O racismo no caso brasileiro e as raizes da superexploracao do proletariado negro/Racism in the Brazilian case and the roots of the overexploitation of the black proletariat.

AutorFagundes, Gustavo Gonçalves

Introdução

O trato central da presente reflexão se desdobra na tentativa de retomar a construção do percurso histórico que permite compreender a situação da população negra no Brasil contemporâneo. Para tanto, é usado como referência o período que compreende a transição de uma sociedade baseada no trabalho escravo para uma sociedade estruturada no trabalho assalariado. Essa opção teórica diz respeito a uma forma metodológica de analisar aqueles acontecimentos como fundamentais para a organização do país como conhecemos nos dias de hoje. Ou seja, se os negros brasileiros possuem condições inferiorizadas de vida e trabalho em relação ao equivalente branco, isso se explica a partir da consolidação e transição para o modo de produção capitalista.

Em um primeiro momento, o artigo privilegia a captação dos fatores fundamentais para a transformação do antigo trabalhador escravizado em um indivíduo entregue a uma situação de desemprego no Pós-Abolição, com pouca ou nenhuma efetiva progressão na sua circunstância de vida e trabalho. A estrutura societária edificada na transformação do regime de trabalho --do trabalho compulsório para o assalariado--foi determinada por fatores econômicos, ideológicos, políticos e culturais. Posteriormente, estas determinações foram sofisticadas no bojo da elaboração e difusão da ideologia da democracia racial como forma de conceber uma pior forma de vida e trabalho ao trabalhador negro.

A investigação da quadra histórica em que se localiza esse conjunto de acontecimento será feita com ênfase na obra de Clóvis Moura (1988; 1994), principalmente a partir da sua elaboração sobre o escravismo tardio, enquadramento temporal no qual se estabelece o fim do regime de trabalho escravo no país. Além disso, será utilizada uma abordagem a partir da obra de Florestan Fernandes (2008) sobre a situação da população negra nas décadas posteriores à Abolição, no que tange à inserção no mercado de trabalho.

Esse processo é o lançamento das bases históricas da super-exploração do conjunto da classe trabalhadora brasileira, para a qual o racismo contribuiu como elemento legitimador a partir da imposição do negro à localização compulsória no exército industrial de reserva, que será tratada na segunda parte da presente reflexão. As elaborações de Ruy Mauro Marini (2017), Theotonio dos Santos (1971) e Mathias Seibel Luce (2013; 2018) sobre a instituição do regime de superexploração do trabalho, em conjunto aos estabelecimentos contidos na lei geral da acumulação capitalista e na lei do valor, serão abordados nesse percurso teórico. A partir da combinação desses elementos e categorias enquanto características gerais do capitalismo, com as particularidades de um país de capitalismo dependente como o Brasil, percebe-se o desenvolvimento de condições necessárias para a super-exploração do trabalhador brasileiro e consequente agravamento das condições vivenciadas no cotidiano da população negra. Portanto, é essencial a busca por compreender as conexões envolvidas no período de transição com a constituição de um exército industrial de reserva protagonizado por negros e negras.

Com o aporte do método dialético, o presente artigo se caracteriza pela busca do diálogo entre os autores supracitados com o objetivo de contribuir para desmistificação da narrativa desenvolvida sobre a real divisão social e racial do trabalho no Brasil. Além disso, tem também a necessidade de incorporar a categoria superexploração no âmbito do debate sobre a questão racial.

Do trabalho escravo ao exército industrial de reserva

A partir do que foi a Escravidão no século XIX e as transformações impostas por ela na sociedade brasileira, a que serviu de maior impacto foi a aceleração do processo de transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado. A desagregação da escravidão no Brasil se desenvolveu a partir de princípios ordenados neste período. Um processo que ocorreu com arranjo de orientações diversas, sendo a costura de todo um arcabouço jurídico-político e a efervescência das ideologias de base racista a mais elementar pela ótica dos setores detentores da dominação política e econômica, bem como pela das revoltas abolicionistas protagonizadas pelos sujeitos escravizados no campo e nas cidades pela perspectiva da população oprimida. Logo, é com esse caldo histórico que se constitui a estrutura fundamental da localização do trabalhador negro como parte fundante do exército industrial de reserva no Brasil.

Ou seja, as décadas responsáveis pelo definhamento da Escravidão (1850-1888) são também aquelas que tentam dar uma explicação biológica às degradantes condições de vida e trabalho do negro. Em conjunto a isso, ganha notoriedade o trabalhador branco (nacional e principalmente imigrante) pela adoção do regime assalariado. A complexificação da sociedade brasileira no que tange ao racismo e também às relações de trabalho penetra no ideário da classe trabalhadora.

As ações da elite econômica e política brasileira têm o objetivo de transformar as relações de trabalho no país e preservar a situação da população negra. Ainda que com dependência frente ao capital inglês e com a vigência do regime monárquico, os barões do café conseguiram angariar relativa autonomia no âmbito do poder político. Portanto, foram parte da elaboração de um conjunto de legislações com intuito de reorganizar de forma social e econômica o país. Dos fatores que influenciaram diretamente as condições de vida e trabalho do negro escravizado, é perceptível notar e abordar com clareza a Tarifa Alves Branco (1844), a Lei da Terra (1850), a Lei Eusébio de Queiroz (1850), a Guerra do Paraguai (1865-1870) e a política imigracionista (nas três últimas décadas do século XIX).

No bojo desse período transitório é que se encontra o pensamento de Clóvis Moura (1994) a respeito do escravismo tardio (1850-1888). As mudanças externas e internas na configuração do capital internacional se desdobram em uma nova perspectiva em relação ao processo de exploração da força de trabalho. Seja na dimensão econômica, seja na social, ocorre um conjunto de intervenções para uma chamada modernização do Estado brasileiro a fim de atender aos padrões filosóficos e políticos internacionais. Tal processo modernizador se intensifica nos anos correspondentes ao escravismo tardio e se caracteriza como uma modernização conservadora: com o mesmo passo que avança no sentido da racionalidade e modernidade advinda dos padrões europeus, reproduz a opressão racial nas mais distintas esferas da vida social.

A parcela negra da população atravessou o período transitório sem efetiva evolução e progresso nas suas condições de vida e trabalho. Pelo contrário, é a partir das determinações econômicas e sociais construídas nesse lapso temporal, junto às ativações de elementos ideológicos racistas no seio da sociedade, que se baseia a vida do proletariado negro em toda contemporaneidade. Assim, nesse período surge com grandiosa efervescência na intelectualidade brasileira as ideias vinculadas a uma hierarquização racial, pensamento já bastante difundido no Continente Europeu, onde o negro e o mestiço seriam os tipos inferiores.

No primeiro volume de A integração do negro...

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