A regulação infranacional e o novo marco regulatório

AutorCarlos Roberto de Oliveira
Ocupação do AutorDoutor (2020) e Mestre (2012) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo ? USP. Pós-Doutorando (2021-2022) UNESP-Franca. Pesquisador-Doutor da Escola Nacional de Administração Pública ? ENAP. Secretário-Executivo da Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos, Institucionais, Governança e Controle Social da Associação Brasileira de Ag...
Páginas73-88
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A REGulAÇÃO INFRANACIONAl
E O NOVO MARCO REGulATÓRIO
Carlos Roberto de Oliveira
Doutor (2020) e Mestre (2012) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
– USP. Pós-Doutorando (2021-2022) UNESP-Franca. Pesquisador-Doutor da Escola
Nacional de Administração Pública – ENAP. Secretário-Executivo da Câmara Técnica
de Assuntos Jurídicos, Institucionais, Governança e Controle Social da Associação
Brasileira de Agências de Regulação – CTJI-GCS ABAR. Diretor da Agência Reguladora
de Saneamento ARES-PCJ (SP).
Sumário: 1. Introdução. 2. Novo marco regulatório do saneamento e as inovações para a
regulação. 3. Universalização da regulação. 4. Agência Nacional de Águas e Saneamento
Básico – ANA e as normas de referência: o necessário caminho do diálogo. 5. Desaos das
normas de referência: participação social, ritmo e aprofundamento. 6. O que muda para os
reguladores infranacionais com as novas competências delegadas à ANA. 7. Considerações
nais. 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O denominado “novo marco regulatório do saneamento básico” introduz novo pa-
norama normativo para o saneamento no Brasil, com signif‌icativas alterações na lei que
estabeleceu as Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico – Lei federal 11.445/2007.
A pauta foi gestada diante de intensos debates nos últimos anos, tanto que a pro-
posta fracassou em duas outras oportunidades: nas Medidas Provisórias 844, de 06 de
julho de 2018 e 868, de 27 de dezembro de 2018, que perderam vigência por falta de
consenso e aprovação.
Após muitas negociações, o texto do Projeto de Lei 4.162/2019 foi aprovado, com
a decorrente sanção, numerado como Lei federal 14.026/2020.
As inovações trazidas com a citada lei podem ser divididas em três grandes blocos de
conteúdo normativo, entendidos como: i) Novas atribuições relativas a recursos hídricos
para a Agência Nacional de Águas (que passa a ser nominada como Agência Nacional
de Águas e Saneamento Básico); ii) Delegação de competências para edição de normas
de referência relativas à regulação do saneamento básico à Agência Nacional de Águas
e Saneamento Básico; e iii) Regramentos referentes à contratualização da prestação de
serviços de saneamento básico.
Como pode se ver, a lei se arvora sobre amplíssimo conteúdo e ataca vários temas,
razão pela qual remeteu o detalhamento de parte de seu conteúdo para três Decretos:
i) Que cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico, colegiado instituído pelo
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art. 53-A da Lei 11.445/2007 (já regulamentado pelo Decreto federal 10.430, de 20 de
julho de 2020); ii) Que def‌ine a metodologia para comprovação da capacidade econô-
mico-f‌inanceira da empresa contratada para prestação de serviços de saneamento, no
prazo de 90 (noventa) dias, conforme art. 10-B, Parágrafo Único; e iii) Que estabelece,
de forma subsidiária aos Estados, blocos de referência para a prestação regionalizada
dos serviços públicos de saneamento básico, caso as unidades regionais de saneamen-
to básico não sejam estabelecidas pelo Estado no prazo de 1 (um) ano da publicação
desta Lei (art. 15).
No tocante à função regulatória e ao relacionamento com as agências reguladoras
infranacionais de saneamento básico1, vários são os impactos, notadamente diante
da edição de normas de referência que, em sua essência, passam a mitigar o amplo
poder normativo que era conferido às agências reguladoras pelo art. 23 da Lei federal
O presente artigo pretende aprofundar o debate nesse ponto específ‌ico, que foi
bastante envolto em polêmicas durante a tramitação do Projeto de Lei e ainda gera in-
certezas e dúvidas.
O fundamento defendido na norma é a uniformização de regras no âmbito nacional,
o que traria – no entender do Governo Federal – maior previsibilidade, segurança jurídica
e estabilidade regulatória para a contratualização no setor de saneamento básico do Brasil.
2. NOVO MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO E AS INOVAÇÕES PARA A
REGULAÇÃO
Diante de todos os argumentos lançados nos debates que antecederam a aprovação
do Projeto de Lei, pareceu-nos que a ideia de uniformização e padronização de regras
por normas de referência não é ruim. A forma de atuação dos reguladores – até então
delineada pela lei – trazia assimetrias de atuações e desnivelamento de entendimentos, o
que sempre deu margem à alegação de desincentivo aos novos negócios, já que práticas
setoriais idênticas podiam ter regras diversas por força da liberdade de normatização
do regulador local.
Inobstante essa verídica constatação, percebemos um equivocado discurso que
credita à regulação grande parte dos problemas setoriais, ocultando que a verdadeira
falha reside na ausência de contratos, falta de metas e recursos f‌inanceiros para a uni-
versalização e incentivos para uma regulação forte.
1. A nomenclatura infranacional tem sido adotada para designar as agências reguladoras que não foram criadas pela
União. São as agências reguladoras de saneamento básico, que podem ser constituídas no âmbito do município
(agências municipais), por união de municípios formando consórcios públicos (agências intermunicipais) ou no
âmbito do Estado da Federação (agências estaduais). Essa particularidade na modelagem da agência decorre da
titularidade municipal dos serviços públicos de saneamento básico e teve tratamento disciplinado pelo art. 31 do
Decreto federal 7.217/2010. A tese da titularidade municipal dos serviços de saneamento básico resulta de inter-
pretação do art. 30, inc. V, da Constituição Federal, segundo o qual: “Compete aos Municípios: [...] V – organizar
e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído
o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; [...]”.
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