Securitizacao de recebiveis no setor bancario brasileiro: um estudo empirico.

AutorCatao, Gustavo Campos
CargoReport
  1. Introducao

    Historicamente a atividade bancaria esteve amparada na intermediacao financeira, onde os bancos, por meio da captacao de depositos, emprestavam recursos aos clientes recebendo o valor do principal emprestado acrescido de juros num periodo de tempo pre-determinado. O recebimento dos juros e do principal permitiria aos bancos originar novos emprestimos, tendo entao sua capacidade de geracao limitada pelo recebimento do valor do principal emprestado, acrescido dos juros.

    As mudancas nessa estrutura de intermediacao comecaram a surgir a partir da decada de 70, quando os agentes financeiros, ao contrario de esperarem pelo recebimento dos juros e principal contratados com os tomadores de emprestimos, repassaram esses fluxos de recebimentos a terceiros. Numa estrutura um pouco mais sofisticada, o banco poderia "empacotar" esse conjunto de juros e principal a receber e vende-los ao mercado (Kala, 2003).

    Essa mudanca no modelo tradicional de intermediacao financeira viria a se tornar uma revolucao na estrutura de alocacao de recursos na economia. A nao obrigatoriedade de geracao de novos passivos atraves de novas captacoes, para lastrear a originacao de novos emprestimos, permitiu o aumento da carteira de emprestimos de inumeras instituicoes financeiras, sem necessariamente aumentar a contrapartida em suas captacoes.

    O relatorio da agencia de classificacao de risco Standard and Poor's (2005). (1) chama a atencao a uma mudanca sutil nos modelos de negocios dos bancos brasileiros, que tem buscado aumentar sua economia de escala e o volume de suas carteiras de emprestimos mais ativamente desde 2003, ampliando sua base de clientes e se posicionando em mercados com alto potencial de crescimento.

    Esse cenario resultou num periodo dinamico de fusoes e aquisicoes, onde os grandes bancos tem concentrado seus esforcos no crescimento organico e nos acordos com grandes redes de varejo e com bancos de pequeno e medio porte, para adquirir toda ou parte da carteira de financiamento ao consumo dessas entidades.

    Mesmo motivados pela queda de liquidez dos bancos de menor porte, em funcao da intervencao do Banco Central no Banco Santos em novembro de 2004, esses acordos mantem a perspectiva de continuarem a ocorrer uma vez que os bancos de menor porte e as redes de varejos se anteciparam aos grandes bancos, focando suas operacoes no financiamento as pessoas fisicas de menor renda, utilizando-se de uma ampla rede de correspondentes bancarios ou de sua estrutura de lojas, no caso das redes de varejo. Mais ainda, em razao dos problemas de liquidez observados no final de 2008, advindos da crise financeira mundial, esses acordos tem sido renovados, incrementados pelo estabelecimento de politicas especificas do Banco Central, atraves dos bancos oficiais, de compra das carteira de credito de bancos pequenos e medios.

    Sabendo da possibilidade de venda futura dos emprestimos realizados, as instituicoes poderiam tornar-se menos criteriosas no processo de concessao de credito piorando a qualidade de sua carteira. Da mesma forma, visando assegurar a atratividade dos novos titulos emitidos com lastro em recebiveis, os bancos estariam vendendo os melhores creditos de sua carteira, piorando a qualidade dos creditos remanescentes, uma vez que os emprestimos de pior risco continuariam em seu portfolio.

    Essas operacoes tambem permitiriam aos bancos diminuir o volume de participacao de capitais de terceiros, uma vez que utilizariam parte dos recursos adiantados com a securitizacao para gerar novos emprestimos ou saldar dividas, reduzindo a participacao desses capitais na sua estrutura de financiamento.

    Diante desse cenario, o presente trabalho busca respostas para o seguinte questionamento: existe relacao entre as operacoes de securitizacao de recebiveis e os indices de alavancagem, liquidez e qualidade da carteira de credito de bancos brasileiros?

    Como respostas provisorias ao problema, as seguintes hipoteses nula ([H.sub.0]) e alternativa ([H.sub.1]) foram apresentadas e testadas na pesquisa:

    Hipotese de alavancagem ([H.sub.1])

    [H.sub.0]: Nao ha relacao entre as operacoes de securitizacao e o indice de alavancagem.

    [H.sub.1]: Ha relacao entre as operacoes de securitizacao e o indice de alavancagem.

    Hipotese de liquidez ([H.sub.2])

    [H.sub.0]: Nao ha relacao entre as operacoes de securitizacao e o indice de liquidez.

    [H.sub.2]: Ha relacao entre as operacoes de securitizacao e o indice de liquidez.

    Hipotese de qualidade da carteira de credito ([H.sub.3])

    [H.sub.0]: Nao ha relacao entre as operacoes de securitizacao e a qualidade da carteira de credito.

    [H.sub.3]: Ha relacao entre as operacoes de securitizacao e a qualidade da carteira de credito.

    O artigo esta divido em 6 secoes. A primeira secao apresenta a introducao, e em seguida a segunda secao contempla a metodologia utilizada. Na terceira secao, e apresentada uma revisao da literatura concernente a securitizacao de recebiveis -- seu conceito, estrutura e dinamica. Na quarta e quinta secoes, sao apresentados o estudo empirico e analise dos resultados dos bancos. Finalmente, na sexta secao, apresentam-se as conclusoes.

  2. Procedimentos Metodologicos

    A partir do problema exposto e considerando as hipoteses a serem testadas na pesquisa, procedeu-se a escolha da amostra de bancos a serem analisados, a definicao das variaveis e testes a serem utilizados.

    Inicialmente, buscou-se atraves do sitio da Comissao de Valores Mobiliarios -- CVM- na secao de Registro de Ofertas Publicas, quais foram os fundos de investimento em direitos creditorios -- FIDC -- nos quais o cedente dos recebiveis tenham sido os bancos. Verificou-se 12 ofertas publicas registradas, havendo apenas oferta de fundos por parte de bancos a partir de 2002.

    A partir dessa primeira amostra, buscou-se no sitio do Banco Central do Brasil -- BACEN, na secao de Informacoes Financeiras Trimestrais -- IFT, a disponibilidade de informacoes sobre os 12 bancos que tinham ofertas publicas de FIDCs registradas na CVM. A epoca da coleta de dados, o sitio contemplava um banco de dados com informacoes dos bancos a partir do ano de 2001 ate o segundo trimestre de 2008, em base trimestral. Do conjunto de bancos inicialmente elencados na pesquisa junto a CVM, excluiram-se dois por nao haver disponibilidade de informacao no sitio do BACEN.

    Chegou-se, portanto, a amostra final com uma composicao de 10 bancos, os quais tiveram como periodo de analise os trimestres compreendidos entre o primeiro trimestre de 2001 e o segundo trimestre de 2008, totalizando uma serie historica de 30 trimestres com 300 observacoes.

    2.1 Variaveis utilizadas

    Volume de creditos securitizados

    Para evidenciar o volume de creditos securitizados, utilizou-se como variavel proxy o volume de creditos cedidos sem coobrigacao, em base trimestral.

    As operacoes de cessao de creditos sem coobrigacao lastreiam a venda dos recebiveis para os FIDCs ou outros veiculos intermediadores. O fato de serem cessoes sem coobrigacao permite enquadra-las no principio do true sale, que deve nortear as operacoes de securitizadao, nao havendo nenhum passivo a ser contabilizado no balanco do banco cedente.

    Indice de alavancagem

    O indice de alavancagem utilizado na pesquisa foi o indice utilizado por Rodrigues (2004), que relaciona o volume de operacoes de credito em relacao ao volume do patrimonio liquido. O indice de alavancagem, em base trimestral, esta apresentado na formula abaixo:

    IA = Op.Cred/PL

    onde:

    IA: Indice de alavancagem trimestral.

    Op.Cred: Volume de operacoes de credito realizado pelo banco no trimestre.

    PL: Patrimonio liquido do banco no final do trimestre.

    A leitura do indice reflete o quanto o capital proprio do banco gera em operacoes de credito. Portanto, quanto maior for o indice, maior e a participacao de capitais de terceiros no banco e menor e a sua capacidade em alavancar (restrincao de credito em razao do maior endividamento) outros recursos para geracao de creditos.

    Indice de Liquidez

    O indice de liquidez utilizado na pesquisa foi adaptado de Assaf Neto (2004), que utiliza como indice de liquidez imediata para bancos a soma das disponibilidades com as aplicacoes financeiras de liquidez em relacao ao total dos depositos a vista. Nessa pesquisa, utilizamos um indice de liquidez que relaciona o volume de investimento em ativos liquidos em relacao ao volume total de depositos captado pelo banco.

    Os ativos liquidos considerados foram os investimentos em caixa, aplicacoes interfinanceiras de liquidez e em titulos e valores mobiliarios. Esses dois ultimos itens ja consideram as provisoes para perdas lancadas no balanco. O volume de depositos contempla os que sao lancados no passivo circulante e no exigivel a longo prazo.

    O indice de liquidez, em base trimestral, esta representado na formula abaixo:

    IL = AL/Dep

    onde:

    IL: Indice de liquidez trimestral.

    AL: Ativos liquidos (caixa + aplicacoes interfinanceiras de liquidez + titulos e valores mobiliarios) no final do trimestre.

    Dep: Volume de depositos totais no final do trimestre.

    Qualidade da carteira de credito

    Visando verificar o impacto das operacoes de securitizacao sobre a qualidade da carteira de credito dos bancos, utilizou-se a classificacao contida na Resolucao do CMN no 2.682/99 que determina que os bancos classifiquem as suas operacoes numa escala entre o nivel AA (melhor qualidade de credito) ate H (pior qualidade de credito). Nessa pesquisa, agrupou-se essa classificacao em tres estratos, a saber:

    * Ativos de Qualidade otima: Creditos com classificacao nivel AA, A e B;

    * Ativos de Qualidade Media: Creditos com classificacao nivel C, D...

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