A Participação Judicial Ambiental Sob o Enfoque do Processo

AutorÁlvaro Luiz Valery Mirra
Páginas516-558
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1. A participação no processo como garantia da participação pelo
processo civil na defesa do meio ambiente
Processo, visto como categoria jurídica ou instituto fundamental do di-
reito processual1396, caracteriza-se, modernamente, na lição de Cândido Rangel
Dinamarco1397, por ser um método de trabalho referente ao exercício da juris-
dição pelo juiz e dos poderes inerentes à ação e à defesa pelas partes litigantes.
Trata-se, ainda na doutrina do jurista, de uma entidade complexa que abrange
diversos atos interligados e coordenados ao objetivo de produzir a tutela juris-
dicional e variadas situações jurídicas ativas e passivas que autorizam ou exi-
gem a realização de referidos atos.1398 O conjunto de atos do processo constitui
o procedimento; o conjunto de situações jurídicas ativas e passivas, das quais
decorrem, para os sujeitos do processo (juiz e partes), poderes, faculdades, di-
reitos, deveres e ônus, congura a relação jurídica processual.1399
1396. De acordo com Cândido Rangel Dinamarco, o vocábulo processo exprime três ideias diversas, mas
muito próximas e intimamente entrelaçadas: (a) o processo como sistema de princípios e normas
constitucionais e legais coordenados por uma ciência especíca, ou seja, o processo compreendido
como direito processual; (b) o processo como modelo imposto pelos princípios e normas, vale
dizer, como método de trabalho; e (c) o processo como realidade fenomenológica da experiência
dos juízes e das partes em relação a cada um dos conitos entre pessoas ou grupos, concretamente
trazidos à apreciação do Estado-juiz (Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 23-25). Na
análise a ser empreendida neste Capítulo cuidar-se-á, como indicado, do processo na sua segunda
acepção, de método de trabalho referente ao exercício da jurisdição e dos poderes inerentes à ação
e à defesa, isto é, do processo como instituto fundamental do direito processual.
1397. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, cit., v. 1, p. 295; Instituições
de direito processual civil, cit., v. 2, p. 24.
1398. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 25-26.
1399. Sobre a concepção de processo como entidade complexa, integrada pelo procedimento e pela re-
lação jurídica processual, ver LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil, cit., v. 1,
CAPÍTULO 1
A PARTICIPAÇÃO JUDICIAL AMBIENTAL
SOB O ENFOQUE DO PROCESSO
A Participação Judicial na Defesa do Meio Ambiente
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Importante observar que, nos modelos de Estados democráticos em ge-
ral, e no modelo do Estado Democrático-Participativo em especial, tal como
consagrado no Brasil, o processo deve ser eminentemente participativo. Isso
no sentido de que incumbe ao processo contemplar, ao longo de todo o arco
procedimental, intensa participação dos sujeitos da relação jurídica processual;
não só daquele encarregado da manifestação da vontade estatal (o juiz), como
também dos destinatários dos atos de poder praticados no desenrolar do pro-
cedimento (as partes). Só assim, com ampla possibilidade de participação das
partes na formação do convencimento do órgão jurisdicional e na produção
dos atos decisórios, associada à legalidade do procedimento, tem-se por legíti-
mo o exercício da jurisdição pela via do processo.
Pertinente invocar, neste passo também, a doutrina de Cândido Rangel
Dinamarco:
Ao contrário dos atos negociais, que criam normas particulares inter par-
tes e em princípio vinculam exclusivamente quem as criou (autonomia da
vontade), os atos de poder projetam ecácia imperativa e inevitável sobre
a esfera de direitos de pessoas diferentes daquelas que os realizam. Justa-
mente porque imperativos e inevitáveis, não se originando da vontade dos
destinatários nem dependendo do concurso dela, os efeitos dos atos de
poder só se consideram democraticamente legítimos quando esses sujei-
tos hajam tido oportunidade de participar da sua formação (...).
No sistema processual, ordinariamente as normas que instituem e regem
os procedimentos são portadoras de sucientes oportunidades de par-
ticipação em contraditório e esse é o fator que as legitima. Elas próprias
não teriam legitimidade quando deixassem de oferecer reais oportuni-
dades de participar. Por isso, é falsa a impressão de que a observância
dos procedimentos estabelecidos em lei fosse em si mesma um fator de
legitimação dos atos de poder (sentenças, ordem de entrega do bem na
execução forçada). Em substância, o que legitima a outorga da tutela ju-
risdicional é a participação que o procedimento propiciou, em associação
p. 38-43; CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, cit., v. 1, p. 71, 89 e 95-98;
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil, cit., p. 99-100; DINAMARCO, Cândi-
do Rangel. Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 25-26; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo,
GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, cit., p. 291;
YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional, cit., p. 166. Parte da doutrina, porém, exclui a relação
jurídica processual da noção de processo (cf. FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 8.
ed. Padova: Cedam, 1996. p. 7-8, 82-84; BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito
processual civil: teoria geral do direito processual civil, 1, cit., p. 376-385) ou critica a sua inclusão (cf.
CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile, cit., v. 1, p. 900-901; MARINONI, Luiz
Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo, cit., v. 1, p. 396-401).
Participação, Processo Civil e Defesa do Meio Ambiente
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com a observância da legalidade inerente à garantia do devido processo
legal. Um processo não será justo e équo quando os sujeitos não pu-
deram participar adequadamente ou quando, por algum modo, haja o
juiz avançado além de seus poderes ou transgredido regras inerentes à
disciplina legal do processo (due process of law).1400
A participação de que se cuida, aqui, não é difícil de perceber, é a partici-
pação endoprocessual, ou seja, a participação que se realiza no processo, pelos
sujeitos parciais da relação jurídica processual (as partes), durante o procedi-
mento, como forma de inuir nas mais diversas decisões proferidas pelo sujeito
imparcial (o juiz). Embora não se confunda com a participação pelo processo, a
participação no processo com ela se relaciona intimamente, na medida em que
sem participação no processo não se tem efetiva participação pelo processo.
No processo civil coletivo para a defesa dos direitos difusos, entre os quais
se inclui, como reiteradamente armado, o direito de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, a participação endoprocessual mostra-se igualmen-
te importante, na condição de fator de legitimação da atuação do Estado-juiz
e da outorga das tutelas jurisdicionais ambientais. Está-se diante de autêntica
garantia da efetividade da participação pelo processo jurisdicional na defesa do
meio ambiente. Uma vez mais, sem adequada participação no processo não se
obtém verdadeira e efetiva participação pelo processo coletivo ambiental.
Anote-se, porém, que, sob a ótica da participação judicial ambiental, a
participação no processo coletivo não é a de todos os destinatários diretos do
exercício da jurisdição, como se dá, via de regra, no processo civil individual,
dada a impossibilidade prática de reunir a totalidade dos cotitulares do di-
reito ao meio ambiente - todos os membros da coletividade - no polo ativo
da demanda. A participação no processo, a que ora se refere, é a dos sujeitos
1400. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 32. Ainda sobre a
ideia de participação no procedimento como fator de legitimação do exercício da jurisdição no Es-
tado Democrático de Direito, ver MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral
do processo, cit., v. 1, p. 405-409; BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito proces-
sual civil: teoria geral do direito processual civil, 1, cit., p. 380; MEDINA, José Miguel Garcia; WAM-
BIER, Teresa Arruda Alvim. Processo civil moderno - 1: parte geral e processo de conhecimento.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009. p. 36-38. No Projeto de novo Código de Processo Civil
brasileiro, em tramitação no Congresso Nacional, há disposição expressa a respeito: “As partes têm
direito de participar ativamente do processo, cooperando com o juiz e fornecendo-lhe subsídios
para que prora decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência.
(art. 5º do Projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010 - substitutivo do relator Senador Valter Pereira,
aprovado pelo Senado Federal e enviado à Câmara dos Deputados).

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