A reforma trabalhista no brasil a partir de uma perspectiva comparada das reformas na união europeia

AutorSidnei Machado
Páginas15-20

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1. Introdução

É lugar comum assinalar que as reformas no Direito do Trabalho estão associadas a fatores distintos que movem questões centrais da economia e da sociedade e são oriundas da organização do capital e das formas de exploração do trabalho, num contexto de financeirização da economia no ambiente da globalização neoliberal.

As reformas no Direito do Trabalho europeu se apresentam como mutações que se localizam no panorama amplo de “reformas” do Estado Social que estão na ordem do dia desde os anos 1980, movimento que se dá em várias ondas. A última vaga reformista tem como referência a crise de 2008 e é verificada nos países da Europa central, assim como na América do Norte e na América Latina.

Com suas motivações de enfrentamento do desemprego, modernizar as leis do trabalho ou, ainda, de medidas para enfrentar as crises, as tendências de reformas guardam grandes similaridades entre os diversos países; porém, no plano mais teórico das ideias sobre o Direito do Trabalho há muitas bifurcações e as instituições do trabalho de cada país são distintas em trajetórias e reações.

As últimas reformas do Direito do Trabalho no cenário europeu ocorrem dentro da perspectiva de reformas em tempos de crise econômica, com a adoção de medidas de forte flexibilidade e desregulação de direitos, com rupturas centrais da regulação do trabalho. Há similaridades também nos programas adotados do ponto de vista de seus conteúdos, mas em todos os países se caracterizam por uma forte onda de desregulação orientada por uma política econômica ultraliberal.

O contexto geral de democratização da sociedade brasileira, dimensionado pelo componente global e transnacional de mudanças na perspectiva de um sistema ou ordenamento de direito do trabalho, é fundamental para compreender as tendências reformistas nos últimos anos no panorama europeu a partir de crise de 2008. A análise comparada dessas reformas pode aportar os elementos teóricos mais críticos para pensar o movimento da reforma trabalhista no Brasil e refletir sobre os impactos do novo paradigma normativo.

A reforma brasileira de 2017, concretizada com a aprovação da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, tem naturalmente singularidades pela conjuntura política e institucional em que foi gestada, oriunda da pauta das forças políticas e de um governo que chegou ao poder com o então vice-presidente da República Michel Temer, via um contestado processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Todavia, a reforma brasileira não está dissociada desse movimento mais amplo de tendência reformista no Direito do Trabalho. Desse modo o sentido da reforma trabalhista brasileira de 2017 pode ser compreendido também pelo panorama das ideias de reforma do Direito do Trabalho e pelas experiências de reformas institucionais comparadas mais recentes de países da Europa central.

2. A crise do modelo social europeu

A primeira questão crucial desse debate é explicitar o significado desse reformismo do Direito do Trabalho ou do mercado de trabalho na perspectiva europeia de ideia de crise de seu modelo social.

Do ponto de vista realista do Direito do Trabalho, observamos que a prática das empresas que se instituem, se instalam e pouco a pouco institucionalizadas, de sorte que vão encorajando os Estados a promoverem o trabalho precário, os contratos atípicos em forma de prazo determinado, parcial, independentes ou mais ou menos independentes, a terceirização, o trabalho intermitente, dentre múltiplas formas que se criam fora do contrato padrão.

Por outro lado, as dificuldades das empresas em criar empregos são em geral tributadas a um Direito do Trabalho supostamente complexo, e excessivamente protetor. Assim, os defensores das reformas elegem como inimigo

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comum a lei trabalhista como primeiro responsável pelo desemprego, ou seja, o Estado e seu intervencionismo nas relações de trabalho.

Dessa prática e dessa racionalidade se construiu as palavras de ordem de “modernização das relações de trabalho”, “reformas estruturais”, “redução do custo do trabalho” e “luta contra a rigidez do mercado de trabalho”.

Portanto, para esses reformistas, reformar o Direito do Trabalho significa simplifica-lo, flexibilizá-lo, desregula-lo, já que não está presente na ideia da reforma enfrentar a complexidade das transformações do trabalho no mundo contemporâneo.

Desse ponto de vista, a reforma, mais do que uma tendência, é uma estratégia de desregulação e de desjuridicização do Direito do Trabalho com a ampliação e extensão do espaço da contratualização e individualização da relação de trabalho, tendência que se harmoniza com um Direito do Trabalho ajustado aos imperativos da competitividade da empresa e do livre mercado institucional do Direito do Trabalho. Esse é basicamente o panorama de base da reforma nos países da União Europeia.

O Direito do Trabalho como instituição é produto do século XX, um direito que nasce na Europa, um modelo tipicamente eurocêntrico. O desenvolvimento econômico e o aumento da proteção social edificaram o modelo social europeu, que se deu entre 1945 a 1975, promovendo o valor social do trabalho como centro da cidadania e de dignidade humana no modo de produção capitalista, mediado pelo Estado Social e pela representação sindical.4

Esse modelo de Direito do Trabalho na Europa nasce da derrota dos regimes autoritários e se impõe como resultante de um compromisso com a ideia de um capitalismo de versão democrática.

A mudança substantiva ocorre nos anos de 1980, com a chegada ao poder de Margaret Thatcher no Reino Unido e de Ronald Reagan nos EUA, pois marcam uma profunda mudança no compromisso fordista keynesiano, provocando uma reorientação massiva do sistema financeiro e monetário, nacional e internacional, pois a financeirização substitui a economia real. A segunda etapa desse processo é a relação de trabalho por meio das firmas, uma vez que o poder do sistema financeiro se instalou nas empresas numa situação estrutural de dependência para alinhar a administração aos interesses financeiros dos acionistas. A ruptura com a aliança que se havia construído no compromisso fordista provocou duas grandes mudanças na gestão do trabalho assalariado nas empresas: a flexibilidade e a precariedade.

A flexibilidade se deu sob a forma de individualização da remuneração e um alívio na pressão contra a despedida. A precarização se dá via o aparecimento de múltiplas formas de emprego, que criam um segmento autônomo no mercado de trabalho. Do mesmo modo que o administrador é um agente do acionista, o trabalhador é um agente do administrador. Ao lado da financeirização, o conteúdo concreto do trabalho se diversificou. Ao lado da dimensão de capacidade de produção, se adicionou a capacidade de obediência e de aprendizagem.

A era Thatcher e Reagan, depois do evento da queda do muro de Berlin, abriu caminho para a emergência de políticas neoliberais, embora nos anos de 1980 e 1990 tenha se tentado conciliar crescimento econômico com direitos sociais. O momento de viragem na União Europeia é simbolizado com o aparecimento do Livro Verde sobre a Modernização do Direito do Trabalho (2006), publicado pela Comissão Europeia, uma carta de intenções quase normativas sobre a cidadania na Europa. É o Livro Verde que lança o pecado original de que o Direito do Trabalho deve atender as políticas de emprego e, na sequência, abriu espaço para a promoção da ideia de flexiseguridade, também objeto de um...

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