Prefácio. Multiparentalidade e seus desafios
Autor | Marcos Ehrhardt Júnior |
Ocupação do Autor | Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) |
Páginas | 7-9 |
PREFÁCIO
MULTIPARENTALIDADE E SEUS DESAFIOS
O julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do Tema de Repercussão Geral de
número 622 (RE 898060), em 2017, foi por muitos comemorado como o ponto final de
uma longa discussão acerca dos efeitos do reconhecimento da parentalidade socioafetiva
no sistema jurídico brasileiro. Muitos destacaram a importância do julgado, que pode
ser considerado mais um marco na recente história do direito das famílias em nosso país,
cada vez mais influenciado por construções doutrinárias e entendimentos jurispruden-
ciais, dada a letargia legislativa em analisar projetos de leis que têm por objetivo reduzir
o abismo entre a realidade das relações familiares contemporâneas e a disciplina de um
Código Civil que mesmo sob os auspícios da Constituição Federal de 1988, ainda não
conseguiu desvencilhar-se totalmente de uma herança patriarcal com foco em questões
puramente patrimoniais.
Ocorre que, ao contrário de um ponto final, a decisão acima referida nos remete a
um novo capítulo sobre a compreensão da multiparentalidade em nosso ordenamento.
Surgem novos problemas interpretativos, em especial quando analisados aspectos das
relações familiares que não foram objeto de apreciação específica quando do julgamento
do Tema 622, como, por exemplo, a possibilidade de reconhecimento da multiparenta-
lidade em casos de inseminação artificial heteróloga ou adoção.
A análise dos exemplos acima apontados torna evidentes os limites da atividade
jurisprudencial enquanto fonte do direito, uma vez que ao contrário da abstração e ge-
neralidade típicas dos textos legislativos, a decisão judicial está adstrita aos limites do
caso concreto. Eis aqui a importância de se valorizar o trabalho de pesquisa acadêmica e
os estudos doutrinários sobre temas complexos, como o estudo dos múltiplos vínculos
de parentalidade. Aqui repousa uma das primeiras qualidades deste livro, que permitirá
ao leitor entender os antecedentes que ensejaram o debate sobre o tema no âmbito do
STF e os exatos contornos da decisão, com seus méritos e pontos que ainda carecem de
maior discussão.
Se ninguém nega a importância do reconhecimento da parentalidade socioafetiva
pela mais alta Corte de nosso país e a consagração da tese de que não existe primazia do
vínculo biológico sobre o socioafetivo, a maior parte dos votos que concluíram pelo fim
de um modelo binário de parentalidade, admitindo a coexistência dos vínculos afetivo
e biológico no registro de nascimento da pessoa natural não enfrentou as contribuições
doutrinárias que distinguem filiação da origem biológica. Todos temos direito a co-
nhecer nossa ancestralidade, sem que a identificação da origem genética corresponda
necessariamente a parentalidade, compreensão que vem sendo forjada a partir do reco-
nhecimento da posse do estado de filiação, intimamente relacionada à construção de
vínculos socioafetivos.
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