Parâmetros para seleção e aplicação dos mecanismos de tutela do direito ao esquecimento na internet

AutorJúlia Costa de oliveira Coelho
Páginas111-151
Capítulo III
ParâmetroS Para Seleção e aPlicação
doS mecaniSmoS de tutela do direito ao
eSquecimento na internet
O excesso de informação não pode produzir nada
além de confusão, rumor e silêncio
- Umberto Eco
3.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Antes de tratar especif‌icamente dos parâmetros que podem auxiliar na seleção e
aplicação dos mecanismos de tutela do direto ao esquecimento na Internet, é importante
observar alguns pontos sobre a caracterização desse direito em concreto e o processo de
escolha de remédios de forma geral.
Cumpre ressaltar, primeiramente, que o objetivo deste item não é esgotar ou abordar,
de forma detalhada, os critérios que orientarão a análise acerca do reconhecimento do
direito ao esquecimento em concreto. Isso porque, além de já existir material doutriná-
rio especif‌icamente voltado a isso, acredita-se que tal processo consiste, em essência,
na análise do merecimento de tutela dos direitos envolvidos em cada situação, tema já
familiar à cultura jurídica.
Sob a perspectiva de que o direito ao esquecimento instrumentaliza a efetiva pro-
teção e promoção de direitos como privacidade, imagem e dignidade humana, nota-se
que os casos em que se discute a sua aplicação envolvem o conf‌lito entre alguns direitos
fundamentais, como os acima mencionados, de um lado, e o direito à informação, a
liberdade de expressão ou de imprensa, de outro. Como já mencionado, o ordena-
mento jurídico brasileiro não gradua esses direitos, os quais, nas palavras do ministro
Luís Roberto Barroso, possuem status jurídico idêntico e ocupam o mesmo patamar
axiológico,1 motivo pelo qual os critérios tradicionais de hierarquia, cronologia e es-
pecialidade mostram-se insuf‌icientes para resolver a tensão entre eles.2 Nesse sentido,
o autor observa que:
[...] se não há entre eles hierarquia de qualquer sorte, não é possível estabelecer uma regra abstrata e
permanente de preferência de um sobre o outro. A solução de episódios de conito deverá ser apurada
diante do caso concreto. Em função das particularidades do caso é que se poderão submeter os direitos
1. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação consti-
tucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro,
235, jan./mar. 2004, pp. 1 – 36. p. 6.
2. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e f‌ilosóf‌icos do novo direito constitucional brasileiro. In. Temas
de direito constitucional. T.2. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 32.
DIREITO AO ESQUECIMENTO E SEUS MECANISMOS DE TUTELA NA INTERNET • Júlia Costa de oliveira Coelho
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envolvidos a um processo de ponderação pelo qual, por meio de compressões recíprocas, seja possível
chegar a uma solução adequada.3
A técnica ponderativa apresenta-se, portanto, como o recurso apropriado para re-
solução de disputas envolvendo os direitos protegidos constitucionalmente, cujo exame
deve considerar os fatos e circunstâncias do caso concreto e orientar-se pelo critério da
proporcionalidade ou razoabilidade.4 Guiado pelo princípio em questão, o intérprete
deve investigar se a restrição a um dos interesses concorre para a promoção do interesse
contraposto, ou seja, se é adequada; se ela é necessária, isto é, se o interesse não poderia
ser protegido da mesma forma através de alternativa menos gravosa; e, por f‌im, se há
proporcionalidade entre os graus de restrição de um interesse e realização do outro.5
Embora a estruturação do método ponderativo seja importante para, dentre outros,
evitar a sua utilização de forma desordenada – o que poderia até revestir medidas arbitrá-
rias de suposta legitimidade – é essencial que ele não se torne um mecanismo mecânico
e estanque, similar ao método subsuntivo ao qual se opõe.6 Deve-se evitar, portanto,
a aplicação da ponderação de maneira absolutamente esquematizada e metódica. Ao
invés de seguir uma lógica estritamente linear e serial, incompatível, inclusive, com o
raciocínio humano, parece preferível que ela envolva a problematização e consideração,
concomitante e integrada, dos múltiplos aspectos envolvidos no caso concreto.
Não se pretende sugerir, com isso, a adoção de um método aleatório, apenas res-
saltar que as questões passíveis de ponderação são a ela submetidas justamente porque
não podem ser resolvidas por regras f‌ixas e abstratas. É essencial, pois, preservar a
elasticidade para que se produza, de fato, os efeitos pretendidos com a sua aplicação.
Com base nesse panorama, é conveniente que o processo de seleção do remédio
cabível seja iniciado durante a atividade ponderativa. Isso porque, como recomendado
pelos subprincípios da proporcionalidade, a ponderação deve avaliar a adequação,
necessidade e proporcionalidade stricto sensu da restrição de um direito fundamental,
quesitos que devem ser igualmente averiguados na busca pelo mecanismo de tutela
oportuno. Para que se qualif‌ique como tal, o remédio deve ser apto a produzir os efeitos
pretendidos,7 bem como representar a medida menos gravosa e mais equilibrada. Assim,
3. BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da Personalidade, cit., p. 6.
4. Aqui vale registrar a existência de discussão doutrinária sobre a equivalência entre os termos razoabilidade e
proporcionalidade. Sem prejuízo das suas diferentes origens históricas e formas procedimentais de aplicação, o
presente trabalho alinha-se ao entendimento de Gustavo TEPEDINO, que enxerga identidade funcional entre
ambas e considera ocioso o debate quanto à estrutura, terminologia e forma de utilização de tais técnicas. (A
razoabilidade na experiência brasileira. In. TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; ALMEI-
DA, Vitor (Coord.) Da dogmática à efetividade do Direito Civil: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil
Constitucional – IV Congresso do IBDCIVIL. Belo Horizonte: Fórum, 2017, pp. 32-33)
5. NETO, Cláudio Pereira de Souza; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de
trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, pp. 461-462.
6. Vide crítica de Gustavo TEPEDINO. A razoabilidade na experiência brasileira, cit., p. 33.
7. Conforme observado por Guido SMORTO, “se queremos falar propriamente de remédios, é necessário que eles
tendam à plena realização do interesse consagrado em sede substancial [...]”. (Tradução livre. No original: “Se
próprio vogliamo parlare di rimedi, è necessário che questi tendano alla piena realizzazione dell’interesse con-
sacrato in sede sostanziale [...]”. (Il linguaggio dei diritti e il linguaggio dei rimedi. In. GRAZIADEI, Michele;
POZZO, Barbara (Coord.). Categorie e terminologie dek diritto nella prosppettiva della comparazione. Milano:
Giuffrè, 2015, p. 191))
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CAPítulo III • mECANISmoS dE tutElA do dIrEIto Ao ESquECImENto NA INtErNEt
ref‌letir sobre ele após o exercício ponderativo parece contraprodutivo, exigindo-se do
intérprete, nessa hipótese, que volte a analisar os mesmos aspectos apreciados em mo-
mento imediatamente anterior.
Além disso, ao considerar os diferentes remédios disponíveis e seus respectivos
efeitos vis-à-vis os elementos do caso concreto, pode-se verif‌icar que a adoção de deter-
minado mecanismo de tutela viabilizaria a preservação, em certa dimensão, de alguns ou
mesmo de todos os interesses contrapostos. Já que o objetivo principal da ponderação é
averiguar se (e em que medida) os direitos conf‌litantes podem coexistir, deve-se pensar
sobre os mecanismos aptos a concretizar, na maior extensão possível, os interesses pro-
tegidos por tais direitos e que, ao mesmo tempo, não representem restrições materiais
às suas respectivas esferas de proteção.
Retornando à interação dos direitos fundamentais à privacidade e imagem com o
direito à informação e as liberdades de expressão e imprensa, vale destacar que o direito
ao esquecimento não é o primeiro, muito menos o único ponto de tensão entre eles.
Trata-se, na realidade, de direitos que não raro colidem entre si e que, assim, costumam
ser objeto de ponderação.
Nesse sentido, conforme proposto no Capítulo 1, alguns dos parâmetros cos-
tumeiramente aplicados para o sopesamento dos direitos à privacidade ou imagem e
liberdade de expressão – como, por exemplo, o grau de utilidade da informação para
o público – podem ser aproveitados para ponderação dos conf‌litos envolvendo os in-
teresses subjacentes ao direito ao esquecimento e aos demais direitos protegidos pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
Isso não signif‌ica, porém, que esses parâmetros devem ser transpostos automática
e integralmente para a discussão acerca do direito ao esquecimento. Embora o presente
estudo, repita-se, não tenha a pretensão de se estender sobre a técnica da ponderação e
sua aplicação para o direito ao esquecimento, deve-se fazer algumas ressalvas gerais sobre
a concepção ora adotada acerca de tais temas, o que inf‌luencia, inclusive, as conclusões
alcançadas ao longo deste trabalho.
É questionável, por exemplo, se o critério da pessoa “pública” deve inf‌luenciar no
reconhecimento do direito ao esquecimento, sendo possível, aliás, ref‌letir criticamente
se ele deve ser um critério per se, para qualquer debate envolvendo o direito à privacida-
de, vida íntima e imagem. Como já mencionado, acredita-se que o fato de uma pessoa
ter projeção pública não deve afastar a incidência do direito ao esquecimento, af‌inal, o
ordenamento jurídico brasileiro prevê os mesmos direitos para todas as pessoas naturais,
que fazem jus, portanto, a proteção idêntica.
Na verdade, deve-se investigar se a informação em si, e não o sujeito da informação,
é considerada de interesse público e, em caso de fatos ultrapassados, se esse interesse
subsiste, ou seja, se o ocorrido, apesar do transcurso do tempo, permanece relevante para
a sociedade e para a memória social. Sob esse prisma, uma notícia sobre a vida conjugal
de um governante, por exemplo, não deve ser considerada de interesse público apenas
porque o sujeito nela retratado ocupa um cargo público. O oposto é verdadeiro e não

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