Lição 23 - Danos à saúde: a responsabilidade civil médica e hospitalar

AutorNehemias Domingos de Melo
Páginas235-260
Lição 23
DANOS À SAÚDE:
A RESPONSABILIDADE CIVIL
MÉDICA E HOSPITALAR1
Sumário: 1. Evolução histórica da responsabilidade médica – 1.1 Na antiguidade
– 1.2 No direito romano – 1.3 Na era moderna – 1.4 Notas conclusivas – 2. Responsa-
bilidade civil do médico – 2.1 Responsabilidade do médico e a culpa provada – 2.2
Da imprudência – 2.3 Da negligência – 2.4 Da imperícia – 2.5 Erro grosseiro – 2.6
Erro escusável – 2.7 Consentimento informado – 3. Responsabilidade objetiva dos
hospitais, clínicas e similares – 3.1 Responsabilidade objetiva em face do Código
de Defesa do Consumidor – 3.2 Responsabilidade do hospital em face do Código
Civil – 3.3 Responsabilidade dos hospitais públicos – 3.4 A Lei nº 12.653/12 e a
proibição de caução – 3.5 Iatrogenia – 3.6 Dos riscos próprios da atividade médica.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE MÉDICA
Para bem compreender como se encontra a responsabilidade civil dos mé-
dicos e dos hospitais na atualidade é necessário fazer um retrospecto de histórico,
para bem compreender as mudanças que ocorreram com o tempo, senão vejamos.
1.1 Na antiguidade
Não é difícil imaginar em que momento, na história da vida do homem,
nasceram a dor e a doença. Não temos dúvidas de que elas surgiram com o
nascimento do próprio homem, fazendo surgir também, e ao mesmo tempo, a
necessidade de busca de soluções para a cura da dor e de superação da doença,
bem como do prolongamento da vida, que se pretende eterna.
As primeiras atividades nesse campo não tinham uma preocupação de
estudo das patologias, mas, principalmente, de encontrar meios de cura, o que
1. Texto copilado da nossa obra Responsabilidade civil por erro médico, 3ª. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
LIÇÕES DE DIREITO CIVIL – VOLUME 2 • Nehemias DomiNgos De melo
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se fazia através do empirismo. Assim, algumas pessoas, como curiosas e obser-
vadoras, receitavam determinadas ervas como remédio para curar uma dor, ou,
diante de uma fratura, determinavam o modo pelo qual deveria imobilizar-se
para solidicar a fratura, fazendo surgir assim, através da experiência concreta,
aqueles que na comunidade se destacavam como os expertos ou taumaturgos,
qualidades que lhes eram conferidas pela comunidade, ou eles próprios assim
se autorrotulavam.2
Essa aura em muito fazia com que aqueles curandeiros, magos ou sacerdotes
fossem vistos como dotados de poderes sobrenaturais, distinguindo-se dos demais
tendo em vista que eles não podiam ser iguais aos outros homens; nem podiam
ter uma rotina semelhante, eis que o respeito e a conança na sua atividade, bem
como a ecácia, dependiam de estar envoltos nessa aura de mistério que muito
impressionava o grupo social. Por essas razões, suas roupas, comidas, o próprio
sistema de vida e os pensamentos eram, e precisavam ser, diferentes dos demais
integrantes da comunidade.3
Embora se possam encontrar registros de práticas médicas na mais remota
antiguidade, o primeiro documento histórico que tratou especicamente do erro
médico e, portanto, da responsabilização do prossional foi o Código de Hamu-
rabi. Alguns artigos tratam de normas gerais com relação à atividade médica,
outros são mais especícos. Esse Código impunha ao cirurgião a máxima atenção
e perícia no exercício da prossão; caso contrário, poderia o prossional sofrer
severas penas que podiam signicar, inclusive, a amputação de sua mão, caso
fosse imperito. Tais penas eram aplicadas quando ocorria morte ou lesões graves
aos pacientes homens livres, pois, quando se referisse a escravo ou a animal, a
previsão era de ressarcimento do dano.4
A ideia presente no Código de Hamurábi, assim como no Código de Manu e,
posteriormente, na Lei das XII Tábuas, era de punição. Aqueles povos edicaram
tais normas, impregnadas de fortes componentes penais, com a nalidade de
constranger e inibir a prática dos atos ditos ilícitos. Observa-se nesses Códigos que
a ideia mais segura e ecaz para refrear os instintos antissociais era o rigorismo
das penas. Tal orientação inuenciou os preceitos normativos e os ordenamentos
jurídicos das sociedades que se sucederam no curso da história.5
Foi com os gregos que a medicina tomou forma de ciência e passou a contar
com explicações racionais das doenças e formas técnicas de cuidados, deixando
2. Miguel Kfouri Neto. Responsabilidade civil do médico, p. 28.
3. João Monteiro de Castro. Responsabilidade civil do médico, p. 20.
4. Miguel Kfouri Neto, op. cit. p. 29.
5. Clayton Reis. Os novos rumos da indenização do dano moral, p. 9.

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