Microssistema Processual Coletivo Brasileiro e Desafios Contemporâneos

AutorDiogo Ribeiro Ferreira
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito e Justiça pela Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas41-68
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MICrossIsTeMa ProCessual ColeTIVo
BrasIleIro e desafIos ConTeMPorâneos
Em brevíssima síntese é possível recordar que no Brasil, antes da exis-
tência de mecanismos de tutela coletiva de direitos predominava proces-
sualmente a tutela individual. Em seguida, com o advento exempli gratia
da Lei de Ação Popular, Lei n. 4.717/65, e da Lei 6.938/81, através de seu
art. 14, § 1º, atingiu-se uma fase de proteção dos direitos coletivos taxati-
vamente determinados nas leis de tutela coletiva.
Posteriormente, em uma nova fase, a Lei 7.347/85, a CRFB/88 e a Lei
8.078/90 trouxeram mais segurança para a garantia dos direitos difusos e
coletivos enquanto direitos fundamentais de 3ª geração ao ampliar o rol
dos direitos coletivos protegidos. Nos termos do art. 129, III, da CRFB/88,
“qualquer outro direito coletivo e difuso” poderá ser defendido pelo Mi-
nistério Público. No entendimento do próprio Superior Tribunal de Justiça1,
“oMinistérioPúblicotemlegitimidadeparaproporaçãocivilpúblicaque
tratedaproteçãodequaisquerdireitostransindividuais”,bemcomo“nãose
pode relegar a tutela de todos os direitos a instrumentos processuais indivi-
duais, sob pena de excluir do Estado e da democracia aqueles cidadãos que
maismerecemsuaproteção”.
Com efeito, o Direito Processual Coletivo é um mecanismo efetivo de
resolução de litígios, possuindo no Brasil um microssistema próprio, embo-
raaindacareçadeumacompilaçãodenitiva.Visaadarumasoluçãomais
racional a demandas que podem se fazer repetitivas, o que em muitos casos
signicacuidardelitígiosdemassaatravésdeumcritériomistodeseguran-
ça jurídica, economia processual, uniformidade de julgamentos e razoável
1 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de jurisprudência n. 497 – REsp 1.099.634-RJ,
Rel.Min.NancyAndrighi,julgado em8/5/2012:“[...]o MinistérioPúblicotem legitimidadepara
propor ação civil pública que trate da proteção de quaisquer direitos transindividuais, tais como
denidosnoart.81doCDC.Issodecorredainterpretaçãodoart.129,III, daCFemconjuntocom
o art. 21 da Lei n. 7.347/1985 e arts. 81 e 90 do CDC e protege todos os interesses transindividuais,
sejam eles decorrentes de relações consumeristas ou não. Ressaltou a Min. Relatora que não se pode
relegar a tutela de todos os direitos a instrumentos processuais individuais, sob pena de excluir do
Estado e da democracia aqueles cidadãos que mais merecem sua proteção. [...] Precedentes citados:
do STF: RE 163.231-SP, 29/6/2001; do STJ: REsp 635.807-CE, DJ 20/6/2005; REsp 547.170-SP,
DJ 10/2/2004, e REsp 509.654-MA, DJ 16/11/2004.
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manual do term o de ajustamento de cond uta
diogo ribeiro ferreira
duração do processo, entre outros, ganhando relevo especial como solução
adequadaparaumasociedadehipercomplexaemassicada.
É o que ressaltou o Superior Tribunal de Justiça2aoconsignaradicul-
dade em se propor ações quando, embora atingido um número enorme de
pessoas, o fato de a lesão ocorrer em pequena quantidade desfavorece a
busca da resolução do problema no campo das prioridades do ser humano e
posterga a solução do problema através da falta de acesso à justiça.
Nada obstante, se o acesso à justiça em tais casos fosse exercido a título
individual essas ações aumentariam ainda mais a quantidade de processos
ainda não resolvidos pelo judiciário, causando lentidão e congestionamento,
o que tem sido motivo de grandes críticas por parte da sociedade.
Éassimquesevericaaverdadeiraimprescindibilidade da ação cole-
tiva,adequadaparapodercolocardeumasóvezmaumgrandenúmerode
conitose“liberarosistemadosentravesdaaçãoindividual,poispretendeu
introduzirnonossoordenamentomedidarealmenteecaz”,conformeadic-
ção do STJ no referido REsp 235.422/SP.
Trata-se da interligação entre o Código de Defesa do Consumidor e
a Lei da Ação Civil Pública, reciprocamente, nos termos do art. 90 e 117
do CDC bem como art. 21 da LACP, contando com aplicação subsidiária
do Código de Processo Civil. Além disso, a Lei de Ação Popular, a Lei
de Mandado de Segurança3 e ainda a Lei de Improbidade Administrativa
também se encontram interligadas e também compõe o microssistema
processual coletivo.
ParaNelson Nery Júnior4, “há, por assimdizer,uma perfeita intera-
ção entre os sistemas do CDC e da LACP, que se completam e podem ser
aplicados indistintamente às ações que versem sobre direitos ou interesses
difusos,coletivose individuais, observado o princípio da especialidade”.
Portanto, verica-seexistirumdiálogo entre fontes jurídicas que constrói
2 BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. REsp 235422/SP,Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar,
Quarta Turma, julgado em 19/10/2000, DJ 18/12/2000, p. 202, conforme voto do Relator, verbis:
“Éprecisoenfatizaraimportânciadaaçãocoletivacomoinstrumentoútilparasolverjudicialmente
questõesque atingemum número inndode pessoas, atodas lesandoem pequenas quantidades,
razãopela qualdicilmente serãopropostas açõesindividuais paracombater alesão. [...]Aação
coletiva é a via adequada para tais hipóteses, e por isso deve ser acolhida sempre que presentes os
pressupostosdalei,quefoipropositada esignicativamenteodeliberaro sistemadosentravesda
açãoindividual,poispretendeuintroduzirnonossoordenamentomedidarealmenteecaz.”
3 JAYME, Fernando Gonzaga; MAIA, Renata Christiana Vieira. Análise da constitucionalidade da
legitimação dos partidos políticos na ação de mandado de segurança individual e coletivo. Revista
General de Derecho Constitucional (Internet), 2013. (Trabalho aceito para publicação).
4 NERY JÚNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do
Anteprojeto. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. P. 869-870.
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