Representações sobre a Solidariedade Sem Terra no site do MST, em agosto de 2020/Representations of Landless Solidarity on the Landless Movement Website in August 2020.

AutorEngelmann, Solange Inês
CargoARTIGO

Introdução

Fundado em 1984, na cidade de Cascavel, Paraná, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um dos movimentos sociais populares mais representativos da América Latina. Ao pautar a necessidade da reforma agrária, chama atenção para o problema dos sem-terra, da concentração fundiária e defende mudanças na estrutura social do sistema capitalista, além de propor um modelo de sociedade com igualdade e justiça social. Para Gohn (2000), o MST assume o papel de sujeito coletivo e importante representante da classe trabalhadora brasileira, que escancara as desigualdades sociais e os conflitos de classe, entre a burguesia e a classe operária. Diante disso, com o avanço do capitalismo no campo e o fortalecimento do agronegócio no início de 2000, a diminuição no número de novos assentamentos e o debate entre os movimentos populares de que o projeto de reforma agrária estaria esgotado na sociedade capitalista, a partir do seu segundo programa agrário, entre 2007 e 2014, o MST passa a fazer a defesa da implanta m o de um projeto popular para a agricultura brasileira e a construção de ua sociedade igualitária, solidária, humanista e ecologicamente sustentável (MST, 2007). Assim, para o MST, a criação de um programa de Reforma Agrária Popular (1) necessita de mudanças sociais, como a democratização do acesso à terra aos camponeses e trabalhadores rurais e o desenvolvimento de um modelo de produção agrícola sustentável, com base na agroecologia, para a produção de alimentos saudáveis, criação de agroindústrias, crédito agrícola e assistência técnica, educação do campo, entre outros.

O contexto do desenvolvimento tecnológico, ao final do século XX e início do século XXI, possibilita o surgimento das mídias digitais, com páginas online, blogs, redes sociais, aplicativos etc. Ao obter condições de acesso a essas tecnologias, movimentos sociais populares, como o MST, passam a organizar processos e estratégias de comunicação populares (PERUZZO, 2006), voltados à divulgação de suas demandas e ampliação de visibilidade acerca de suas pautas no espaço público.

Assim, na pandemia da Covid-19, por um lado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendava o distanciamento social, enquanto, por outro lado, observa-se a necessidade de trabalhadores(as) do MST em produzir alimentos para sobrevivência e abastecimento do mercado local. Diante disso, este estudo parte do seguinte questionamento: que representações são postas em circulação no espaço público, por meio do site do MST, sobre a Solidariedade Sem Terra, que envolvem a doação e produção de alimentos durante a pandemia da Covid-19, no mês de agosto de 2020? O período foi escolhido por conta de uma leve diminuição no número de mortes pela Covid-19. Porém, na época, especialistas alertavam que isso não significava o fim da pandemia. Conforme dados apurados pelo consórcio de veículos de imprensa, em agosto de 2020, o Brasil teve 28.947 mortes pela Covid-19, sendo a primeira vez, desde maio daquele ano, que o país contabilizava menos de 30 mil óbitos mensais pela infecção (PINHEIRO, 2020).

A perspectiva epistemológica fundamenta-se na teoria das representações sociais de Moscovici (2013). A abordagem metodológica utiliza como base os pressupostos qualitativos e as técnicas de análise de conteúdo (AC) de Bardin (2009). Neste sentido, Spink (2013) contribui para a identificação e interpretação dos principais enunciados simbólicos do discurso e das principais representações encontradas.

As representações sociais e as mídias digitais

As representações estão ligadas diretamente à comunicação, pois estabelecem-se na construção de sentidos e saberes, sendo uma maneira específica de compreender e comunicar. Para Moscovici (2013, p. 46), o objetivo das representações é "[...] abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que reproduzam o mundo de uma forma significativa". Assim, a comunicação se estabelece por meio de vínculos entre os indivíduos, comunidades e grupos sociais, resultando na criação de representações de si, dos outros e de distintas realidades sobre elementos concretos e abstratos que circundam a sociedade em diferentes épocas. Nesse contexto, ao divulgar informações na esfera pública, os meios de comunicação adquirem papel central, pois, ao interpretarem os acontecimentos, não o fazem com total isenção e imparcialidade. Dependendo da abordagem e dos argumentos utilizados podem subverter a ordem dos fatos, interferindo na construção da memória coletiva.

A construção da esfera pública ocorre por meio de interações e debates, viabilizados por uma comunicação centrada no diálogo argumentativo de assuntos comuns de interesse público (ESTEVES, 2011). O desfecho desse processo seria a formação de percepções mais equânimes em relação às diferenças sociais, políticas e culturais, entre os cidadãos. Nesse contexto, a construção da esfera pública se desenvolve por meio da troca de informações e bens simbólicos em circulação nos meios de comunicação, que reproduzem a seu modo inúmeras representações. Jovchelovitch (2000, p. 175) salienta que "as representações sociais são formas de mediação simbólica firmemente radicadas na esfera pública", o que torna a esfera pública um espaço da realidade intersubjetiva. É neste terreno que as representações "são geradas, se cristalizam e se transformam", crescem e tomam forma (JOVCHELOVITCH, 2000). Portanto, as narrativas se encontram constantemente permeadas por relações de poder, não sendo um ato neutro, mas resultando de lutas simbólicas. Para a autora, a imprensa produz significados e valores hegemônicos, assumindo o papel de "ator chave" do poder (JOVCHELOVITCH, 2000), principalmente nas sociedades em que os meios de comunicação estão concentrados por grupos que também dominam a indústria e o governo, e se observa a ausência de uma esfera pública robusta e crítica.

Assim, ao final do século XX e início do XXI, o avanço tecnológico dá origem a sociedade em redes e a novos canais de comunicação e informação, como a internet (CASTELLS, 2006). Amplia-se a centralidade do controle de informação dos oligopólios midiáticos tradicionais (rádio, jornais e revistas, televisão, dentre outros) para uma esfera pública virtual. Na visão de Di Felice (2014), a sociedade em rede cria uma nova cultura tecnológica e comunicativa, com o potencial de gerar mudanças na política, na democracia e na forma de pensar, alterando os contextos sociais. Essa mudança tecnológica também estimula a participação e interação dos usuários, por meio de um novo tipo de inter-relação social e uma cultura tecnológica centrada na interação dos cidadãos. Para Castells (2006), o desenvolvimento das tecnologias pode ainda desempenhar papel importante no estimulo às mudanças das relações sociais e busca de cidadania, quando os usuários adquirem condições (sociais, políticas e, principalmente, econômicas) de apropriarem-se da rede e redefini-la para atender às necessidades da sociedade.

Porém, a internet é um produto do capitalismo que se insere na lógica de funcionamento de mercantilização do capital, monopolizado por grandes redes de informação: Google, Yahoo, MSN, que dão suporte...

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