Migração simbólica e dialética da identidade cultural nos processos de migração

AutorRenato Seixas
CargoProf. Dr. do PROLAM - Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina, da USP; e da EACH - Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
Páginas14-37
Renato Seixas
Cadernos Prolam/USP, v.15, n.29, p.14-37, jul/dez.2016
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MIGRAÇÃO SIMBÓLICA E DIALÉTICA DA IDENTIDADE CULTURAL NO
PROCESSO DE MIGRAÇÃO
SIMBOLIC MIGRATION AND DIALECTIC OF CULTURAL IDENTITY IN THE
MIGRATION PROCESS
Renato Seixas1
PROLAM/USP
Resumo: A migração levanta questionamentos identitários para o migrante. Compreender esse complexo
processo dialético exige análise dos elementos constitutivos da identidade cultural. Este artigo examina as
migrações para explorar e compreender a complexidad e das relações dialéticas que migrantes vivenciam ao se
inserirem em diferentes contextos culturais. Foi adotado o método de leitura cultural, que busca identificar
arquétipos, elementos culturais miscigenados e ele mentos dominantes que compõem o repertório de referências
para o indivíduo e/ou grupo migrante para, então, tentar compreender co m mais profundidade a rede de
significados intertextuais das culturas abrangidas no processo de migração simbólica.
Palavras-chave: Migração. Identidade cultural. Mitos e narrativas.
Abstract: Migration arises identity questions to t he migrants. Understand this complex dialectic process requires
analysis of the elements that constitute the cultural identy. This article examines the migrations to explore and
understand the complexity o f the dialectic relations that migrants experience when they find themselves in
different cultural contexts. The cultural reading method has been adop ted, which aims identify archetypes, mixed
cultural elements and dominant ele ments that compound the repertoire of refere nces to the individual and/or
migrant group in order to get a deeper comprehension t he net of intertextual meanings of the cultures involved in
the symbolic migration process.
Key words: Migration; Cultural identity; Miths and narratives.
1 INTRODUÇÃO
O fenômeno da migração tem sido objeto de inúmeros estudos em diferentes campos
de conhecimento. Seja voluntária ou forçada, a migração causa no migrante crise de
identidade com múltiplas dimensões. O migrante constata que não pertence inteiramente à
cultura do lugar para onde migra. Em vários aspectos o migrante é “diferente” das pessoas
que ali estão e é também “igual” a elas. Por outro lado, quando retorna a seu lugar de origem,
o migrante percebe que não é mais “igual” a quem vive ali, pois tem novos repertórios
culturais que assimilou no lugar para onde migrou. Assim, a migração provoca no migrante
profundos e angustiantes questionamentos: “Quem sou? A qual lugar pertenço? Que valores,
princípios e repertório simbólico tenho verdadeiramente?”
1 Prof. Dr. do PROLAM Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina, da USP; e da EACH
Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. E:mail renato-seixas@uol.co m.br.
Renato Seixas
Cadernos Prolam/USP, v.15, n.29, p.14-37, jul/dez.2016
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Não importa de que espécie de migração se trate, o fato é que ela implica em
questionamentos sobre a própria identidade cultural do migrante. A identidade cultural
passa a ser um problema para alguém quando é confrontada com o repertório cultural
identitário de outra pessoa, grupo social, nação, país ou civilização. Alguém sabe quem é ao
constatar quem não é (HALL, 2008; HALL et GAY, 2005b; HUNTINGTON, 1997). Este
trabalho propõe a concepção de migração simbólica. Disto resulta que o migrante comporá
imaginário (uma representação) que implicará na reformulação de sua própria identidade
cultural, que será a síntese possível, híbrida, de pelos menos dois sistemas simbólicos
culturais. Compreender esse complexo processo dialético exige análise mais detalhada dos
elementos constitutivos da identidade cultural, que se forma ou se reformula a partir de um
conjunto cumulativo seis critérios, a saber: a) o reconhecimento de que existe alteridade ente
dois ou indivíduos ou grupos; b) contraste das semelhanças e diferenças entre os dois ou
indivíduos ou grupos; c) constatação de que o fenômeno da alteridade e do contraste de
semelhanças e diferenças ocorrem num certo lugar, que pode ser físico, virtual ou simbólico;
d) constatação de que o fenômeno da alteridade e do contraste de semelhanças e diferenças
ocorrem num certo tempo, que também pode ser o contado no relógio, ser virtual ou ser
simbólico; e) a atribuição de significação à relação de alteridade e ao contraste das aludidas
semelhanças e diferenças; f) a transcendência de tais semelhanças e diferenças para
reorganizar os repertórios culturais em conflito de modo a viabilizar a reprodução dos
indivíduos, da sociedade e do sistema simbólico que passam a compartilhar. Para realizar este
estudo foi adotado o método de leitura cultural, que consiste em buscar e compreender os
elementos componentes do repertório cultural do indivíduo e/ou grupo relacionado com o
fenômeno da migração. A leitura cultural busca identificar arquétipos, elementos culturais
miscigenados e elementos dominantes que compõem o repertório de referências para o
indivíduo e/ou grupo para, então, tentar compreender com mais profundidade a rede de
significados intertextuais das culturas abrangidas no processo de migração simbólica.
Nesse contexto, refletir sobre as migrações em geral exige que se explore e que se
compreenda a complexidade das relações dialéticas que indivíduos e grupos vivenciam no
trânsito de um lugar a outro, de um repertório cultural a outro, até que lhes seja possível,
talvez, transcender os conflitos inerentes a esse processo e compartilhar um sistema simbólico
que lhes assegure a possibilidade de reprodução material e cultural.

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