Participation and social control in contemporary Brazil: influence of Gramsci's thought/Participacao e controle social no Brasil recente: influencia do pensamento gramsciano.

AutorMatos, Teresa Cristina Coelho

Introducao

No Brasil, e com o advento da Constituicao de 1988 que se abre caminho para o estabelecimento de nova base de relacao entre Estado e sociedade. Nela, a participacao passa a ser um direito garantido constitucionalmente e o controle social das acoes estatais tem a possibilidade de se firmar como categoria sociopolitica, na perspectiva dos teoricos criticos de matriz gramsciana. Por essa linha de pensamento, o controle social pode ser exercido ora pelo aparato estatal, ora pela sociedade, dependendo da correlacao de forcas estabelecidas entre ambos. A influencia do pensamento de Gramsci na analise e interpretacao da realidade brasileira se da a partir de 1960, numa conjuntura politica favoravel a difusao do pensamento socialista, sendo barrada com a implantacao da Ditadura Militar, em 1964, e retomada na segunda metade dos anos 1970, com a abertura do processo de democratizacao decorrente da luta da sociedade contra a ditadura.

Este artigo aborda os momentos historicos em que o dialogo teorico e intelectual das ideias de Gramsci encontra materialidade no espaco operativo do Brasil recente, tendo como ponto de partida a promulgacao da Constituicao de 1988, que influenciou no processo de democratizacao do pais, a participacao social e o exercicio do controle social.

Com esse proposito, inicia-se por uma apresentacao das categorias teoricas formuladas por Gramsci para analisar a realidade social na qual se inseria. Segue trazendo-as para refletir sobre a situacao brasileira, conferindo centralidade as concepcoes de Estado, sociedade civil e hegemonia, ancoradas nas contribuicoes de teoricos nacionais de tradicao marxista que se debrucaram na interpretacao das ideias de Gramsci, como Carlos Nelson Coutinho, considerado um de seus principais interpretes no Brasil. Cabe ressaltar que os eventos socioeconomicos, politicos e culturais presentes na dinamica da sociedade brasileira encontram explicacao em outros estudos, fundamentados em variadas matrizes teoricas.

  1. O pensamento de Gramsci: influencia na sociedade contemporanea

    No ambito da teoria marxista, o pensamento de Gramsci tem sido amplamente interpretado por diversos teoricos. Essas vastas interpretacoes favoreceram a formacao de um "senso comum" gramsciano, que ajuda na reflexao e explicacao de realidades sociopoliticas em variados contextos geograficos (BlANCHI, 2008). Na realidade brasileira, a influencia do pensamento de Gramsci tem sido pauta de estudiosos que se debrucam na interpretacao dessa realidade, conferindo maior relevo, como mostra Simionatto (2011), aos trabalhos de Carlos Nelson Coutinho.

    Uma caracteristica marcante do perfil intelectual de Antonio Gramsci (1891-1937), admitida por ele proprio, e a de ter uma formacao polemica em termos de intelectualidade, pois tinha dificuldade "ate de pensar 'desinteressadamente'". Dizia ter como estimulo intelectual colocarse, do ponto de vista dialogico ou dialetico, como um interlocutor ou adversario concreto diante de qualquer ordem de reflexao (GRAMSCI, 2005b, p. 462).

    Gramsci e submetido a prisao politica pelo regime fascista italiano em um cenario marcado por teorias e processos politicos em confronto. Durante o carcere, produz um quadro interpretativo de politica e sociedade em relacao a transicao de uma sociedade capitalista para outra socialista, por meio de um processo de superacao dialetica do pensamento marxista. Como sublinham Coutinho (1992) e Secco (2002), afasta-se, entao, do momento economico corporativo para dar enfase ao etico-politico. Propoe uma reforma intelectual e moral a partir da formulacao de novas categorias conceituais de sociedade civil e de Estado, conceitos estes que, mesmo com a queda do socialismo, tornaram-se validos para interpretar as realidades das sociedades capitalistas contemporaneas.

    Na teoria desenvolvida por Karl Marx (1818-1883), no contexto da sociedade capitalista industrial, a concepcao do Estado ideal, presente, principalmente, em Hobbes (1979), Locke (2001) e Rousseau (1978), e substituida pela concepcao do Estado opressor, que atua como instrumento de dominacao de uma classe por outra (MARX; ENGELS, 1999, p. 28). A sociedade civil e definida enquanto sociedade burguesa e entendida como estrutura na qual se expressam a producao e a reproducao da vida material, haja vista que, para Marx (1993, p. 53), "a sociedade civil abrange todo o intercambio material dos individuos [...]." Assim, em Marx, sociedade civil corresponde a estrutura economica na qual as relacoes de producao se estabelecem. Dai deriva o Estado como instrumento de controle dos conflitos estruturais em favor da classe economicamente dominante.

    Em Gramsci, que nao deixou de lado a essencia do pensamento de Marx sobre dialetica, filosofia da praxis e humanismo, a concepcao de Estado e de sociedade civil passa por uma revisao teorica de "conservacao/ superacao" da teoria marxiana, no panorama do capitalismo monopolista do seculo XX. Neste, o fenomeno estatal apresenta-se mais complexo pela emergencia e intensificacao de processos de socializacao e de participacao politica nao vivenciados nem por Marx nem por seus seguidores classicos, Engels e Lenin (COUTINHO, 1992, p. 75).

    A perspectiva atribuida ao Estado pelo marxismo classico--de garantir a reproducao da ordem capitalista pela coercao e ampliada por Gramsci, que o concebe atuando tanto pelo uso dos aparatos coercitivos, para disciplinar e intimidar a acao reivindicatoria e lutas sociais, quanto pela busca do consenso "espontaneo", quando age perante as massas populares para controlar o jogo de forcas sociais. Direcionando-as, pois, para a manutencao da ideologia capitalista, valorizando o prestigio adquirido pela classe dominante em decorrencia das posicoes e funcoes que ocupa no mundo da producao (GRAMSCI, 1982, p. 11). Indica, assim, que o conteudo e o formato de intervencao estatal dependem da correlacao de forcas no seio da sociedade. Gramsci apresenta essa concepcao de Estado no seu programa de estudo e a explicita, sinteticamente, em carta escrita no carcere, em setembro de 1931:

    Este estudo [...] leva a certas determinacoes do conceito de Estado que, habitualmente, e entendido como sociedade politica (ou ditadura, ou aparelho coercitivo, para moldar a massa popular segundo o tipo de producao e a economia de um dado momento), e nao como um equilibrio da sociedade politica com a sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre toda a sociedade nacional, exercida atraves das organizacoes ditas privadas, como a igreja, os sindicatos, as escolas, etc.), e e especialmente na sociedade civil que operam os intelectuais. (GRAMSCI, 2005a, p. 84).

    Ve-se que duas das categorias do constructo teorico de Gramsci, hegemonia e sociedade civil, sao centrais na composicao da sua concepcao de Estado ampliado. A categoria hegemonia nao recebe um conceito explicito nos escritos do pensador, que o vai elaborando no processo de construcao de sua obra, atribuindo-lhe o sentido de supremacia de uma classe por outra, nao apenas por forcas coercitivas, mas pelo caminho da direcao intelectual e moral, pelo consenso. Compreende, pois, consenso como a forma de um grupo social imprimir ao outro seus valores, sua cultura e visoes de mundo (CERRONI, 1982). Sociedade civil, para Gramsci, e o conjunto de organismos privados, "aos quais se adere voluntariamente", que funciona como espaco privilegiado de luta de classe e como base material para a conquista de hegemonia, ou seja, para a busca de direcao politica e consensos (COUTINHO, 1992, p. 74). E tida, assim, como campo de luta pelo poder e de busca por consensos entre as classes, dependendo da correlacao de forcas que, pendendo para a sociedade civil, favorece a conquista de sua hegemonia e viabiliza a garantia de seus interesses perante a intervencao do Estado.

    Nesse sentido, Gramsci (1982) confere atencao aos intelectuais, considerando-os sob duas vertentes; a que os vincula as categorias preexistentes, como os eclesiais, juristas, filosofos, e outra, concebendo-os como "intelectuais organicos", que se vinculam a cada grupo social em luta por hegemonia. Esclarece que, quando conectados com a classe subalterna, os intelectuais organicos exercem o papel de contribuir na formacao da homogeneidade e...

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