Revista Em Pauta: três décadas de um tracejo científico acadêmico/Em Pauta Journal: three decades of a scientific academic trajectory.

Autorde Moraes Freire, Silene

Introdução

O presente artigo busca resgatar um pouco da história da Revista Em Pauta, veÃÂculo de divulgação cientÃÂfica da Faculdade de Serviço Social da Uerj e do seu programa de pós-graduação stricto sensu, no ano em que o periódico completa três décadas de existência. Entendemos que a trajetória dessa publicação, que transitou da fase dos Cadernos para a fase da revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, enfrenta diferentes momentos de aprimoramento que não podem ser compreendidos como um projeto em si, mas sim como parte de um processo de adensamento acadêmico que caracteriza a faculdade em que a revista foi criada e se desenvolveu nesses 30 anos. Desta forma, resgatamos inicialmente a trajetória dessa unidade de ensino e posteriormente buscamos demonstrar como o periódico consagra nÃÂveis de debates e conhecimentos que resultam de um processo de lutas e conquistas vivenciadas pelo Serviço Social no Brasil e traduzidos pela faculdade.

Faculdade de Serviço Social da Uerj: breves notas de uma história

O pioneirismo da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro se deu no seu surgimento como uma das primeiras unidades de ensino de Serviço Social do paÃÂs, que se inscrevem na sociedade brasileira do inÃÂcio dos anos 1940 até o inÃÂcio do século XXI.

Como já observamos em estudos anteriores publicados no Cadernos em Pauta, na década de 1990, e na coletânea sobre a trajetória da faculdade construÃÂda em comemoração aos seus 70 anos, lançada em 2014, existe uma uma centralidade na bibliografia que trata da história do Serviço Social no Brasil sustentada no padrão analÃÂtico de São Paulo, no modo com que se gestou e foi administrada a "questão social" naquela região. A realização de estudos do processo de constituição e desenvolvimento da profissão em outros estados reveste-se de especial importância para o aprofundamento e as análises das linhas e tendências do Serviço Social no paÃÂs. Indica-se, assim, a diversidade das condições para se perceber as dinâmicas sócio-históricas que contribuÃÂram para o surgimento de escolas para a formação de assistentes sociais no Brasil, nas suas diferentes regiões. No Rio de Janeiro tivemos várias particularidades reveladas pelas primeiras unidades de ensino da profissão.

Como observado por Bravo e Freire (2008), desde os idos de 1936 a profa. Maria Esolina Pinheiro (PINHEIRO, 1985) (1) deu inÃÂcio a um árduo e obstinado trabalho para fundar a primeira escola de Serviço Social do Rio de Janeiro. Entretanto, somente em 1944 surgem os primeiros resultados desse esforço através da Escola Técnica de Assistência Social Cecy Dodsworth, criada naquele ano por ato do presidente da República Getúlio Vargas e mantida pela Prefeitura do Distrito Federal. Essa escola, que é hoje a Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), foi uma das primeiras unidades de ensino especializado mantidas pela Prefeitura, e só veio a ter o seu reconhecimento como unidade de ensino superior em 1958, passando a integrar, em 1963, a então Universidade do Estado da Guanabara (UEG), atual Uerj.

Segundo Freire (1994, p. 29), estas observações conduzem-nos a destacar que as primeiras escolas de Serviço Social do Rio de Janeiro surgem num momento em que a cidade é a maior do paÃÂs, capital federal, onde se concentram os centros nervosos da direção polÃÂtica e econômica. Por essas condições, é a cidade brasileira onde a infraestrutura de serviços básicos, inclusive serviços assistenciais, mais se desenvolveu, com forte participação do Estado, além de ser o mais antigo polo industrial da região Sudeste e contar com expressivo contingente proletariado.

Conforme Freire (2020) demonstrou, o autoritarismo instrumental da "Era Vargas", no perÃÂodo de 1930 a 1945, foi mais do que um acontecimento polÃÂtico acidental na nossa história. A mudança do eixo econômico da agricultura para a indústria implicou significativas transformações, especialmente na forma como o Estado passou a exercer o controle sobre os rumos da nação. A implantação do liberalismo econômico sem liberalismo polÃÂtico expressava a forma como o capitalismo procurava se modernizar e se desenvolver na periferia, aprofundando as desigualdades sociais, tornando a questão social alvo dos mecanismos polÃÂticos de controle e vigilância estatais. As normativas da ordem moderna eram sustentadas por uma engenharia institucional que permitia a inclusão subalterna da classe trabalhadora no Estado, concentrando, assim, no Poder Executivo, a produção legislativa em resposta aos conflitos provenientes da relação capital-trabalho. A ingerência sobre os conflitos de classe, baseada na regulação dos direitos sociais, distribuÃÂdos paulatinamente entre as diferentes profissões, se constituiu em um processo caracterÃÂstico da história da proteção social no Brasil. Este processo resultou na percepção geral do direito social alcançado como uma concessão do Estado, e não como uma conquista (2).

O destaque que hoje em dia tem sido dado ao cenário histórico-cultural anteriormente citado parece estar ligado a dois aspectos principais. Em primeiro lugar, àestreita vinculação naquela época (como hoje) entre a produção intelectual e a vida propriamente polÃÂtica, vinculação que se operou paralelamente ao desenvolvimento de um rÃÂgido modelo de exclusão cultural e polÃÂtica. Em segundo lugar, e como decorrência das tensões externas (a Segunda Guerra) e internas (repressão polÃÂtica e inquietação social), há emergência de uma nova concepção de atividade intelectual e de organização da cultura. De fato, no perÃÂodo de 1930-1945, a cultura do autoritarismo, sob as mais diversas formas, transborda e permeia amplamente a prática das classes dominantes no Brasil, fornecendo àelite governamental orientações referentes àreformulação do marco institucional vigente, ou melhor, as opções do novo regime. Dentro do complexo quadro ideológico da época, o pensamento autoritário se destacou como um dos principais componentes da produção intelectual, justamente porque o seu modo de analisar a realidade, assim como as soluções apresentadas para a mesma, articulavam temas em perfeita conexão com a perspectiva de construir um projeto polÃÂtico comprometido com a hegemonia.

No Rio de Janeiro, a Escola Técnica de Assistência Social Cecy Dodsworth mostrou-se altamente eficaz na difusão do ideario do regime Vargas. Até mesmo a influencia do pensamento católico na origem da profissão, no Rio, é mais facilmente percebida através da sua conexão com o regime do que diretamente com o catolicismo. Segundo Freire (1994), fontes documentais desse perÃÂodo comprovam que Maria Esolina Pinheiro era assÃÂdua frequentadora dos canais de comunicação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que poderia ser chamado de "olhos e ouvidos" da ditadura varguista, pois perseguia, vigiava, exercia pressão sobre os mais resistentes e enaltecia as medidas governamentais para todo o paÃÂs.

Cabe ressaltar que, além de propalarem as "maravilhas" da legislação social, a chamada "ideologia de guerra", que também contribuiu para dar legitimidade ao Estado, foi muito divulgada pelas pioneiras da profissão da Escola Técnica de Assistência Social Cecy Dodsworth. No inÃÂcio dos anos 1940, Maria Esolina Pinheiro frequentemente falava aos jornais sobre o "Preparo Psicológico do Povo". "Num momento tão tumultuado devido àsituação internacional, os imprevistos não encontrarão o Brasil desatento e desaparelhado", dizia a professora Esolina Pinheiro, que, segundo o jornal A Noite, em 1943, já estava "impondo-se pela projeção da sua obra de assistência social". Segundo Freire (1994, p. 21),

Desde 1939, por ocasião da publicação no Rio de Janeiro da primeira obra sobre Serviço Social editada no Brasil: Serviço Social Infância e Juventude Desvalidas, da professora Maria Esolina Pinheiro (uma das pioneiras da profissão), já é nÃÂtida a influência do pensamento autoritário no Serviço Social como forma explicativa dos fenômenos sociais e históricos. E importante observar que o uso desses 'conceitos' por parte de Maria Esolina, também nos remete àinfluência do forte peso da cultura colonial no Rio de Janeiro. Tais aspectos evidenciam que, embora o pioneirismo da profissão no Rio ainda seja pouco estudado, é indubitável que ele teve uma trajetória distinta do pioneirismo do Serviço Social em São Paulo. O fato de...

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