Proporcionalidade do Aviso-Prévio e a Polêmica Questão da Possível Incidência Retroativa da Lei n. 12.506/2011

AutorJorge Boucinhas Filho/Ney Maranhão
Ocupação do AutorAdvogado/Juiz do Trabalho (TRT da 8ª Região ? PA/AP)
Páginas227-239

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A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 7º, inciso xxI, que constitui direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (caput), o “aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei”. Mais à frente, em seu parágrafo único, o mesmo dispositivo constitucional, expressamente, assegura à categoria dos trabalhadores domésticos esse especial direito trabalhista.

Perceba-se, inicialmente, que essa alvissareira proporcionalidade do aviso-prévio, ventilada pela Magna Carta, ficou na dependência direta de uma intervenção do legislador, que recebeu o específico encargo de elaborar lei que regulamentaria a forma como essa proporcionalidade, em concreto, deveria ser implantada. Na esteira da clássica doutrina de José Afonso da Silva, o inciso xxI do art. 7º da Constituição Federal, no tocante à regra da proporcionalidade, constituía uma típica hipótese de norma constitucional de eficácia limitada, na medida em que sua efetiva aplicação prática ficara mesmo por completo dependente da atuação do legislador infra-constitucional.

Eis que, agora, após longos 23 anos de silêncio legiferante, exsurge, enfim, em 11 de outubro de 2011, a Lei n. 12.506/2011, que, segundo sua ementa, “dispõe sobre o aviso-prévio e dá outras providências”. Seu texto, publicado no DOU de 13 de outubro de 2011, é formado por apenas dois artigos, in verbis:

Art. 1º. O aviso-prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho
– CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, será concedido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de serviço na mesma empresa. Parágrafo único. Ao aviso-prévio previsto neste artigo serão acrescidos 3 (três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta)

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dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias. Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

É certo que a Lei n. 12.506/2011 veio à lume com o claro propósito de suprir aquela inquietante omissão do legislador, quanto ao seu dever de regulamentar a proporcionalidade do aviso-prévio, tal qual disposta no inciso xxI do art. 7º da Constituição Federal. Por consequência, representa importante fator de melhoria da condição social dos trabalhadores brasileiros.

Levando em conta que, regra geral, o contrato de trabalho é de trato sucessivo, natural que sofra maiores influxos decorrentes de alterações legislativas. O pacto de labor empregatício, pois, exatamente porque voltado, a rigor, para se prolongar no tempo, é vítima corriqueira das mutações do ambiente jurídico que o circunda, o que nos leva a concluir que a questão do direito intertemporal, nos domínios do Direito do Trabalho, ganha especial relevância1 – como se dá no presente caso.

Com efeito, surge a questão: a proporcionalidade trazida à tona na lei n. 12.506/2011 incide seus efeitos também sobre o aviso-prévio que já estava em curso quando da data de sua publicação? ou somente se aplicam para as concessões de aviso-prévio posteriores à sua vigência? e o aviso-prévio concedido antes de sua vigência, poderia ser alcançado por seus termos?

Existem pelo menos cinco correntes no enfrentamento deste assunto.

É preciso registrar a existência de uma primeira corrente que, na verdade, sempre frisou a própria desnecessidade de se aguardar regulamentação legislativa do inciso xxI, do art. 7º, da Carta Constitucional, sendo que sua efetiva concretude poderia ser alcançada pelo juiz através de simples manuseio de mecanismo normativo de colmatação de lacunas. Constitui tese há muito defendida por Jorge Luiz Souto Maior, como segue:

“Costuma-se dizer que a proporcionali-dade prevista no referido inciso não tem valor jurídico porque a lei que o regularia, conforme prevê o próprio dispositivo constitucional, ainda não foi editada. Aqui, no entanto, repete--se o fenômeno da impossibilidade de se negar eficácia à norma constitucional. O preceito não deixa margem à dúvida quanto ao seu conteúdo. A inexistência da regra infraconstitucional não é suficiente para negar eficácia ao preceito constitucional. Assim, enquanto não vier a lei, há de se utilizar da equidade, ou da analogia, para o preenchimento da lacuna regulatória, como, aliás, prevê o próprio art. 8º, da CLT2.

A segunda corrente, já levando em conta a existência da Lei n. 12.506/2011, embora negando qualquer eficácia retroativa aos seus termos, defende a possibilidade de seu manuseio para a busca judicial de diferenças de aviso-prévio, mesmo para aqueles já cumpridos e, por consequência, com contratos laborais plenamente finalizados. Esse é o pensamento de Antônio Álvares da Silva, consoante argumentação que segue:

“O titular do direito estabelecido pelo art. 7º, xxI, é o reclamante que nunca pôde exercê-lo neste longo passado que vai da vigência da Constituição de 88 até a sanção da Lei n. 12.506 em 2011. Isto porque a norma que o concedia era de eficácia contida, conforme a classificação de José Afonso da Silva (...) o que houve foi a mera regulação de um direito já existente ante-riormente. A Lei n. 12.506 não o criou, apenas tornou possível o seu exercício (...) que passou a ser processualmente possível a partir da data de sua vigência: 13.10.11, quando houve uma pretensão acionável para os titulares do direito previsto no item xxI da CF. (...) Vê-se que não se pode falar em retroação, mas em exercício de um direito através da ação competente. Como esta ação – a actio nata – se deu na data da vigência da lei, ela se estende pelo prazo estabe-

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lecido na própria Constituição, ou seja, dois anos para reclamar direitos compreendidos nos cinco anos anteriores – art. 7º, xIx, da CF. (...) As homologações de rescisão se verificaram sob o pálio da lei anterior. (...) Acontece que surgiu um direito novo, do qual o reclamante não poderia dar quitação, pois, na época da rescisão, não existia ainda. (...) Portanto, não se há de falar em direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – art. 6º da Lei de Introdução de Normas do Direito Brasileiro e art. 5º, xxxVI da CF. Não seria justo atribuir ao reclamante a perda de um direito constitucional para a qual não deu causa. Não pode ele pagar pela omissão do legislador. Evidentemente, não é esta uma hipótese sensata”3.

O presidente da Força Sindical, Deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), vem afirmando que a lei tem efeito retroativo, já que dois anos é o prazo permitido para pleitear qualquer direito trabalhista4.

Mas José Pastore demonstra temor em relação a isso, destacando que “se todos os empregados despedidos nos últimos anos vierem a acionar as empresas para reclamar a diferença de aviso-prévio, estaremos diante de uma cifra incalculável5.

Contudo, vale registrar, de início, que, ao contrário do que defendido pelo nobre professor mineiro, o inciso xxI do art. 7º da Carta da República, na parte que trata da proporcionalidade do aviso-prévio, enquadra-se não como uma norma de eficácia contida, mas sim limitada. Como ressalta José Afonso da Silva, “normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida, são todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado”, ao passo que as normas de eficácia contida “o apelo ao legislador ordinário visa a restringir-lhes a plenitude da eficácia6. Assim também se manifestou majoritariamente a doutrina, conforme, por todos,

Gustavo Filipe Barbosa Garcia7.

Apontando para a mesma direção seguiu também ampla jurisprudência8, a exemplo do que consta da OJ n. 84 da SBDI-1 do TST, cujo teor vai transcrito: “Aviso-prévio proporcional. A proporcionalidade do aviso-prévio, com base no tempo de serviço, depende da legislação regulamentadora, posto que o art. 7º, inciso XXI, da CF/1988 não é autoaplicável9

– hoje cancelada pela Resolução n. 186/2012 (DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012).

Há ainda um importante aspecto a ser ponderado nessa tese.

A se admitir que se busque no Poder Judiciário a complementação de aviso-prévio para contratos já extintos quando do advento da Lei n. 12.506/2011 – desde que, claro, o lapso prescricional bienal seja observado –, o fator insegurança jurídica se erige a um patamar perigosíssimo, na medida em que um tal reconhecimento pode vir a suscitar discussões que vão para bem além do mero aspecto pecuniário.

É que reconhecer a existência do direito a pro-

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porcionalidades, nessa específica hipótese de pactos laborais encerrados antes mesmo do novo regramento do aviso-prévio, pode exercer também uma indigesta força atrativa no tocante a toda uma gama de discussões outras envolvendo direitos diversos, como, por exemplo, no caso de empregada que com-prove ter ficado grávida no preciso período judicial-mente reconhecido a título de proporcionalidade de aviso-prévio10. E cremos que essa instabilidade não seria sadia para o sistema, bem como para quem quer que seja, tampouco para a própria Constituição Federal, que expressamente protege de possíveis investidas legislativas os atos jurídicos perfeitos (CF, art. 5º, xxxVI), assim considerados os já consumados segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou (Lei de Introdução, art. 6º, § 1º).

Já a terceira corrente assevera que a proporcionalidade do aviso-prévio, na forma como fixada pela Lei n. 12.506/2011, não gera efeitos retroativos, porém incide seus termos sobre aquele aviso-prévio que já estava em curso quando da publicação dessa novel legislação. Essa é a linha defendida por Mauricio Godinho Delgado. Confira-se sua exposição sobre esse particular da questão:

“No tocante à proporcionalidade (...), ela tem, naturalmente, efeito estritamente imediato, a contar de 13 de outubro de...

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