Renewal of Social Work Process in Uruguay/O processo de renovacao do Servico Social no Uruguai.

AutorAcosta, Luis

Introducao

No Uruguai, assim como nos paises da America Latina, no final dos anos cinquenta, comecava uma crise provocada pelo esgotamento do processo de industrializacao por substituicao de importacoes, logo depois de finalizada a II Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a Guerra da Coreia (1950-1953). Esta crise agudizava os problemas do particular desenvolvimento do capitalismo no nosso continente. Tratava-se dos problemas criados pelo caminho oligarquico-dependente, na expressao do Cueva (1987), que caracteriza o predominio dos processos "pelo alto", no quadro da insercao internacional subalterna na epoca do capitalismo dos monopolios.

Esta situacao latino-americana, com evidentes particularidades nacionais, teve uma inflexao fundamental com o triunfo da revolucao cubana em 1959 e seu posterior curso socialista. Cuba levantava a possibilidade de um caminho democratico-popular, "jacobino", pode-se dizer, em contraposicao ao caminho reacionario, oligarquico-dependente da tradicao latinoamericana. A revolucao cubana, num cenario internacional pautado pela Guerra Fria (1947-1989), teve um impacto fundamental nos processos sociopoliticos dos anos sessenta.

No caso dos assistentes sociais enquanto trabalhadores, e do Servico Social como instituicao, esta situacao latino-americana deu lugar a um processo de renovacao e de reconceituacao, atraves de um complexo de mediacoes institucionais, politicas, culturais, que tem sido objeto de multiplas analises.

O movimento de renovacao do Servico Social teve inicio por volta de 1965, com a realizacao do I Seminario Regional Latino-Americano de Servico Social, em Porto Alegre. No ano de 1965 foi criada tambem a Associacao Latino-Americana de Escolas de Servico Social (ALAESS (1)), que depois (a partir de 1974), atraves do Centro Latino-Americano de Trabalho Social (CELATS), realizou uma significativa contribuicao ao desenvolvimento do Servico Social, especialmente durante o periodo ditatorial nos paises do Cone Sul. No ano de 1970, uma fratura entre o grupo ECRO (editora argentina dirigida por Juan Barreix) e o grupo de assistentes sociais, que logo depois se reuniriam no CELATS, constituiu-se num divisor de aguas entre o momento da renovacao profissional e a reconceituacao. (FALEIROS, 1987).

Entendemos que o processo de reconceituacao do Servico Social, nas suas formas mais radicalizadas, caracterizou-se pela pretensao de refundar a profissao. Isto e, na categoria profissional colocava-se a proposta de mudar as bases de sustentacao socio-ocupacional (ou seja, o lugar na divisao sociotecnica do trabalho), assim como tambem os supostos teoricos e meta-teoricos nos quais se fundamentava o Servico Social ate esse momento (que entao passava a ser chamado de "tradicional"). Esta pretensao de refundar, sobre novas bases, o Servico Social, expressou-se ate na mudanca do nome do Servico Social, que passou a ser chamado de "Trabalho Social".

O movimento da reconceituacao nao finalizou por esgotamento da sua capacidade critica. Sua crise foi uma expressao da "crise do projeto revolucionario latino-americano" (NETTO, 1975, p. 73). Ele foi interrompido violentamente pela emergencia das ditaduras militares dos anos setenta nos paises onde o processo de mobilizacao politico-social estava mais avancado (Chile, Argentina, Uruguai), fazendo parte de uma estrategia contrarrevolucionaria mais ampla promovida pelos EUA. O caso do Brasil e muito diferenciado, em razao de a ditadura ter comecado precocemente (em meados dos anos sessenta), tendo se constituido em um ensaio da solucao "contrarrevolucionaria preventiva", por parte do imperialismo dos EUA, para enfrentar o processo de crescente mobilizacao social. (NETTO, 2001).

O Servico Social no Uruguai, diferentemente do caso do Brasil, iniciou seu desenvolvimento vinculado de forma subordinada a instituicao medica (ao movimento higienista) e, em menor medida, ao movimento catolico (ACOSTA, 1998). Isto significou que seu desenvolvimento foi marcado fundamentalmente pelo reformismo social de origem burgues positivista antes que pelo conservadorismo restaurador do movimento catolico.

Com efeito, a primeira experiencia de formacao de profissionais aconteceu no interior da Faculdade de Medicina, no ano de 1927. Em 1936, a formacao de assistentes sociais (que naquela epoca eram denominadas "visitadoras sociais") passou para a Escola de Sanidade Publica e Servico Social, que funcionava como uma reparticao do recentemente criado Ministerio da Saude Publica (2).

No ano seguinte foi criada a Escola de Servico Social do Uruguai, de origem catolica, que teve uma participacao bastante marginal no processo de formacao de profissionais do Servico Social. No seu primeiro curriculo esta Escola trabalhava com uma concepcao do Servico Social como "forma moderna de apostolado". Assim: "El Servicio Social es, en suma, una forma moderna de apostolado. Y yo diria mas: es una forma moderna, actual, de cumplir el mandamiento supremo de la caridad". (CHIARINO apud GERPE DE BELLINI et al., 1980, p. 48).

Com este curriculo, formaram-se 87 profissionais do Servico Social entre os anos de 1937 e 1952, sendo que e necessario lembrar que no curso de visitadoras sociais da Faculdade de Medicina tinham-se formado, entre os anos de 1927 e 1934, 161 visitadoras sociais. Este curriculo foi modificado de forma parcial no ano de 1953, mudando basicamente a denominacao de Visitadora Social para Assistente Social.

O curriculo voltou a ser modificado em 1966, contando para isto com a assessoria da Escola de Servico Social de Sao Paulo, procurando uma maior sintonia com o processo de renovacao profissional que se desenvolvia na America Latina. Voltou, ainda, a ser modificado no ano de 1970, ja na ditadura, impulsionando um perfil profissional "educativo", "conscientizador" e "assistencial", que privilegia a intervencao em nivel de caso e de grupo, com uma enfase importante na "vivencia" do profissional.

Nos anos cinquenta do seculo passado, o campo de intervencao profissional tinha se ampliado como resultado das transformacoes do Estado, que assumiu novas funcoes como promotor do desenvolvimento. Ampliouse tambem como resultado da nova insercao nas relacoes internacionais de pos-guerra, que levou a reforcar a hegemonia dos EUA no continente sul-americano.

Estas mudancas colocavam a necessidade da modernizacao tecnica no interior do horizonte do reformismo social (ou do progressismo). Surge assim, nessa decada, como resultado da cooperacao com a ONU (em que tiveram um papel destacado as assistentes sociais chilenas Valentina Maidagan de Ugarte e Rebeca Bustos Julien), outra escola de Servico Social em 1954, de orientacao desenvolvimentista, que primeiro esteve alocada no Ministerio da Saude Publica e logo, em 1960, passou para o Ministerio de Instrucao Publica e da Previdencia Social.

No mesmo ano de 1954, tiveram inicio na Universidade de Republica os estudos para a criacao de uma escola que se concretizou tres anos mais tarde. As duas escolas publicas coexistiram durante uma decada, ate que a escola do "Ministerio", como ficou conhecida, passou a depender do Ministerio de Trabalho e Seguridade Social, na forma de Instituto de Servico Social, perdendo suas funcoes docentes (os professores e alunos passam para a escola universitaria e os diplomas expedidos por essa escola sao reconhecidos pela Universidade). (ORTEGA, 2003).

O II Seminario Regional Latino-americano de Servico Social: Servico Social, evolucao e revolucao

No ano de 1966 foi realizado, em Montevideu, o II Seminario Regional Latino Americano de Servico Social (3), cujo o tema principal era "Servico Social: evolucao e revolucao".

O Seminario foi organizado em torno de tres eixos: a) Problemas metodologicos do Servico Social, b) Servico Social: evolucao e revolucao, e c) Politica do Servico Social no desenvolvimento. (DUPONT, 1983). Em relacao ao segundo ponto (Servico social: evolucao e revolucao), apre sentaram-se tres conferencias principais, uma delas a cargo de Herman Kruse sobre O Servico Social nos paises capitalistas; outra, a cargo de Raquel Cortinas, sobre O Servico Social nos paises socialistas, e a terceira ficou a cargo de Enrique Iglesias sobre O Servico Social nos paises subdesenvolvidos.

Interessa-nos particularmente a contribuicao de Enrique Iglesias, porque ele foi uma figura muito relevante no processo de renovacao profissional. Foi o diretor da escola universitaria, a partir do ano de 1972, ate ser demitido com o Golpe de Estado de 1973. Retornou a esse cargo no ano de 1985 com a redemocratizacao da universidade, permanecendo ate o ano de 1989. Foi uma figura que, infelizmente, publicou muito pouco; no entanto, desenvolveu um importante trabalho docente e um trabalho de organizacao, planejamento e gestao de recursos no ambito da universidade. Teve um importante papel no processo de constituicao da Faculdade de Ciencias Sociais e na criacao do Departamento de Trabalho Social dentro dela. Sua atuacao esteve bastante ligada com aqueles assistentes sociais que gravitavam em torno da organizacao Equipos Consultores Asociados (que nos identificamos como "modernizadores") sem que, no entanto, se confunda inteiramente com esses assistentes sociais.

Enrique Iglesias centrou sua conferencia na relacao entre Servico Social e subdesenvolvimento. Iglesias (1966) questiona nesta conferencia os principios eticos do servico social tradicional por causa do seu carater abstrato, chamando a atencao para a necessidade de definir os valores, os metodos e as tecnicas para uma situacao concreta: aqui e agora. Esta necessidade de levar em consideracao as circunstancias concretas leva a perceber a "presenca de estruturas socioeconomicas que aparecem como causa geral, fator desencadeante do acumulo de miserias e penurias que limitam, freiam e travam o desenvolvimento do individuo e da comunidade nacional". (IGLESIAS, 1966, p. 73).

Por esta razao, quer dizer, por causa da natureza estrutural dos problemas sociais, e...

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