Liquidação de pedidos na petição inicial trabalhista após a reforma

AutorRoberto Dala Barba Filho
Páginas323-329

Page 323

Ver Nota1

1. O conteúdo do pedido no processo civil e trabalhista

A Reforma Trabalhista sancionada pelo Presidente da República em 13 de julho de 2017 traz em seu corpo alterações que vão desde dispositivos de direito material individual do trabalho, passando por normas de direito coletivo e administrativo, até normas de processo do trabalho.

Observada a “vacatio legis” de 120 dias estabelecida no art. 6º da Lei n. 13.467/17, todas as suas alterações passam a entrar em vigor, sendo evidente que os efeitos mais imediatos serão sentidos no processo do trabalho.

As normas processuais se sujeitam à regra “tempus regit actum”, razão pela qual quando se versa a respeito da petição inicial, contudo, a questão de direito intertemporal é muito mais simples, já que basta aferir qual a norma processual em vigor por ocasião do ajuizamento da demanda. Assim, ao se versar a respeito da disciplina dos pedidos na petição inicial trabalhista após a reforma, está a se tratar das petições iniciais de ações ajuizadas após o período da “vacatio legis”.

Os requisitos da petição inicial trabalhista já eram disciplinados antes da reforma no art. 840, § 1º, da CLT, e continuam o sendo, permanecendo a admissão da apresentação da reclamatória tanto verbal quanto escrita. Houve, contudo, significativa e importante alteração quanto à parte do pedido na petição inicial, como se verifica a seguir:

Art. 840. A reclamação poderá ser escrita ou verbal.

§ 1º Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, deter-minado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante (negritei).

Antes da nova redação, o parágrafo em exame fazia alusão exclusivamente à necessidade do pedido, mas não fazia qualquer referência à certeza ou determinação, muito menos à indicação de valores.

Nesse aspecto, é conveniente notar que a própria exigência de certeza e determinação, ou mesmo o significado desta exigência, sempre foi objeto de debate doutrinário.

O CPC de 1973 causou certa confusão nesse aspecto ao prever, em seu art. 286, que os pedidos deveriam ser certos ou determinados, como se a determinação do pedido pudesse ser um substituto ao requisito de certeza. A doutrina processualista, como regra, interpretou o dispositivo como uma dupla exigência, até mesmo porque seria logicamente impossível determinar um pedido sem que ele estivesse, ao mesmo tempo, expresso e individualizado.

Contudo, não obstante os alertas da doutrina a respeito do uso inapropriado da locução “ou” o legislador voltou a incorrer no mesmo equívoco inclusive no processo do trabalho, ao inseri-la no art. 852-B, I, da CLT2, ao versar sobre procedimento sumaríssimo.

Humberto Theodoro Júnior, ao versar sobre a certeza e determinação, assinala que “entende-se por certo o pedido expresso, pois não se admite que possa o pedido do autor ficar apenas implícito, salvo apenas nas exceções definidas pela própria lei. Já a determinação se refere aos limites da pretensão. O autor deve ser claro e preciso naquilo que espera obter da prestação jurisdicional. Somente é deter-minado o pedido se o autor faz conhecer com segurança o que pede que seja pronunciado pela sentença”3.

Com relação à certeza, sempre pairaram poucas dúvidas a respeito de sua necessidade, até de forma a viabilizar o exercício do direito de defesa pela parte adversa. Com efeito, seria virtualmente impossível qualquer delimitação efetiva da demanda e do objeto controvertido se todos os pedidos pudessem ser considerados simplesmente “implícitos”. Neste sentido, a certeza implica necessariamente que o pedido deve ser antes de tudo expresso, além de especificado e individualizado na petição inicial. Vale destacar que mesmo que se demandasse coisa incerta (o que é extremamente raro no processo do trabalho), ainda assim seria necessária ao menos a indicação de gênero e quantidade do que é vindicado, na forma do art. 243, do Código Civil4.

A exigência de determinação, por outro lado, sempre causou um pouco mais de embaraço. Isso porque por vezes interpreta-se a determinação como possuindo um conteúdo e significado próprios, enquanto por vezes inter-preta-se como mero sinônimo de liquidez.

Page 324

Manoel Antônio Teixeira Filho, por exemplo, entende que a determinação seria necessária para individualizar, especificar e desassemelhar o pedido de outros, embora admita também que pode significar simplesmente a apresentação do pedido sob a forma de quantia certa5. O problema é que a individualização e especificação do pedido parecem já estar inseridas no conceito de certeza, razão pela qual a sua inserção no conceito de determinação ficaria redundante ou inócua.

Essa confusão é tão corriqueira que Sérgio Pinto Mar-tins, ao versar sobre certeza e determinação no procedimento sumaríssimo, afirma que “a palavra determinado diz respeito à certeza do pedido”, ou seja, transforma a exigência de pedido determinado em sinônimo de pedido certo, neutralizando-o, e depois procura explicar que a expressão “certo” no dispositivo na verdade se refere ao valor6. Isso mais cria problemas do que resolve, porque transforma “determinado” em sinônimo de certeza e “certo” em sinônimo de líquido. Melhor seria, nesse caso, simplesmente interpretar que pedido “certo” se refere à certeza e determinado se refere, aí sim, à liquidez.

Boa parte da celeuma, entretanto, está contida no pressuposto da discussão que é o dogma de que a norma não conteria expressões inúteis, procurando-se, então, conferir ao conceito de “determinado” um sentido diverso de “líquido” para justificar o fato de que a norma, tautologicamente, exige a determinação e também a indicação dos valores dos pedidos.

Deslocada a exigência de indicação do valor do conceito de pedido “determinado”, o mesmo fica virtualmente esvaziado de conteúdo, razão pela qual parece realmente mais lógico estabelecer um vínculo direto entre o conceito de determinação e liquidez. Acompanho, assim, o entendimento de Cândido Dinamarco no sentido de que ”diz-se certo o pedido quando individualizado em seus elementos o objeto sobre o qual se pretende o pronunciamento jurisdicional; líquido ou determinado, o pedido que faz tal indicação (número de cabeças de animal, determinado valor em dinheiro) ”7.

Do ponto de vista das pretensões de obrigação de pagar quantia certa, parece haver poucas dúvidas a respeito da ligação direta entre o conceito de determinação e o de liquidação. A determinação pode se divorciar do conceito de liquidação nas pretensões relacionadas a obrigações de fazer, em especial quando infungíveis, ou ainda nas pretensões cujo objeto seja essencialmente declaratório. Nas pretensões que visam condenações de pagar, contudo, a única diferenciação que poderia ser feita neste aspecto é que a determinação pode se referir a um objeto cujo valor dependa de uma liquidação posterior, como seria o caso de um objeto cujo valor necessariamente dependa de uma liquidação por artigos ou por arbitramento (e. g. participação do empregado em direitos autorais ou de invenção), situações de exceção, contudo, que estão em grande parte previstas legalmente, como se verá a seguir.

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, boa parte dessa discussão restou facilitada porque a lei cindiu o conteúdo do art. 286 do CPC anterior e passou a estabelecer, de forma categórica, que o pedido deve ser certo (art. 322) e determinado (art. 324).

No que se refere ao pedido certo, as exceções legais sempre foram os pedidos implícitos, que a jurisprudência e a doutrina processual trabalhista sempre admitiram também como aplicáveis ao processo do trabalho, tais como as prestações sucessivas (art. 323 do CPC8), os juros e a correção monetária, assim como também parece claro que se aplicará o mesmo tratamento, após a reforma trabalhista, às verbas de sucumbência e honorários advocatícios, na forma do art. 322, § 1º, do CPC9.

Há alguma discussão na doutrina processual trabalhista se algumas pretensões específicas, tais como a incidência da multa prevista no art. 467, da CLT, poderiam ser inseridas dentro do conceito de pedido implícito (o que entendo não ser o caso por absoluta ausência de previsão legal). A verdade, porém, é que mesmo quem assim entende estaria correndo um risco desnecessário se omitisse tal pedido com base neste entendimento, precisamente por se poder entender que não existe o pedido ou que o provimento extrapolaria os limites da demanda. Aliás, mesmo no que se refere aos pedidos que expressamente se entendem implícitos é conveniente que sejam abordados, até porque pode haver discussões incidentais a seu respeito (e. g. incidência de imposto de renda sobre juros de mora)10.

No que concerne à determinação, o CPC manteve em sua atual redação as ressalvas que já existiam no Código

Page 325

de 1973 para autorizar a formulação de pedido genérico como se vê:

Art. 324. O pedido deve ser determinado.

§ 1º É lícito, porém, formular pedido genérico:

I — nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados;

II — quando não for...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT