicismo das ideias anarquistas. Cabe ressaltar que sua atuacao no partido socialdemocrata russo (o qual, ao se constituir enquanto maioria politica, recebe o nome de partido bolchevique) e marcada por uma vitoria interna e pela derrota externa nos rumos da II Internacional.

    A situacao politica da Russia se agrava com a greve geral dos operarios entre 1905 e 1907. A recepcao violenta do czar aos manifestantes grevistas foi decisiva para disseminar a revolta do povo russo. De 1905 a 1917 inumeras lutas foram travadas contra o regime czarista, nas quais a atuacao dos bolcheviques e essencial. Simultaneamente, eles combinaram a disputa institucional e o vinculo com as massas trabalhadoras e suas organizacoes clandestinas.

    A entrada da Russia na I Guerra Mundial agrava as contradicoes de um pais agrario e marcado pelo pauperismo da populacao. Em abril de 1917 Lenin escreveu as Teses de...

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