Os Requisitos para Configuração da Responsabilidade

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorPós-doutora no Programa de Pós-Doutoramento em Democracia e Direitos Humanos - Direito, Política, História e Comunicação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Páginas38-68

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2.1. O dano ou lesão

Na visão de Pastora do Socorro Teixeira Leal, “a construção da responsabilidade civil ocorre a partir do dano, entretanto, a problemática consiste quando a doutrina tradicional tenta conceituá-lo, já que costuma desconsiderar categorias relevantes para a sua compreensão”101.

O dano ilustra elemento essencial que corresponde à “lesão a interesses juridicamente tuteláveis; é a ofensa ao patrimônio material ou extrapatrimonial de alguém”102, sendo o fato constitutivo e determinante do dever de indenizar103.

Nesse sentido, Sérgio Cavaliere Filho airma que:

O dever de reparar pressupõe o dano e sem ele não há indenização devida. Não basta o risco de dano, não basta a conduta ilícita. Sem uma consequência concreta, lesiva ao patrimônio econômico ou moral, não se impõe o dever de reparar104.

Se no direito penal o objetivo é sancionar o agente causador do dano, a reparação do dano retrata o escopo basilar do campo da responsabilidade civil. Daí se justifica eventual distinção de tratamento de uma mesma hipótese no campo do direito penal e da responsabilidade civil. Por exemplo, imagine-se pessoa que tente matar outrem, realizando vários disparos de arma de fogo, sem êxito. Apesar de haver clara intenção do agente de tirar a vida da vítima na tentativa, não haverá dano, razão pela qual o autor dos disparos será penalmente responsável pela tentativa de homicídio, enquanto na esfera cível, em tese, não haverá dano injusto de ordem material a ser ressarcido.

Em suma, na responsabilidade civil, a ausência de dano é tida como fator excludente de responsabilidade. É dizer, na teoria clássica da responsabilidade, a despeito de se estar diante de conduta antijurídica, ausente o elemento dano, inexistente será o dever de indenizar.

Nem todo dano será ressarcível, sendo necessário que seja certo e atual para que haja reparação civil. Em verdade, a jurisprudência vem aceitando a reparação civil de danos mesmo quando suas extensões não são passíveis de conhecimento ao tempo da responsabilização, bastando uma “razoável probabilidade”105.

2.1.1. A classificação dos danos

A classificação dos danos exerce inluência direta no dever de indenizar. Classicamente, os danos eram tipificados como materiais ou morais. Todavia, a doutrina contemporânea absorve conceitos como os dos danos estéticos, morais coletivos, sociais, e até danos referidos como perda de uma chance106.

A ampliação do leque classificatório dos danos em diversas espécies objetiva facilitar a aplicação da teoria da responsabilidade civil aos casos concretos, sempre em busca de maior uniformidade no arbitramento do quantum indenizatório, a depender, entre outros fatores, da tipologia de dano ocasionado.

Nesse contexto, passa-se a elencar a tipologia classificatória dos danos indenizáveis.

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2.1.1.1. Danos patrimoniais ou materiais

A classificação do dano em patrimonial ou extrapatrimonial leva em conta o modo como o dano se projeta na realidade do mundo fenomênico.

O patrimonial, com perdão pela tautologia, é aquele que impacta o patrimônio material da vítima, sendo suscetível de aferição em dinheiro107. O impacto patrimonial pode ser direto ou indireto, quando não resultante de lesão a bens ou interesses efetivamente patrimoniais. Por exemplo, havendo violação de bens personalíssimos, como o bom nome, a saúde e a imagem de alguém que, apesar de não conigurarem bens patrimoniais, se violados, poderão gerar danos patrimoniais indiretos108.

2.1.1.2. Danos compensatório e moratório

Esta subclassificação é aplicada no âmbito do dano oriundo de inadimplência contratual. Se compensatório, o dano ocorre em razão de descumprimento deinitivo do pacto. Se moratório, decorre de descumprimento parcial do contrato, sendo cumprida a obrigação com atraso.

2.1.1.3. Danos emergentes e lucros cessantes

O dano patrimonial é constantemente subclassificado em emergente ou positivo; ou em lucros cessantes, também chamados danos negativos. Enquanto os danos emergentes deinem-se como aqueles que efetivamente causaram perda patrimonial, os lucros cessantes coniguram aumento patrimonial que a vítima, de forma razoável, tenha deixado de auferir109.

Conhecidos como danos atuais, os danos emergentes são calculados com base na diferença entre o patrimônio anterior e o posterior ao fato gerador do dano. Já quanto aos danos futuros, ou seja, os lucros cessantes, a solução mostrar-se-á mais complexa. Em verdade, o dano futuro poderá se apresentar como mera continuação de um dano atual, ou, efetivamente, como um dano a porvir, simbolizando mera diminuição potencial do patrimônio da vítima pela frustração de expectativa de lucro ou pela perda de ganho esperável. Nesse contexto, para o arbitramento da reparação dos lucros cessantes, em geral, será necessário que o magistrado faça juízo hipotético de desenvolvimento normal dos acontecimentos, ou seja, daquilo que viria a acontecer caso o ato ilícito não tivesse sido praticado e o dano não tivesse ocorrido. Nesse sentido airma-se que a expressão “efeito direto e imediato”, prevista no art. 403 do Código Civil110, evidencia que o lucro cessante deve ser consequência necessária da conduta do agente111.

2.1.1.4. Danos por perda de uma chance

Esse tipo de dano é fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, verificado quando se vê frustrada expectativa que, razoavelmente, seria concretizada caso o causador do dano não tivesse tido a conduta ensejadora da reparação civil112. Importante que a expectativa frustrada seja legítima, séria e provável113. Trata-se de dano de difícil verificação, visto que se origina a partir de uma oportunidade perdida, adentrando no campo da probabilidade, ilustrando situação que possivelmente aconteceria, apenas e caso a conduta do agente violador não existisse.

Exemplo de aplicação de tal teoria no ramo do direito do trabalho pode ocorrer em caso de empregado que tenha oportunidade de trabalho perdida por conta de comportamento de seu último empregador que possa ter retido indevidamente sua Carteira de Trabalho e Previdência Social.

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2.1.1.5. Danos extrapatrimoniais

Várias classificações de dano extrapatrimonial são apontadas pela doutrina.

Enquanto patrimonial, em regra, será o dano que lesa os bens extrínsecos à pessoa, com lesão suscetível de avaliação econômica para o restabelecimento do status quo ante, através do pagamento do dano emergente e do lucro cessante, o dano extrapatrimonial representará ofensa aos direitos imateriais, ou seja, aos direitos da pessoa entremeados na própria personalidade, os quais atribuem essencialidade e individualidade a cada pessoa humana114.

Há juristas que colocam fora dos danos patrimonial e extrapatrimonial outras categorias de danos como os que afetam a vida, a saúde, as relações sociais, a esfera sexual, estética e psíquica115. Sergio Severo116 destaca posicionamento segundo o qual há um terceiro gênero de dano além do patrimonial e do extrapatrimonial, que seria o que afeta a integridade física.

Os danos extrapatrimoniais117 são reparáveis de acordo com previsão constitucional dos incisos V e X do art. 5o118, sem pretensão de exaustão, sendo dispositivos de tipicidade aberta.119 Também estão previstos no art. 186 do Código Civil120 e na legislação especial, no art. 6º, incisos VI e VII do Código de Defesa do Consumidor121 e no art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente122, por exemplo.

2.1.1.5.1. As espécies de danos extrapatrimoniais trabalhistas

Foi arquitetada classificação própria de danos extrapatrimoniais trabalhistas em cinco categorias123, que, de forma alguma, se autoexcluem, podendo, por vezes, inclusive, se complementarem, derivadas de uma mesma conduta lesiva. O desenvolvimento desse agrupamento mostrar-se-á, outrossim, servil à tarifação de tutela ressarcitória in pecunia, a qual poderá ser “fatiada” de forma concatenada e transparente, dedicada separadamente a cada espectro de dano e respectivas consequências práticas.

A classificação proposta, ademais, pretende estar ajustada em ina empatia com as obrigações do empregador de reconhecimento e respeito aos direitos personalíssimos do trabalhador que serão desvendados ao longo do presente

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trabalho, quais sejam (i) direito à constituição de valores humanos, (ii) direito ao mínimo existencial com condições básicas de subsistência e pausas no tempo de trabalho para conquista de uma vida boa, (iii) direto à integridade física e psíquica com devida promoção da correção dos riscos ambientais e (iv) direto a um tratamento probo e igualitário.

As espécies de danos delimitadas ora desenvolvidas, portanto, cumprirão papel didático e facilitador na tutela de proteção a direitos extrapatrimoniais de trabalhadores.

A experiência italiana em danos extrapatrimoniais, por motivos diversos, também resultou na ampliação e no reconhecimento de modalidades distintas de danos imateriais, não com o objetivo formal de...

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