O paradigma do bem estar social e a ideologia ressocializadora: o humanismo funcional à lógica de produção

AutorJackson da Silva Leal
Páginas83-124
CRIMINOLOGIA DA DEPENDÊNCIA 83
CAPÍTULO 2.
O PARADIGMA DO BEM
ESTAR SOCIAL E A IDEOLOGIA
RESSOCIALIZADORA: O
HUMANISMO FUNCIONAL À
LÓGICA DE PRODUÇÃO
2.1 LIBERALISMO DOMESTICADO, CLASSE E TRABALHO NA PERIFERIA DO CAPITALISMO: os
anos de ouro do capitalismo e a condição de dependência
2.2 BEM ESTAR, DEFESA SOCIAL E A IDEOLOGIA DA REABILITAÇÃO: o sujeito do trabalho
como objeto de intervenção e controle
2.3 NEOLIBERALISMO E A NOVA RACIONALIDADE: O abandono do ideário reabilitador
Neste capítulo, volta-se a atenção para o capitalismo em seu estágio
desenvolvido, procurando entender a relação capital-trabalho-prisão
e seu discurso punitivo, ideológico, de classe e fundado na reabilita-
ção no contexto de subsunção material do trabalho ao capital, sem-
pre com foco desde uma perspectiva latino-americanista de capitalis-
mo dependente.
Assim, feito o resgate do processo de gestação do sistema penal e
punitivo, na realidade latino-americana e brasileira em íntima relação
com a transição dependente do capitalismo colonial para a moderni-
dade do capitalismo industrial, e deste ao capitalismo f‌inanceiro neo-
liberal, passa-se a abordar o processo de deslocamento do inimigo,
que deixa (em parte) de ser as massas negras e escravizadas, para se
concentrar nas massas ameaçadoras de trabalhadores (que, em grande
parte, continuam sendo negras).
Aborda-se a construção do paradigma ideológico que proporcionam
as bases para esse modelo societário capitalista, que é a ideologia do
estado de bem-estar social, seu contexto de formação, e, sobretudo,
sua eterna espera (ausência) dependente latino-americana.
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Da mesma forma como essa construção ideologizante de determinado
padrão de sociabilidade e de relações sociais é fundamentalmente tribu-
tário de outro constructo teórico – a ideologia da ressocialização (reabi-
litadora e demais ideologias re) –, que se colocam como fundamentais
enquanto objetividade (ideológica) legitimadora da (nova)defesa social
de um paradigma societário regido, fundamentalmente, pelo sistema pe-
nal e pela prisão, como monumento do processo de dominação/controle.
Verif‌ica-se a centralidade da prisão enquanto ferramenta político-e-
conômica, tanto em sociedades pré-industriais (como se viu anterior-
mente), como para sociedades industriais, e em processo de indus-
trialização, como se aborda nesse capítulo; e também, em sociedades
denominadas pós-industriais, que é o objeto do f‌inal deste e do tercei-
ro capítulo, ou seja, por isso a importância da econômica politica da
prisão e da penalidade para compreender os caminhos da política de
aprisionamento e suas conexões, desaf‌ios e signif‌icados.
Com isso, busca-se dar materialidade ao conceito de ideologia, e, a
partir dela, a ideia de ideologia da defesa social, que são fundamentais
para compreender o sistema penal e a prisão como estruturas ideoló-
gicas de classe, e como mecanismos de manutenção das estruturas so-
ciais, assim como a ideologia do não-trabalho estrutura a reordenação
das relações produtivas no neoliberalismo.
2.1. LIBERALISMO DOMESTICADO,
CLASSE E TRABALHO NA
PERIFERIA DO CAPITALISMO:
OS ANOS DE OURO DO CAPITALISMO
E A CONDIÇÃO DE DEPENDÊNCIA
Este primeiro tópico, busca situar o momento de consolidação do
capitalismo, historicamente conhecido como Era de ouro do Estado
de Bem-Estar (Welfare State, na sua versão norte-americana), período
do pleno emprego (ou mesmo, capitalismo fordista), e tantas outras
denominações e formas de se referir aos desenvolvimentos econômicos
e sociopolíticos de meados do Século XX.
CRIMINOLOGIA DA DEPENDÊNCIA 85
Entretanto, como apropriadamente orienta a teoria marxista da
dependência, não se faz possível olhar para a realidade brasileira, e
latino-americana, desde uma abordagem formulada a partir do capi-
talismo central, e como uma postura eurocentrista. Assim como tam-
bém, não é possível analisar a formação social e econômica capitalista
brasileira e latino-americana abstraindo a estrutura internacional de
desenvolvimento das relações de subordinação no mercado e divisão
internacional do trabalho.
Essa é a abordagem empreendida por Mathias Seibel Luce, na obra
Teoria Marxista da Dependência: problemas e categorias – uma visão his-
tórica (2018), na qual esclarece
O que se está sublinhando é a existência de duas realidades distintas no
âmbito do capitalismo, embora muito vinculadas (não são dois modos de
produção, mas o modo de produção capitalista articulado enquanto econo-
mia mundial), que também expressam por sua vez duas realidades contra-
ditoriamente integradas de formações econômico-sociais, as quais inf‌luem
e se veem afetadas de modo diferenciado na totalidade que é a economia
mundial (2018, p. 30-1)
Na sequência, af‌irma que, a partir da teoria do valor, a mesma se
manifesta como intercâmbio de equivalentes, ao mesmo tempo que ne-
gação do intercâmbio de equivalentes; ou seja para que haja capitalis-
mo desenvolvido, esse mesmo precisa do capitalismo subdesenvolvido
(WASSERMAN, 2017).
Como sintetiza Vania Bambirra, “os países capitalistas desenvolvi-
dos e os países periféricos formam uma mesma unidade histórica, que
tornou possível o desenvolvimento de alguns e inexorável o atraso de
outros” (2013, p. 44); ou o capitalismo dependente, em que se realiza
trocas não equivalentes, ditadas pela lógica do mercado e do capital
internacional e da divisão internacional do trabalho.
Parte-se dessa matriz teórica, que já orientou a pensar o que se, deno-
minou para efeito desse trabalho, de capitalismo colonial – para além
de toda a discussão de, se houve ou não capitalismo brasileiro, con-
juntamente ao regime escravista –, que agora já se pode compreender
exatamente como uma face da negatividade da dialética de que fala Luce
(2018). Em que, a super-exploração escravista da força de trabalho es-
cravizada colonial foi fundamental para a constituição do capitalismo
regional, e, para a condição de dependência e atraso internacional.

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