Perspectivas para o trabalho no Brasil/Landscape for work in Brazil.

AutorFilgueiras, Vitor Araújo
CargoARTIGO

Introdução

Este artigo está sendo redigido durante o segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Não se sabe, portanto, quem estará à frente do Poder Executivo Federal daqui a menos de três meses. Pensar em projetos para o mundo do trabalho e sua possível implementação, nessas circunstâncias, demanda considerar que há dois cenários muito distintos no horizonte, mas apenas um deles vigorará a partir de janeiro de 2023.

De um lado, há o cenário de continuidade do desastre atual, em que a precarização do trabalho se alimenta dos pressupostos radicalizados de que melhores condições de trabalho provocam desemprego, de que o problema da ocupação é individual e de que qualquer vestígio de direito social deve ser destruído - com exceção do período eleitoral. Do outro lado, há um cenário em que se estabelecerão disputas, entre forças bastante divergentes, sobre os nortes das políticas públicas. Desta composição precisarão sair resultados que atenuem a grave crise atual. O contexto brasileiro é catastrófico e muito associado à degradação do seu mercado de trabalho nos últimos anos. Uma mudança de governo, nessas condições, trará grandes expectativas de resultados imediatos, sem os quais pode haver enorme frustração e sobrevivência (ou mesmo fortalecimento) da extrema direita, como atesta o caso norte-americano pós-Trump. Teremos, portanto, um quadro de urgência.

O objetivo deste texto é analisar como as perspectivas para o trabalho no Brasil dependem da forma como as forças do trabalho assumirão (ou não) as narrativas empresariais sobre políticas públicas, considerando as experiências já vividas no país e as possibilidades concretas de implementação de agendas alternativas. Os principais argumentos são:

1) Qualquer que seja o cenário em vigor a partir de janeiro, é preciso que as forças do trabalho adotem nortes mais críticos em relação às plataformas empresariais (que comumente se apresentam como grandes "novidades"). Condição necessária para isso é a formulação e disseminação de uma agenda própria e consistente por trabalhadores e suas instituições.

2) Se o cenário em janeiro não for a continuidade da "terra plana", há plenas condições de mudar os nortes das políticas públicas no campo do trabalho, mesmo sem alteração legislativa e impacto orçamentário.

Além desta introdução, o presente texto possui a seguinte estrutura: inicialmente, há uma breve análise acerca das narrativas empresariais sobre o futuro do trabalho; a seguir, mostram-se evidências da experiência do trabalho no Brasil à luz da agenda implementada nos últimos anos; posteriormente, discute-se a necessidade de novidades trazidas pelas forças do trabalho; nessa direção, é apresentado esboço de um Plano Emergencial do Emprego, Formalização e Renda; por fim, são feitas algumas considerações finais.

O futuro do trabalho: mais "novidades", de novo?

Sem dúvida, o mundo do trabalho tem passado por grandes transformações nas últimas décadas em escala global, das quais o Brasil não escapou, e é preciso tê-las em mente para refletir e propor ações para o futuro.

O desemprego se tornou um problema muito mais grave e recorrente do que no período pós-guerra. Uma empresa pode valer 19 bilhões de dólares mantendo em seu quadro formal apenas 55 empregados (1). Uma máquina de colheita de cana-de-açúcar, com dois operadores, substitui mais de cem trabalhadores que seriam necessários no corte manual (SCOPINHO et al., 1999). Legislações de vários países passaram a permitir que empregados sejam contratados sem garantia de sequer uma hora de trabalho remunerado ou um centavo de salário por mês, recebendo apenas quando convocados pela empresa. As empresas autodenominadas plataformas têm capacidade de apropriação e processamento de dados, em tempo real, que seria inimaginável poucos anos atrás. Milhões de trabalhadores, ao redor do mundo, têm sido classificados como autônomos para realizar atividades, como entrega de mercadorias, que antes eram efetuadas por pessoas com contrato de emprego.

Contudo, para entender essas e outras mudanças no mundo do trabalho nas últimas décadas, é preciso enfrentar questões fundamentais, como: quais são os conteúdos efetivos dessas transformações? Quais são suas origens e consequências? Como elas afetam a vida de quem trabalha?

O que se pretende fazer e o que pode ser feito sobre isso?

Entre as respostas que frequentemente recebemos a tais questões, e que qualificam as mudanças citadas no primeiro parágrafo, estão: "neste novo cenário, só reforma trabalhista resolve o problema do desemprego"; "com as transformações tecnológicas, a qualificação é a saída para preservar postos de trabalho"; "as novas empresas precisam de flexibilidade para promover empregos"; "não cabe mais proteção legal porque trabalhadores têm mais autonomia".

Trabalhadores, universidades, sindicatos, instituições públicas podem e têm elaborado outras explicações para essas mesmas perguntas. Muitos autores, dentro e fora da academia, têm apresentado análises críticas sobre as mudanças que afetam o mundo do trabalho, partindo de matrizes teóricas muito distintas, incluindo integrantes de escolas e instituições que inicialmente foram entusiastas dessas transformações (2).

Contudo, quem tem dado as cartas no debate são empresas e seus representantes (como organismos multilaterais e associações corporativas). Suas análises não apenas predominam, como influenciam e geralmente informam os pontos de vista do conjunto da sociedade. Nas últimas décadas, essas forças corporativas têm difundido narrativas, repetidas como ondas, que noticiam grandes transformações que afetariam radicalmente o mundo do trabalho. Em comum, todos os anúncios concluem que é necessário adaptar o mundo do trabalho às modificações por eles diagnosticadas. As mudanças e as consequências, contempladas por tais narrativas, podem ser assim resumidas:

- Globalmente, há um novo padrão de competição e organização da economia que impõe aos países inseridos na ordem internacional a necessidade de "flexibilização" de direitos, para criar novos empregos e preservar os postos de trabalho existentes.

- Revoluções tecnológicas podem provocar desemprego em massa, mas também abrem a oportunidade de criar mais postos de trabalho (e de melhor qualidade), desde que os trabalhadores se qualifiquem para tal e a regulação protetiva seja "flexibilizada".

- As empresas têm aprofundado, sistematicamente, a divisão do trabalho, reduzindo seu raio de atuação e mudando o conteúdo da organização da produção e do trabalho, que deve ser aceito por legislações e instituições sob pena de aumento do desemprego.

- O novo cenário restringe políticas públicas e impõe a saída individual do desemprego, que depende fundamentalmente da iniciativa dos próprios trabalhadores. As mudanças oferecem oportunidades crescentes para que a solução individual seja efetiva. Sindicatos (nos setores e empresas em que ainda existirem) devem conciliar com os empregadores e aceitar as "novidades" para não promover desemprego.

Assim, essas narrativas podem ser agrupadas em quatro eixos fundamentais: 1) o surgimento de um novo cenário internacional e as possibilidades de políticas públicas; 2) as novas tecnologias e seus impactos no emprego; 3) a emergência de novas empresas e suas consequências para as relações de trabalho; 4) e a necessidade de novos trabalhadores para solucionar o problema do desemprego.

O que muitos não percebem, no próprio campo do trabalho, é que as reiteradas narrativas empresariais sobre "novidades" buscam legitimar políticas públicas e práticas que destroem direitos e condições dignas de trabalho, ampliam a desigualdade e o desemprego. Para isso, falam do "novo" para defender que o padrão de políticas públicas e de ações coletivas previamente existentes (ou remanescentes), em particular os de proteção do trabalho e indução do emprego, é necessariamente anacrônico. Seria preciso, portanto, se adaptar para preservar e obter mais (e bons) empregos, ou haveria resultados desastrosos para o mercado de trabalho. Contudo, há fartas evidências, ao longo dos últimos quarenta anos, de que essas receitas das "novidades" não entregam o prometido e, mais do que isso, buscam e efetivamente promovem o "velho", qual seja, o capitalismo em sua essência, com amplo despotismo e aprofundamento da assimetria entre capital e trabalho. Para isso, as narrativas exageram, distorcem ou mesmo invertem a natureza ou as consequências das transformações abordadas. Mesmo padecendo dessa inconsistência, elas são assimiladas por parcela importante de trabalhadores e instituições, ajudando a criar uma espécie de profecia autorrealizável na medida em que são reproduzidas.

O Brasil é um palco exemplar para avaliar a adoção das medidas propostas, particularmente após a chamada reforma trabalhista de 2017. Ela é um forte indicador para avaliar se vale a pena continuar acreditando nas "novidades" empresariais e seguir por seus caminhos.

Reforma trabalhista e pauperização do trabalho no Brasil

O desemprego tem sido um problema sério ao redor do mundo nas últimas décadas. De fato, o cenário internacional efetivamente dificultou a adoção de políticas públicas nacionais como aquelas implementadas no pós-guerra. Capitais financeiros mais voláteis e capitais produtivos geograficamente mais fragmentados requerem mudanças nas estratégias de desenvolvimento. Todavia, a narrativa corporativa sobre a necessidade de liberalização, e em particular sobre a reforma trabalhista como solução para o desemprego, é consistente?

Primeiro, é preciso fazer alguns esclarecimentos sobre o conteúdo dessa retórica:

1) A demanda por Estado "mínimo" ou sua "menor" intervenção na regulação do trabalho não se sustenta. Essa proposição é comum ao liberalismo de playground (3), pois não existe capitalismo sem Estado, e a garantia da propriedade e das condições de operação do mercado de trabalho pode exigir muito mais pessoas, leis e dinheiro do que, por exemplo, a promoção de políticas sociais...

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