Objeto do protesto - documentos de dívida
Autor | Sergio Luiz José Bueno |
Páginas | 65-89 |
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obJeto do protesto –
doCumeNtos de dívidA
5.1 CONCEITO DE DOCUMENTO DE DÍVIDA
Dando prosseguimento ao exame do objeto do protesto, veremos agora que a Lei n.
9.492/97 estendeu o protesto comum a outros documentos de dívida e, propositadamente,
deixou ao intérprete, assim compreendidos doutrinadores, Tabeliães e Juízes, a missão
de delimitar o conteúdo da norma. O que ou quais são, afinal, os documentos de dívida
trazidos pelo legislador?
Também aqui a exposição há de ser detalhada e conclusiva, pois ultrapassa o campo
da praticidade. Se esta obra tendesse apenas à análise de aspectos práticos do protesto,
seriam desnecessárias maiores digressões, pois bastaria verificar o posicionamento local
sobre o tema. Assim, em São Paulo, sem delongas, seria possível dizer que podem ser
protestados, além dos considerados títulos executivos, outros documentos de dívida
(documentos que contenham a expressão de uma dívida), desde que líquidos, certos e
exigíveis, pois é essa a posição da Corregedoria-Geral da Justiça daquele Estado.
Em atendimento aos fins e ao plano desta obra, é pertinente maior aprofundamento.
Debruça-se a doutrina sobre o assunto, sendo possível encontrar opiniões mais,
ou menos, liberais, sem que exista ainda pacificação do tema.
Carlos Henrique Abrão é por uma aplicação mais abrangente: “Refletidamente,
portanto, quaisquer títulos ou documentos que alicerçam obrigações líquidas, certas, exi-
gíveis, fazem parte dos indicativos instrumentalizados ao protesto, cujo exame primeiro
de suas condições caberá ao Tabelião, formalizando o ato ou recusando sua lavratura”.1
Na mesma linha, tem sido realçado, com propriedade, o aspecto histórico-social
para emprestar à expressão em estudo compreensão dilatada. Diz Eduardo Pacheco
Ribeiro de Souza: “Considerando que a lei foi editada no momento em que a busca por
meios simples, rápidos e menos onerosos para os interessados solucionarem conflitos
de interesses é evidente, considerando que a realidade das relações jurídicas envolvendo
débito e crédito exige segurança e solução célere para os conflitos, e considerando que
não há palavras inúteis na lei, que se refere em diversos dispositivos aos documentos
de dívida, não se pode emprestar à expressão interpretação restritiva sem amparo na
1. ABRÃO, Carlos Henrique. Protesto: caracterização da mora, inadimplemento obrigacional. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2011, p. 14.
TABELIONATO DE PROTESTO • Sergio Luiz JoSé Bueno
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lei”.2 O mesmo autor refuta a restrição da expressão aos títulos executivos: “não proce-
de a afirmação de alguns de que apenas os títulos executivos devem ser considerados
documentos de dívida, pois não há qualquer disposição inserta na Lei n. 9.492/97, ou
em outra lei, que preste limite ao conceito de documento de dívida”.3
Depreende-se do trecho transcrito que o enquadramento do documento apresen-
tado ficaria totalmente ao arbítrio do Tabelião, sem qualquer tipificação prévia.
Mas há pensamento mais restrito. Referindo-se à Lei Estadual (SP) 10.710/2000,
Emanoel Macabu Moraes conclui que “em face da análise sistemática e mesmo teleológica
da legislação pátria, parece-nos que o legislador paulista está no caminho correto. Só
será possível protestar documentos de dívida que configurem título executivo judicial
ou extrajudicial”.4
Cabe reiterar o registro informativo de que em São Paulo o protesto dos documen-
tos de dívida foi regulamentado por norma administrativa local e hoje abrange, além
dos títulos executivos, outros documentos que contenham a expressão de uma dívida
líquida, certa e exigível, sob particular atenção do Tabelião, sem embargo, é claro, de
permissão mais ampla estabelecida por lei.
Diante de pontos de vista diferentes, ainda que não opostos, pois um é apenas mais
restritivo que o outro, impõe-se que busquemos, afinal, a delimitação almejada.
O maior problema a ser enfrentado diz respeito ao ponto de equilíbrio entre a
finalidade atual do procedimento para protesto, que justifica o pensamento extensivo
e a segurança, imposição legal e condição de credibilidade do instituto, que afinal, de
maneira cíclica, fomenta sua maior utilização para os fins referidos. É necessário ampliar,
porém sem banalizar. É preciso dar aos credores um mecanismo ágil para recuperação
de seus créditos, mas também devemos voltar olhos à segurança do procedimento e de
seu ato final, normalmente o pagamento ou o protesto.
José Antonio de Paula Santos Neto, Magistrado Paulista, em judicioso parecer
reiteradamente citado neste trabalho, procurando o equilíbrio, com tom doutrinário,
assim se manifesta:5
“Eis sua explicação detalhada, à guisa de fundamento da assertiva: ‘A Lei n. 9.492, de 10.09.97, deniu
com maior amplitude a competência e a regulamentação dos serviços concernentes ao protesto de
títulos e outros documentos de dívida. Além do maior detalhamento procedimental, essa lei inovou
quanto aos títulos protestáveis, que tradicionalmente eram apenas os títulos cambiários e outros títulos
de crédito similares e, eventualmente, algum outro documento expressamente arrolado em lei especial.
Com a Lei n. 9.492 passaram a ser protestáveis, genericamente, ‘os documentos de dívida’, a par dos
títulos de crédito. Uma vez, porém, que o protesto visa a comprovar a mora do devedor e como esta
pressupõe ‘dívida líquida e exigível’ (Código Civil, art. 397), não será qualquer documento de dívida
que se apresentará como protestável, mas apenas o que retratar obrigação líquida, certa e exigível.
Em outros termos, no regime da Lei n. 9.492 a expressão ‘outros documentos de dívida’ corresponde
aos papéis a que se atribui a qualidade de título executivo judicial ou extrajudicial, para ns de exe-
2. SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Noções fundamentais de direito registral e notarial, p. 185.
3. SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Noções fundamentais de direito registral e notarial, p. 186.
4. MORAES, Emanoel Macabu. Protesto extrajudicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 35.
5. CGJSP, Proc. 864/2004, Parecer 076/2005.
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