Regulacao ineficaz para forcar alongamento: O caso da Previdencia Complementar Aberta no Brasil/(Ineffective regulation to force lengthening: The case of the Brazilian Pension Plans).

AutorCarpizo, Luiz Guilherme
  1. Introducao

    A economia brasileira atravessa um periodo de mudanca substancial no que se refere ao nivel da taxa de juros basica. A partir de meados de 2003, o que se observou foi uma evidente tendencia de queda da taxa de juros nominal, que atingiu seu menor valor na serie historica do Banco Central em marco de 2018, assim como da taxa de juros real. A figura 1 expoe a serie desde junho de 1996.

    Tal reducao, em tese, deveria contribuir para que as entidades de previdencia reduzissem a concentracao de seus aportes financeiros em titulos publicos indexados a taxa basica de juros, diversificando seus portfolios com titulos do mercado de credito privado e ativos de renda variavel e alongando seus investimentos em titulos publicos prefixados e indexados ao IPCA, de forma a incorporar mais risco em suas carteiras.

    No entanto, e claro que outras variaveis sao relevantes no processo de alocacao de portfolio, especialmente aquelas que influenciam o risco sistemico da economia. Seus efeitos podem mitigar ou ate mesmo neutralizar qualquer impacto positivo que advenha da queda do juros.

    A figura 2 apresenta series temporais do IPCA acumulado em 12 meses, medido no eixo a esquerda, e do CDS Brasil. Nesse periodo, a trajetoria do IPCA demonstrou que, uma vez superada a hiperinflacao, o pais conseguiu estabilizar sua taxa de inflacao a niveis aceitaveis, mas ainda com alguns momentos de fortes choques adversos e alta volatilidade, como o "Efeito Lula" em 2002 e em meados do segundo mandato de Dilma Rousseff. O CDS Brasil, por sua vez, apresentou comportamento volatil com notorios choques adversos, evidenciando o ainda elevado grau de risco presente na economia brasileira.

    No mercado de titulos federais, o processo de desindexacao e alongamento aparentam seguir conforme o esperado, com queda consideravel do estoque da divida indexado a taxa Selic e com o aumento do prazo medio da divida de 2,28 anos em dezembro de 2005 para 4,09 anos em abril de 2019(1).

    Contudo, considerando somente as entidades de previdencia, o comportamento observado tem sido diferente. Desde 2011, a alocacao em titulos publicos federais ficou consideravelmente mais concentrada em titulos indexados a taxa de juros basica, como mostra a figura 3(2).

    Analisando a carteira das quatro maiores instituicoes de previdencia complementar aberta no Brasil (Brasil-Prev Seguros e Previdencia S/A, Bradesco Vida e Previdencia S.A, Itau Vida e Previdencia S.A. e Caixa Vida e Previdencia S.A), que detem cerca de 86% do patrimonio total do setor quando consideradas conjuntamente, vemos que parte desse processo e fruto da alocacao de portfolio das entidades abertas de previdencia complementar (EAPCs), que nesse mesmo periodo indexaram mais as suas carteiras. Alem disso, houve consideravel reducao da exposicao ao mercado de credito privado.

    O aumento substancial da participacao conjunta das Letras Financeiras do Tesouro e das Operacoes Compromissadas, que sao remuneradas a taxa Selic, com o aumento da taxa de juros iniciado no final de 2013 revelam uma alta sensibilidade da carteira de investimentos a fatores de curto prazo. Vale ressaltar a persistencia de efeitos de choques na taxa de juros na composicao de portfolio desses fundos, dado que, mesmo com a consideravel queda da Selic, o aumento na participacao das LFTs e Operacoes Compromissadas persiste, compondo cerca de 30% do patrimonio total das instituicoes, contra uma alocacao media de 13,42% no periodo pre alta da Selic. Esse aumento da indexacao da carteira reduziu o espaco para ativos mais arriscados e de maior duracao.

    Outro aspecto importante diz respeito a legislacao brasileira em relacao a Fundos de Investimentos Especialmente Constituidos geridos por Entidades Abertas de Previdencia Complementar. Mais especificamente, a Resolucao CMN no 4.444, de Novembro de 2015, instituiu o Prazo Medio de Repactuacao Minimo (PRC) para os FIE das EAPCs, que foi criado com o intuito de estimular a demanda por titulos de maiores prazos e desindexar o mercado de titulos ligados a Selic, atraves de uma metodologia de calculo que atribuia o prazo de um dia a titulos indexados a taxa Selic ou ao CDI.

    No entanto, essa medida foi responsavel por um redirecionamento do patrimonio da previdencia complementar aberta em direcao a titulos prefixados "casados" (titulos prefixados conjugados com derivativos), uma vez que o calculo do PRC desconsiderava a exposicao a derivativos. Dessa forma, as EAPCs utilizaram esses titulos "casados" para cumprir com o nivel exigido do PRC, dado que o prazo considerado para o calculo era o prazo do titulo prefixado, ao mesmo tempo em que nao estavam sujeitas ao risco de variacao da taxa de juros, haja vista que utilizavam derivativos de DI como hedge para neutralizar esse risco.

    Assim, foi possibilitado as instituicoes montarem seus portfolios de forma a aparentarem estar expostas aos riscos de titulos prefixados de longo prazo como consequencia da busca de maiores retornos, mas que na verdade estavam priorizando a baixa volatilidade de seus investimentos. Ou seja, um alongamento dos investimentos meramente artificial. Portanto, ainda que observemos participacao relevante de titulos prefixados de longo prazo na carteira das instituicoes de previdencia complementar, e provavel que isso nao corresponda a uma gestao de recursos voltada para um retorno maior de longo prazo, e sim para um retorno atrelado a taxa de juros basica. De fato, tanto a decisao do Conselho Monetario Nacional (CMN) de extinguir gradualmente o PRC, quanto resultados encontrados em Campani & Brito (2018), que encontram indicios de passividade nas carteiras dos principais fundos das maiores entidades de previdencia complementar do Brasil, apontam para uma gestao pouco ativa.

    A titulo de comparacao, a experiencia brasileira parece conflitar com o cenario norte-americano, onde as politicas de reducao da taxa de juros junto com politicas monetarias nao convencionais foram responsaveis pela alteracao do portfolio dos pension funds, que passaram a investir mais em ativos mais arriscados, especialmente em ativos de renda variavel (Chodorow-Reich, 2014; Boubaker, Gounopoulos, Nguyen & Paltalidis, 2017), que por sua vez sao uma parcela infima do portfolio das EAPCs, como podemos ver na figura 4. Os dados de alocacao dos pension funds disponibilizados pela CEM Benchmarking e expostos na figura 5 evidenciam a diferenca na alocacao de portfolio.

    Tendo em vista os fatos apresentados, a questao que se coloca e: dado o cenario macroeconomico favoravel de reducao de juros e inflacao relativamente estabilizada, por que as Entidades Abertas de Previdencia Complementar nao aproveitaram para tomar mais risco em suas carteiras atraves da desindexacao em relacao a taxa de juros basica, do alongamento dos investimentos em titulos publicos e de uma maior participacao do credito privado? Em outras palavras, por que fatores de curto prazo aparentam ser o foco da gestao de recursos dessas entidades? E como isso foi determinante para o fracasso da medida regulatoria da CMN?

  2. Motivacao

    A lenta queda da taxa de juros observada no Brasil nas ultimas decadas representa uma primeira oportunidade de nos perguntarmos como irao responder as Entidades Abertas de Previdencia Complementar no que tange a composicao de suas carteiras. Essas se aproveitavam de um historico de altas taxas de juros no pais, junto com um carater anticiclico do juros, para manter grande parte de seus recursos alocados em instrumentos indexados a Selic. Dessa forma, eram capazes de garantir uma rentabilidade aceitavel e seguros contra recessoes economicas.

    Entender a sensibilidade dos diferentes componentes da carteira de investimento desse setor ao principal instrumento de politica monetaria do pais e crucial para avaliar a eficiencia da gestao de longo prazo realizada pelas instituicoes e os impactos de um possivel cenario de taxas de juros persistentemente baixas em relacao ao nivel historico, o que afetara negativamente o retorno dos investimentos dessas entidades e exigira a maior tomada de risco.

    Alem disso, as Entidades Abertas de Previdencia Complementar, que sao responsaveis por um ativo total de 873,1 bilhoes de reais(3), desempenham papel relevante enquanto investidoras no mercado de titulos publicos federais. O segmento da Previdencia, incluindo tanto o regime aberto quanto o fechado, vem crescendo em participacao na detencao da divida publica mobiliaria federal interna. A figura 6 mostra que, em junho de 2019, a Previdencia Complementar detinha 23,9% da divida publica mobiliaria.(4)

    Nesse cenario, e importante entender em que medida essas entidades efetivamente contribuem para um maior alongamento e desindexacao da divida publica federal, especialmente quando regulacoes especificas, como a instituicao do Prazo Medio de Repactuacao Minimo (PRC), tentam gerar incentivos para tal. Por serem entidades que tem um passivo mais alongado, espera-se justamente que estejam mais propensas a tomada de risco de longo prazo e menos focadas em retornos e ativos de curto prazo. Tal contribuicao se faz especialmente atraente no atual cenario de queda gradual de juros com inflacao controlada.

    Por fim, o estudo procura contribuir para uma literatura ainda escassa sobre efeitos de fatores exogenos, como variaveis macroeconomicas, sobre o comportamento de aspectos relevantes da industria de Previdencia Complementar. Destacam-se os mais relevantes como Chodorow-Reich (2014) e Boubaker et al. (2017), que procuraram avaliar a composicao de portfolio e tomada de risco de pension funds nos Estados Unidos em um cenario de juros persistentemente baixos.

  3. Literatura Relacionada

    3.1 Pension Funds e sensibilidade a politica monetaria

    Boubaker et al. (2017) foram responsaveis por avaliar os impactos da politica monetaria americana de taxas de juros consistentemente baixas e proximas de zero e de praticas nao convencionais sobre a alocacao de portfolio e tomada de risco por parte dos fundos publicos...

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