Pontes de miranda, Hans Kelsen e os debates sobre a jurisdição constitucional na assembleia constituinte de 1933-1934

AutorMarcio Augusto de Vasconcelos Diniz
Ocupação do AutorDoutor em Direito (UFMG/Johann Wolfgang Goehte Universität). Professor-Associado da Faculdade de Direito da UFC. Procurador do Município de Fortaleza. Advogado
Páginas95-120
PONTES DE MIRANDA, HANS KELSEN
E OS DEBATES SOBRE A JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL NA ASSEMBLEIA
CONSTITUINTE DE 1933-1934
Marcio Augusto de Vasconcelos Diniz
Doutor em Direito (UFMG/Johann Wolfgang Goehte Universität). Professor-Associado
da Faculdade de Direito da UFC. Procurador do Município de Fortaleza. Advogado.
“A Constituição sobrepõe-se à entidade central, às componentes, aos próprios indivídu-
os e a todos os órgãos do Estado. A subordinação é que é igual. Todos são igualmente
subordinados à Constituição. No momento em que a guarda da constituição decide,
é povo mesmo que se pronuncia”. Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de
1946. v. I. SP: Max Limonad. 1953, p. 161.
“... es una cuestión grave la de desentrañar si debe mezclarse al juez en el juego cons-
titucional. El problema tiene su pro y su contra. Si se le mezcla, puede estimularse en
él una ambición política; si no se le mezcla, pueden resultar inecaces las reglas de la
Constitución”. Maurice Hauriou. Princípios de Derecho Público y Constitucional. 2.
ed., Madrid: Instituto Editorial Reus, s/d, p. 332-333.
Sumário: 1. A teoria pura do direito. 2. O conceito de norma jurídica na teoria pura do direito.
3. Validade e ecácia na teoria pura do direito. 4. A lei inconstitucional na teoria pura do direito.
5. O controle da constitucionalidade das leis. Sistema norte-americano e sistema europeu. A
Constituição Republicana Brasileira de 1891. 6. A jurisdição constitucional no pensamento
de Hans Kelsen. O debate com Carl Schmitt sobre o guardião da constituição. 7. Hans Kelsen
e a proposta de criação de uma corte constitucional na constituinte brasileira (1933-1934).
Este trabalho trata de um debate. Um debate entre ausentes, mas cujas doutrinas e
pensamentos foram expostos e polemizados durante a Assembleia Constituinte de 1933-
1934. O tema: a criação de uma Corte Constitucional para o Brasil, segundo o modelo
europeu, ou a permanência, ainda que algumas alterações, do sistema de controle difuso
da constitucionalidade das leis estruturado na Constituição de 1891. Os autores cujas
ideias são postas em confronto: Pontes de Miranda e Hans Kelsen.
A doutrina de Hans Kelsen, nos primeiros anos de sua vida acadêmica, não era des-
conhecida da comunidade jurídica brasileira. Bastam, aqui, por exemplo, as referências
feitas às obras Allgemeine Staatslehre (traduzida em 1938 para o português por Fernando
de Miranda e traduzida para o idioma espanhol em 1934 por Luis Legaz y Lacambra e
Luis Récasens Siches e Justino de Azcarate) e Reine Rechtslehre (traduzida em 1939, para
o português por Fernando de Miranda e em 1962 por João Baptista Machado; traduzida
em 1941 para o idioma espanhol por Jorge G. Tejerina) em diversas passagens das Me-
mórias de Miguel Reale e na História das Ideias Jurídicas no Brasil de A. L. Machado Neto.
EBOOK TEORIA DO DIREITO.indb 95EBOOK TEORIA DO DIREITO.indb 95 09/10/2020 12:29:2709/10/2020 12:29:27
MARCIO AUGUSTO DE VASCONCELOS DINIZ
96
Ainda no ano de 1933, o próprio Hans Kelsen ofertou parecer acerca de questões
ligadas à soberania nacional e ao poder constituinte e sobre a posição adotada pelo Go-
verno Provisório no funcionamento da Assembleia Nacional Constituinte de 1933-19341.
Oscar Sarlo, por f‌im, noticia a visita feita por Kelsen ao Rio de Janeiro, quando de
seu retorno das palestras e debates em Buenos Aires:2
“Hasta donde hemos podido averiguar, la visita de Kelsen a Brasil no estaba en sus planes iniciales,
concertándose cuando ya estaba en Buenos Aires, según parece desprenderse de un comentario de
Cossio (Kelsen-Cossio, 1952:86).
Gracias al testimonio del Prof. Miguel Reale, sabemos que los arreglos habrían sido realizados por el
inuyente jurista y político Dr. Bilac Pinto Cabe suponer que también haya participado en las gestiones
y en su recepción el Dr. Hans Klinghoffer, exalumno de Kelsen en Viena, radicado desde tiempo atrás
en Brasil, y muy allegado en su momento al gobierno de Getulio Vargas. (…)
Como vimos, Kelsen había arribado a Río el jueves 25 de agosto, y el lunes 29 dictó una conferencia
ante el Núcleo de Derecho Público de la Fundación Getulio Vargas sobre El pacto del Atlántico y la
Carta de las Naciones Unidas. (Cfr. Bibliografía HKI, item 288). El miércoles 31 de agosto, cumplidas
las 3 conferencias pactadas, se le conere el título de Doctor Honoris Causa por la Fundación Getulio
Vargas (Métall, 1969:103). Cumplidas estas actividades, Kelsen retoma el buque de regreso a New York.”
Em resumo: a participação de Kelsen, na Assembleia Constituinte de 1933-1934
deu-se, apenas, com a emissãoo do referido parecer. O que nos interesse, a partir de agora,
é expor as matrizes fundamentais do pensamento do jurista alagoano (que estava mais
familiarizado com outros escritos kelsenianos) e do jurista austríaco, e mostrar como seu
deu, na própria Constituinte, o debate entre suas ideias acerca da jurisdição constitucional.
1. A TEORIA PURA DO DIREITO
O desenvolvimento da Teoria Pura do Direito pode, segundo Stanley L. Paulson, pode
ser desmembrado em cinco fases3. Em primeiro lugar, um período inicial, que corresponde
aos seus primeiros escritos e à primeira edição dos Hauptprobleme der Staatsrechtslehre
(Problemas Fundamentais da Teoria Jurídica do Estado – 1911).
Já numa segunda fase, na década de `20, nota-se a sua adesão aos postulados do
neokantismo. Na terceira fase, os escritos de Adolf Julius Merkl acerca da Stufenbaulehre
tiveram grande inf‌luência na Teoria Pura do Direito. O próprio Kelsen, já na segunda
edição (1923) de seus Hauptprobleme, buscava suporte nas teorias e nos escritos de Adolf
Merkl, do período 1917-1923 e ressaltava, no Prefácio, a importância, a contribuição e
o signif‌icado de sua obra na elaboração da Teoria Pura do Direito, que seria mais deta-
lhadamente desenvolvida nos anos seguintes.
1. Cf. SOLON, Ari Marcelo. Teoria da soberania como problema da norma jurídica e da decisão. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Ed., 1997, p. 68-69, 215-219.
2. SARLO, Oscar. La gira sudamericana de Hans Kelsen en 1949. El ‘frente sur’ de la teoría pura. Ambiente Jurídico, Núm.
12, Noviembre, 2010, p. 401-425.
3. Cf. PAULSON, Stanley L. Toward a periodization of the Pure Theory of Law. In: GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.).
Hans Kelsen Legal Theory. Torino: G. Giapichelli, 1990, p. 11-47; Arriving at a defensible periodization of Hans
Kelsen’s legal theory. Oxford Journal of Legal Studies (1999). v. 19, Issue (2), p. 351-364; Four Phases in Hans
Kelsen’s Legal Theory? Ref‌lections on a Periodization. Oxford Journal of Legal Studies (1998). v. 18, Issue (1), p.
153-166.
EBOOK TEORIA DO DIREITO.indb 96EBOOK TEORIA DO DIREITO.indb 96 09/10/2020 12:29:2709/10/2020 12:29:27

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT