Prefácio à 1ª. edição
Autor | Antônio Augusto Cançado Trindade |
Ocupação do Autor | Juiz da Corte Internacional de Justiça (Haia) |
Páginas | 21-25 |
XXI
Como se não bastasse o triste legado do século XX de trágicas contradições, o
Direito Internacional enfr enta hoje, na aurora do século XXI, novas ameaças à paz e
segurança internaciona is, em meio a uma profunda crise, que se afigura como uma
verdadeira crise de valores na mais ampla escala. Nunca, como nas últimas déca-
das, tem se constatado tanto progresso na ciência e tec nologia acompanhado tragi-
camente de tanta destruição e crueldade. Nunca, como em nossos tempos, tem se
verificado tantos sinais da prosperidade acompanhados de modo alarmante de
tanto aumento das disparidades econômico-sociais e da pobreza c rônica e extrema.
Este início do século XXI desvenda um panorama de progresso científico e
tecnológico sem precedentes acompanhadodepadecimentos humanos indescrití-
veis. No quotidiano de cada um, não é de difícil constatação o processo de degrada-
ção paulatina das condições de vida (educação, saúde, moradia, trabalho) de seg-
mentos crescentes da população. O que mais impressiona na tragédia contemporânea
da marginaliz ação e exclusão sociais é a impressão que deixa de que todos os esfor-
ços, sacrifícios e sofri mentos das gerações passadas parecem ter sido em vão.
Em luminoso ensaio publicado há mais de meio-séc ulo, um erudito historiador
questionou as bases do que se entendia por civilização, caracterizando-a como não mais
do que avanços modestíssimos nos planos social e moral1. Debaixo de sua capa tênue,
persistia – e persiste – lamentavelmente a barbárie, como o demonstra o recrudesci-
mento – à margem da Carta das Nações Unidas – dos unilateralismos e do uso indis-
criminado da força neste início do séc ulo XXI, desvendando o espectro que hoje paira
sobre toda a humanidade da ameaça ou iminência de novas e sucessivas guerras.
Ademais, as célebres alegorias de mais de meio século (como as de A. Huxley
e G. Orwell, entre outras), afiguram-se hoje mais atuais do que nunca, dada sua lú-
cida premonição, como que em uma antecipação da realidade, do mundo massifica-
do em que hoje vivemos, da falácia das chamadas “leis do mercado”, do pensamento
dirigido pelos meios eletrônicos de comunicação.
O mundo em que vivemos permanece ambivalente e eivado de contradições:
nem melhor, nem pior, do que o de outrora2, mas persistentente ameaçador. Um
AJToynbeeCivilization on Trial, Oxford, University Press, 1948, pp. 3-263.
Para lúcidos testemunhos cf K Popper The Lesson of this Century, London, Routled-
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