Processamento e Efeitos

AutorLuiz Henrique Sormani Barbugiani
Ocupação do AutorMestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
Páginas155-195

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Todo e qualquer recurso enseja a impugnação total ou parcial da decisão proferida em desfavor do recorrente, fato de conotação voluntária, entretanto, alguns recursos apresentam restrição à matéria potencialmente impugnável que, no caso dos embargos infringentes, refere-se à divergência total ou parcial constante no voto vencido, sendo que isso não interfere propriamente na classificação dos recursos totais e parciais, conforme se depreende da doutrina de José Carlos Barbosa MOREIRA:

1. Concebe-se que as decisões judiciais em geral (e não apenas as sentenças, como restritivamente diz o art. 505) sejam objeto de impugnação “no todo ou em parte”. A rigor, nem sempre é possível impugnar a decisão toda; a lei às vezes restringe o conteúdo impugnável, como faz em relação aos embargos infringentes, por exemplo: se, no julgamento da apelação ou da ação rescisória, ocorreu divergência apenas parcial entre os julgadores, só a matéria em que ela se manifestou pode constituir objeto dos embargos (art. 530, 2a parte; cf. infra, § 21, nº I, 1).

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A variável extensão da matéria impugnada permite distinguir entre recurso total e recurso parcial. Deve considerar-se total o recurso que abrange todo o conteúdo impugnável da decisão recorrida (não necessariamente o seu conteúdo integral). Assim, v.g., serão totais os embargos infringentes relativos a tudo aquilo em que se verificou dissídio no julgamento da apelação ou da ação rescisória, nada importando que não digam respeito a outra(s) matéria(s), julgada(s) no mesmo acórdão, mas por deliberação unânime e, em conseqüência, fora do alcance dos embargos. Classificar-se-á, como parcial o recurso que, em virtude de limitação voluntária, não compreenda a totalidade do conteúdo impugnável da decisão. Exemplo: o autor, que cumulara vários pedidos e os vira todos julgados improcedentes no primeiro grau de jurisdição, interpõe apelação exclusivamente quanto à parte da sentença referente a um (ou a alguns) dos pedidos.

Se o recorrente não especificar a parte em que impugna a decisão, entender-se-á que o recurso é total.1(negrito e destaques no original)

Sandro Marcelo KOZIKOSKI salienta que “os embargos infringentes implicam a devolução da matéria objeto da diver-gência ao órgão competente na estrutura interna do tribunal. Também o recurso de embargos infringentes poderá ser total ou parcial, de sorte que a devolutividade dependerá da vontade do embargante”2(destaque no original), confirmando o já preconizado nas linhas acima no tocante à possibilidade dos

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embargos infringentes envolverem a totalidade ou apenas parte da matéria embargável.

Ainda quanto ao efeito devolutivo, ressalta-se o entendimento de José Carlos Barbosa MOREIRA, no sentido de que, na extensão, o recurso apresenta limites relacionados com a vontade do recorrente em impugnar total ou parcialmente a decisão dentro dos contornos pré-definidos no voto vencido, apesar de na profundidade da cognição não haver atrelamento ao fundamento do voto minoritário:

1. A despeito do colorido de retratação que em parte reveste os embargos, pode-se falar sem erro no seu efeito devolutivo, até porque não são julgados obrigatoriamente pelo mesmo órgão que proferiu a decisão embargada. Semelhante efeito, na extensão, fica limitado:
a) necessariamente (e mesmo que o embargante, na petição, porventura as exceda!), pelas dimensões da divergência verificada no julgamento, de sorte que a extensão máxima da devolução se apura pela diferença entre o decidido no acórdão e a solução que preconizava o voto vencido, ou o mais favorável ao embargante, dentre os votos vencidos (arg. ex art. 530, 2a parte). Exemplos: se o embargante pedira 100, e o acórdão embargado lhe dera 80, mas houve voto divergente, a acolher o pedido in totum, podem os 20 restantes ser pleiteados – e obtidos, no todo ou em parte – perante o órgão ad quem, ao qual será lícito negar provimento aos embargos (“confirmando” a concessão de 80), dar-lhes provimento total

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(concedendo os 100) ou dar-lhes provimento parcial (concedendo, v.g., 90); se o embargante pedira 100 e na apelação obtivera 80, com voto vencido que lhe concedia 85, os embargos não podem visar senão, quando muito, ao acréscimo dos 5, que correspondem ao plus do voto vencido sobre o pronunciamento da maioria, subsistindo para o órgão ad quem a possibilidade de manter a condenação em 80 (embargos desprovidos), elevá-la para 85 (embargos totalmente providos) ou fixá-la em quantum intermediário (embargos parcialmente providos);
b) eventualmente, pela vontade do próprio embargante, que interponha recurso parcial (supra, § 15, nº II, 1), insistindo apenas em parte da vantagem adicional que lhe concedia o voto vencido (art. 515, caput, aplicável por analogia). Exemplo: negadas no julgamento da apelação, por maioria, duas das parcelas que se tinham pedido, se nos embargos se pleiteia uma única dessas parcelas, a outra escapa à devolução.

Prevalece, em qualquer hipótese, a proibição da reformatio in peius: no julgamento dos embargos não se pode piorar a situação do embargante subtraindo-lhe algo que o órgão a quo lhe concedeu por unanimidade, ou mesmo por simples maioria, se a outra parte não embargou, por sua vez.

Em profundidade, não fica o órgão ad quem adstrito aos motivos invocados no voto vencido: embora não lhe seja lícito ultrapassar as raias deste, pode dar provimento aos embargos acolhendo argumentos diversos

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(não outra causa petendi!) dos utilizados para lastrear, no julgamento da apelação ou da ação rescisória, o pronunciamento minoritário.3(destaques no original)

Os embargos infringentes, como asseveram Luiz Rodrigues WAMBIER, Flávio Renato Correia de ALMEIDA e Eduardo TALAMINI, “(...) têm efeito devolutivo restrito. Não têm, nem deixam de ter, efeito suspensivo. Fazem com que se mantenha a situação criada pela apelação ou pela ação rescisória, ou seja, não interferem, por si mesmos, na circunstância de estar ou não sendo executada a decisão recorrida”4, sendo que, na sequência, acrescentam que o recurso “(...), têm também o efeito de obstar a produção da coisa julgada”.5Ernane Fidélis do SANTOS chega a mesma conclusão acerca da executividade ou não da sentença de primeiro grau, contudo, fundamenta que os embargos infringentes possuem efeito suspensivo, todavia esse efeito se restringe ao acórdão recorrido, suspendendo a sua eficácia e restabelecendo a eficácia da sentença de acordo com os efeitos da apelação:

Os embargos infringentes são recebidos em ambos os efeitos: devolutivo e suspensivo. A suspensão, porém, ocorre com acórdão e não com a sentença de primeiro grau. Se o acórdão reformou a sentença, com a interposição dos embargos, continua ela com os efeitos que lhe são peculiares,

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inclusive com o de execução provisória (art. 588), quando for o caso. Da mesma forma, se o acórdão reformar sentença, de tal maneira que, se fosse decisão de primeiro grau, permitiria execução provisória, não terá ela cabimento com a interposição de embargos.6José Carlos Barbosa MOREIRA coaduna do mesmo entendimento no sentido da existência de efeito suspensivo nos embargos infringentes, ressalta, entretanto, que tal efeito somente atinge a matéria embargada, não envolvendo a parte unânime do acórdão, nem aquilo que voluntariamente se excluiu do recurso ofertado:

2. Quanto ao efeito suspensivo, entende-se, no silêncio da lei, que os embargos infringentes o têm (cf., supra, § 17, no I, 2). A interposição dos embargos obsta, pois, à produção dos efeitos do acórdão embargado, quer proferido em grau de apelação, que em ação rescisória. Não influi na eficácia da sentença apelada: se a apelação fora recebida somente no efeito devolutivo, e por isso (a título provisório) se tornara possível a execução (arts. 521, 2a parte, e 587, 2a parte), tal exeqüibilidade provisória não se vê atingida pela inter-posição dos embargos. Caso se tenha recebido a apelação também no efeito suspensivo, este igualmente subsiste após essa interposição.
É intuitivo que só se suspende a eficácia do acórdão naquilo que constitua objeto dos embargos. Desde logo se torna exeqüível, v.g., algum capítulo condenatório que escape ao

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âmbito destes – ou por nele ter havido votação unânime, ou por tê-lo excluído o embargante, voluntariamente, de sua impugnação. Na segunda hipótese, cabe execução definitiva (art. 587, 1a parte), pois o capítulo em que não ocorreu unanimidade, não comportando qualquer outro recurso além dos embargos, transita em julgado se estes não são inter-postos; na primeira, em cabendo ainda recurso especial ou extraordinário, unicamente se poderá instaurar execução provisória (art. 587, 2a parte).7(destaques no original)

No tocante à ação rescisória, Nelson Luiz PINTO preconiza que os embargos infringentes proporcionarão “(...) sempre efeito suspensivo do comando contido no acórdão.”8Na realidade, o que se suspende com a interposição dos embargos infringentes é a eficácia imediata do acórdão objeto do recurso.

Ao afastar a aplicabilidade da decisão anterior, isso não significa que a decisão objeto de apelação ou de ação rescisória se encontra restabelecida, uma vez que tal fato depende dos efeitos em que o anterior recurso foi recebido ou se na ação rescisória foi concedida medida de antecipação de tutela ou cautelar.

Na apelação, o normal é a concessão do duplo efeito (devolutivo e suspensivo), nesses casos pode-se dizer que inclusive os efeitos da sentença estariam suspensos. Nas situações do artigo 520 do Código de Processo Civil, por outro lado, a

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interposição dos embargos infringentes mantém os efeitos da sentença que originalmente não foram suspensos.

Na ação rescisória, por absoluta lógica à decisão anterior que resta transitada em julgado, traz consigo a força da imutabilidade, não sendo possível que, em virtude da distribuição de uma rescisória, venha a perder a sua eficácia de plano, por isso o artigo 489 do Código de Processo Civil concebe...

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