A probabilidade de negociacao com informacao privilegiada no mercado acionario brasileiro.

AutorSilva Martins, Orleans

(The Probability of Informed Trading in the Brazilian Stock Market)

  1. Introdução

    Conhecer a magnitude da assimetria de informação existente nós mercados de capitais é talvez uma das mais importantes edifíceis tarefas no âmbito das finanças corporativas. Por essa razão, esse tema têm sido alvo de discussões relacionadas á determinaçao do retorno das ações (Easley et al., 2002), á governança corporativa (Cruces & Kawamura, 2005) e ás fusões e aquisições das empresas (Aktas et al., 2007), considerando-se a utilização de informação privada por parte de alguns agentes econômicos como uma ineficiência do mercado. Nesse contexto, o mercado acionário brasileiro têm se desenvolvido e, consequentemente, motivado discussões acerca de suaeficiência e suas práticas de governança corporativa, especialmente no que diz respeito ao uso de informação privilegiada (Camargos et al., 2008, Barbedo et al., 2009).

    Segundo Cohen et al. (2012), pode-se entender informação privilegiada (ou privada)como uma informação que ainda não foi divulgada ao público em geral, a qual pode proporcionar vantagens competitivas ao seu portador na negociação de ações, fenômeno denominado pelos autores como insider trading, sendo essa prática qualificada como ilícita em diversos mercadosde capitais. Essa informação privilegiada e consequência da assimetria de informação existente entre os proprietários e os controladores de uma firma, assim como entre seus acionistas majoritarios e minoritários, fenômeno que é abordado pela Teoria da Agência (Jensen & Meckling, 1976), que trata da relação entre os participantes de uma firma, onde a propriedade e o controle do capital são destinados a indivíduos distintos, dando espaço á formação de um conflito de interesses, que pode originar a assimetria de informação.

    Nesse contexto, alguns casos de fraudes e escândalos corporativos envolvendo o uso de informação privilegiadanos mercados de capitais podem ser citados, como os ocorridos com a ImClone, nós Estados Unidos, e com a AmBev e a Copel, no Brasil. Esses casos motivaram questionamentos quanto á eficiência dos modelos de governança corporativa, especialmente no Brasil Barbedo et al. (2009), Alberton et al. (2011, ver), um país emergente que, segundo Duarte & Young (2009), é um campo fértil para a prática de insider trading. Nesse cenário, de acordo com Vieira & Mendes (2006), os modelos de governança, a princípio, deveriam reduzir a assimetria de informação existente no mercado e evitar a prática dessa ilicitude.

    O uso de informação privilegiada no mercado acionário brasileiro é qualificado como crime pela legislação local, conforme Artigo 27 da Lei no. 6.385/1976, incluído pela Lei no. 10.303/2001, com pena de reclusão de 1 a 5 anos e multa de até 3 vezes o montante da vantagem ilícita obtida Brasil (1976, 2001). Apesar disso, evidências empíricas indicam a existência de negociações baseadas em informação privilegiada nesse mercado (Bopp, 2003, Cruces & Kawamura, 2005, Barbedo et al., 2009). Nesse sentido, Barbedo et al. (2009) alertam que na ocasião em que essa prática ilegal permanece impune, como costuma ocorrer na maioria dos países da América Latina, os grupos controladores se sentem confortáveis para expropriar os ganhos dos acionistas minoritários através do uso desse tipo de informação ao negociar ações. Por consequência, qualquer suspeita de ocorrência desse fenômeno faz com que o investidor evite investir nesse mercado, ou nesse ativo, com receio de ser prejudicado na transação.

    Por isso, a negociação com informação privilegiada nós mercados de capitais têm se transformado em um tema recorrente em discussões acadêmicas e profissionais na literatura internacional (Easley et al., 1996, 2002, 2010, Abad & Rubia, 2005, Cruces & Kawamura, 2005, Duarte & Young, 2009, Mohanram & Rajgopal, 2009). No Brasil, todavia, não se têm observadoa mesma preocupação com essa temática, especialmente em se tratando de pesquisas que utilizem dados de microestrutura desse mercado. A literatura que trata da existência de assimetria de informação no mercado brasileiro é relativamente escassa, principalmente no que diz respeito á mensuração da assimetria de informação.

    Nesse contexto, em que a eficiência dos mercados de capitais e a quantidade e qualidade de informações disponibilizadas aos seus agentes são discutidas, Easley et al. (1996) desenvolveram um modelo de mensuração de assimetria de informação a partir dos volumes de negociação das ações, o qual foi aperfeiçoado por Easley et al. (2002), que possibilita estimar a probabilidade de negociação com informação privilegiada (PIN) de uma ação. Com esse modelo, diversos estudos realizados em países como Estados Unidos (Easley et al., 1996, 1997, 2002) e Espanha (Abad & Rubia, 2005) têm verificado que a PIN influencia fortemente a negociação dos ativos e que às especificidades de cada mercado podem potencializar seus efeitos. No Brasil, sobretudo, a primeira investigação desse tipo foi desenvolvida por Barbedo et al. (2009), mensurando a PIN de 48 ações listadas em diferentes segmentos de governança corporativa.

    Aliado a isso, observa-sea escassez de trabalhos nesta linha, que pode estar relacionadaà dificuldade de acesso às bases que contenham dados necessários para uma pesquisa desse tipo e à dificuldade de se mensurar a assimetria de informação no mercado brasileiro. Destaca-se, ainda, que a presença dessa assimetria pode fomentar a ineficiência de um mercado de capitais (Leland & Pyle, 1977). Assim, sua diminuição pode proporcionar um ambiente institucional mais seguro, cujos resultados são maior eficiência, menores custos de transação e maior quantidade de recursos negociados no mercado.

    Nesse sentido, a motivação desta pesquisa surge da lacuna identificada na literatura, no que se refere à mensuração da assimetria de informação na negociação de ações no mercado brasileiro de capitais. Para isso, buscou-se responder à seguinte questão de pesquisa: qual é a magnitude da assimetria de informação existente na negociação deações no mercado acionário brasileiro? Seus principais resultados indicaram a existência de assimetria nesse mercado, uma vez que foram identificadas probabilidades de negociação com informação privilegiada no período investigado. Assim, este estudo contribui com o melhor entendimento da PIN no mercado brasileiro, especialmente no que se refere às diferentes classes de ações e de listagem de governança corporativa, relacionando a PIN à liquidez das ações.

    O artigo está organizado em cinco seções, incluindo está introdução. Na seção seguinte são apresentadas às referências teóricas acerca da existência de assimetria de informação no mercado de capitais e da probabilidade de negociação de ações com o uso de informação privilegiada. Na terceira seção, apresenta-se a amostra, a base de dados utilizada e os processos de estimação PIN e relacionamento com a liquidez. Na quarta seção são apresentados os resultados do estudo e, na ultima, suas principais conclusões.

  2. Referencial Teórico

    2.1 Informação privilegiada no mercado de capitais

    As implicacoes da assimetria de informação num mercado qualquer foram analisadas inicialmente por Akerlof (1970). Para ilustrar esse fenômeno, o autor utiliza como exemplo o mercado norte-americano de carros usados, denominado market for lemons, onde os carros usados velhos e ruins são chamados de 'limões'. Nesse mercado, onde o vendedor têm maior conhecimento sobre a qualidade do carro usado que está sendo negociado, o comprador se dispõe a pagar um preço abaixo daquele que efetivamente o carro valeria se todas as informações necessárias para atestar a sua qualidade estivessem disponíveis (Akerlof, 1970). Por outro lado, quem têm um carro de boa qualidadetende a não querer vende-lo pelo preço praticado nesse mercado, pois pode receber aquém do real valor do seu veículo.

    Nesse sentido, Leland & Pyle (1977) observa que a assimetria de informação pode reduzir o desempenho dos mercados, o que pode ser explicado por meio do financiamento de um projeto cuja qualidade é muito variável. Para os autores, enquanto os tomadores conhecem a qualidade de seus próprios projetos, os credores não conseguem distinguir projetos de boa ou má qualidade. Se essa distinção for orientada pelo mercado, atribuindo-se um valor médio maior que o custo médio dos projetos, a oferta potencial de projetos de baixa qualidade pode ser muito grande, uma vez que os tomadores podem tirar proveito de um mercado desinformado (sobre a real qualidade) para criar resultados positivos. Por outro lado, o mercado pode argumentar que sua qualidade média provavelmente seja baixa, com a justificativa de que, até que os projetos sejam conhecidos para merecer o financiamento, não possam ser realizados, em função do alto custo de capital resultante da baixa qualidade média dos projetos existentes.

    Aliado a isso, destaca-se o conflito de interesses entre os participantes de uma firma, tratado pela Teoria da Agência (Jensen & Meckling, 1976), onde a propriedade e o controle do seu capital são destinados a indivíduos distintos. Nesse sentido, considerando os diferentes graus de informação possuída, por um lado, pelos controladores e, por outro lado, pelos investidores ou proprietàrios, Iquiapaza et al. (2008) destacam que, devido à posição privilegiada que ocupam, os controladores podem utilizar informações ainda não divulgadas ao público para projetar melhor seus fluxos de caixa, uma vez que possuem razoavel expectativa acerca de seus resultados futuros, privilégio não possuído pelos demais agentes que integram o mercado.

    No Brasil, um dos primeiros instrumentos de restição ao uso dessas informações em benefício próprio foi a promulgação da Lei no. 6.404/1976 (conhecida por Lei das Sociedades por Ações), que introduziu no mercado o princípio da informação completa (fulldisclosure), que desde entãopassou a ser um dos pilares do sistema normativo das empresas brasileiras. Em seu Artigo 155, a Lei discorre sobre o...

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