Processo Judicial e Prova Pericial

AutorJosé Fiker
Ocupação do AutorDoutor em Semiótica e Linguística Geral (com enfâse em Laudos Periciais) pela USP
Páginas15-50

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1. Introdução
1.1. Lide

Quando duas pessoas possuem interesse sobre o mesmo bem ou utilidades da vida, surge entre elas um conflito de interesses. O conflito pode dar lugar à manifestação da vontade de uma delas de exigir a subordinação do interesse da outra ao próprio. A esta atitude da vontade dá-se o nome de pretensão. Esta pode ser resistida, configurando-se então um litígio ou lide, definido sinteticamente como o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.

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1.2. Autotutela

Antigamente existia a possibilidade de o conflito ser resolvido pela autotutela, em que uma das partes interessadas tomava para si o objeto de litígio através da força (lei do mais forte).

1.3. Autocomposição

Evidentemente a autotutela não se constitui numa solução desejável numa sociedade humana em que deve prevalecer a razão, e não a força. Assim, muitas vezes, o litígio era solucionado pela auto-composição, em que uma das partes desistia de exercer a sua manifestação de vontade ou a outra deixava de resistir à pretensão, ou havia concessão de ambas as partes no sentido de firmar um acordo.

1.4. Arbitragem

Muitas vezes, para pôr fim ao litígio, as partes concordavam em submeter-se à opinião de uma terceira pessoa, combinando, desde o início, que, fosse qual fosse a decisão, ela seria acatada. Nascia assim o instituto da arbitragem, que hoje é praticado de maneira ampla em países de primeiro mundo e que começa a se desenvolver no Brasil, em função de uma legislação aperfeiçoada, cujos efeitos começam a se fazer sentir, embora de maneira lenta e tímida ainda e sobre a qual falaremos mais tarde.

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1.5. Jurisdição

Modernamente a função de decidir a lide é atribuída a um terceiro sujeito desinteressado e imparcial, que é o Estado. Dá-se a essa função o nome de função jurisdicional, ou simplesmente jurisdição, e, aos órgãos que a exercem, o de órgãos jurisdicionais.

1.6. Direito

Segundo Carnelutti1, o direito é o instrumento de regulamentação de convergências de interesses sobre determinados bens, ampliando assim o conceito para bens que transcendem o simples conflito entre duas pessoas, como é o caso de um provimento legal simplesmente para atribuir, modificar ou tirar direitos de uma pessoa (legislação voluntária, exemplo: registro civil) ou manifestar a vontade da sociedade (processo penal).

O interesse convergente sobre bens, portanto, pode ser:

a) individual, quando afeta uma pessoa;
b) coletivo, quando afeta um grupo de pessoas, representando a soma dos interesses individuais;

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c) público, quando transcende inclusive a soma dos interesses individuais e afeta a sociedade como um todo, com seus objetivos básicos.

1.7. Direito subjetivo e direito objetivo ou positivo

O direito subjetivo é o direito que cada cidadão tem de ingressar em juízo para obter do órgão jurisdicional (na primeira instância é o juiz) uma decisão que acolha, ou não, sua pretensão, pondo fim à lide. Para decidi-la, o juiz utiliza normas de direito, que são normas gerais e abstratas, fazendo atuá-las ao caso concreto “sub judice”. O conjunto dessas normas constitui o direito objetivo ou positivo, que é o arcabouço de normas de que o Estado dispõe para aplicar o direito.

1.8. Fontes do direito

Dispõe o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que serve de aplicação geral das normas jurídicas no direito brasileiro: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.

A analogia consiste na aplicação ao caso concreto de solução já aplicada em caso semelhante.

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Os costumes correspondem aos usos normalmente empregados nas relações entre os cidadãos do local.

Imaginemos, por exemplo, um engraxate que não estabeleceu o preço antes, cobrando uma quantia exorbitante pelos seus serviços. O cidadão tem o direito de recusar-se a pagar tal exorbitância baseado nos usos e costumes do local, que consideram uma média que é normalmente cobrada.

Os princípios gerais do direito são normas tradicionais, baseadas no bom-senso e que regulam as relações sociais desde a época do direito romano. Exemplo: dar a cada um o que é seu, não prejudicar ninguém, etc.

Além disso, na omissão de lei ou para complementar e ajudar a justificar sua decisão, o juiz pode valer-se da jurisprudência, das súmulas dos tribunais e da doutrina. Os advogados também podem utilizar tais instrumentos para reforçar suas defesas ou acusações.

A jurisprudência corresponde a uma série de julgamentos em sentenças prolatadas numa mesma direção para um caso semelhante. A relação dessas sentenças (1ª instância) ou acórdãos (2ª instância) para um mesmo caso, num mesmo sentido, constitui a jurisprudência aplicável àquele caso.

As súmulas dos tribunais constituem uma série de julgados naquele tribunal,que, por serem todos num mesmo sentido, foram consagrados no que os juízes ou desembargadores chamam de súmula, a qual recebe um número e que se recomenda para a solução de casos semelhantes, até para evitar que aquele tribunal entre em contradição, julgando de maneira diferente da anterior um caso com as mesmas características.

A doutrina é o que os juristas escrevem a respeito do caso em questão, expondo seus princípios e suas opiniões a respeito de uma questão polêmica.

1.9. Lei do direito versus norma técnica

O juiz, para ser juiz, deve conhecer a lei do direito. O que ele não conhece é a norma técnica. Quando o julgamento sobre determinada questão envolve conhecimentos teóricos específi-

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cos, o magistrado se vale de um perito para explicar a matéria técnica que envolve seus conhecimentos específicos. O perito utiliza a norma técnica, que o juiz desconhece. Portanto, essa norma deve ser convenientemente esclarecida e explicada ao julgador pelo perito para que se possa aplicar a justiça com certeza e segurança. O perito não deve entrar em pormenores com o juiz sobre a lei do direito, porque esta é de competência do juiz; deve ater-se apenas aos aspectos técnicos da questão que está sendo discutida.

1.10. Processo

Processo é a relação jurídica que se estabelece entre juiz, autor e réu e que se modifica a cada ato jurídico praticado, formando uma série de atos jurídicos coordenados tendentes ao exercício da função jurisdicional, que é a obtenção de um provimento final determinado pelo juiz.

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No processo, compreendem-se direitos, deveres e ônus das partes, além de poderes, direitos e deveres dos órgãos jurisdicionais.

O processo inicia-se com uma petição inicial, que estabelece um elo entre o autor e o juiz.

Nessa petição inicial, o autor, por intermédio de seu advogado (que é o único que pode postular em juízo e que, para isso, necessita de uma procuração conferida pelo autor), dirige-se ao juiz formulando o pedido de um provimento judicial. Desse pe-dido devem constar os fatos e o fundamento jurídico do pedido. Os fatos representam a causa remota do pedido. Exemplo: casamento, locação, separação judicial. O fundamento representa a causa próxima: abandono, falta de pagamento, decorridos dois anos da separação judicial, respectivamente. E o pedido propriamente dito baseia-se na causa remota (fatos) e na causa próxima com seus fundamentos jurídicos: separação, despejo, conversão em divórcio, respectivamente.

O réu tem 15 (quinze) dias para manifestar-se. Sobre a contestação, em determinados casos, deverá o autor ser ouvido no prazo de 10 (dez) dias, em obediência ao princípio do contraditório. O princípio do contraditório garante a uma das partes ter conhecimento da manifestação da outra e também ser ouvida no processo sobre a referida manifestação. Essa audiência do autor é chamada réplica.

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Vimos as relações que ligam o autor ao juiz e o juiz ao réu. As relações que ligam o autor ao réu são relações de lealdade durante o processo, completando assim o triângulo que liga as partes integrantes do processo.

Se essa relação de lealdade for rompida, através de procedimentos antiéticos em juízo, tais como medidas feitas para protelar o processo, desrespeito, comportamento não condizente com as normas forenses, aquele que incorrer nessa falta é classificado como litigante de má-fé e pode receber como penalidade a proibição de se manifestar durante o processo.

1.11. Autos

Impropriamente denominados “processo”, os autos são as folhas que contêm tudo quanto acontece no processo, lavrado a termo. O escrivão encarrega-se de lavrar a termo, isto é, transformar em palavra escrita tudo quanto ocorre no processo. O juiz analisa a petição inicial e, se tiver todos os pressupostos previstos no Código de Processo Civil, defere e manda citar o réu. Estabelece-se então uma ligação entre juiz e réu, através da citação pelo oficial de justiça.

O réu, por intermédio de seu advogado, deve defender-se da acusação que lhe foi imputada. Para tanto, ele pode manifestar-se de três formas diferentes: contestação, exceção e...

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