Serviço Social e sustentabilidade: para o protagonismo social na Amazônia/Social work and sustainability: for social protagonism in the Amazon.

AutorChaves, Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues
CargoARTIGO

Introdução

Este artigo relata, de modo sintético, estudos realizados sobre a realidade da Amazônia pela equipe do Grupo Interdisciplinar de Estudos Socioambientais e de Desenvolvimento de Tecnologias Sociais, o Grupo Interação da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), formado por um conjunto de profissionais/pesquisadores, estudantes graduandos e pósgraduandos (mestrado, doutorado e pós-doutorado) e técnicos de diversas áreas, com maior concentração de assistentes sociais (estudantes e profissionais).

Dentre as constatações sustentadas pela ativa participação investigativa sobre a temática em pauta, é possível atestar, comparado a diversas outras temáticas, um reduzido quantitativo de estudos sobre o modo de vida, as condições de acesso a bens e serviço sociais, via políticas públicas, e as formas de organização socioculturais e políticas dos povos tradicionais. Portanto, tornou-se imperativo o (re)conhecimento da necessidade de prosseguir ampliando as pesquisas, condição que foi viabilizada pelo apoio com recursos e bolsas do CNPq e da Fapeam. Entre as principais finalidades traçadas para os estudos até o ano corrente, destaca-se o compromisso em obter informações qualificadas para efetuar approaches analíticos e interpretativos. O objetivo é que eles possibilitem engendrar instrumentais teórico-práticos a fim de enriquecer os processos de formação de competências técnicas dinâmicas para atuarem no fortalecimento das organizações sociais voltadas ao protagonismo dos grupos tradicionais.

A partir de um conjunto diversificado de pesquisas, tornou-se possível identificar uma multiplicidade de grupos sociais, rurais e urbanos, portadores de diferentes saberes, cujas bases socioculturais remontam a práticas ancestrais, coadunadas às formas atualizadas de conhecimentos. Entendese que os resultados dos estudos podem servir para subsidiar a luta por um novo escopo de políticas públicas na região, que reforce o combate aos limites de efetividade mediante as complexas problemáticas que se entrecruzam e enraízam-se na região.

Tendo em vista a complexidade da conjuntura atual, a comunidade científica, de um modo geral, e a área de serviço social, de modo particular, aceitam, de maneira ativa e diligente, o desafio de debater os parâmetros técnico-científicos que ordenam as práticas investigativas e as abordagens analíticas. Nesta dinâmica, estão sendo construídas sendas para aprofundar as investigações e exercitar o compromisso ético-político profissional. A sociedade contemporânea se molda sob o signo insustentável da exclusão social; ampliam-se os estudos que visam conhecer os (in)fluxos, as tendências emergentes e as manifestações relevantes na realidade, para estruturar mecanismos de enfrentamento da crise socioambiental. Portanto, tornou-se imprescindível proceder aos estudos instrumentalizados pelo conceito de sustentabilidade, a partir da perspectiva de ecodesenvolvimento, criado por Ignacy Sachs na década de 70 do século XX, que em seus pressupostos sociopolíticos possibilita traçar um balanço crítico no plano das comunidades na Amazônia.

O lócus, em termos de abrangência trilhada pelo grupo de pesquisa, alcançou em torno de 1.000 comunidades, 90% rurais e 10% urbanas, no âmbito de 54 municípios, situados em sete estados, 95% no Brasil e 5% entre Colômbia e Peru. No escopo deste artigo serão versadas de forma sintética as informações obtidas e analisadas junto às comunidades tradicionais situadas no meio rural da Amazônia, que alcança em torno de 950 contextos comunitários.

Domínios e fronteiras do capital na contemporaneidade

Ao contemplar a conjuntura contemporânea, percebe-se a centralidade do movimento de intensificação e expansão do capital, as manifestações da questão social e a dinâmica das políticas públicas no final do século XX e entrada do século XXI. Este fenômeno sócio-histórico, para Castells (1999), indica o marco histórico da transição da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial, representando a gênese de um novo mundo, com a instauração de uma modalidade societal nova: a sociedade do conhecimento ou da informação. A mudança paradigmática suscitou transformações na economia global, no uso intensivo de capital e na força de trabalho, centrada na produção em massa, moldando uma economia sustentada pelo conhecimento intelectual, pela capacidade de formação de redes e intercâmbio de saberes.

A nova face do capital fez emergir na sociedade, em sua amplitude, um novo paradigma técnico-econômico e produtivo: a 4a Revolução Tecnológica. É mister destacar que o capital, desde seus primórdios, teve como alicerce, para alcançar avanços, os saberes técnico-científicos. Lyotard (1984) indica que no novo paradigma o conhecimento científico é assumido como principal força motriz; assim, a geração de conhecimentos impulsiona o sistema capitalista como bastião para adentrar novos domínios e garantir sua empreitada. Nessa dinâmica, a reestruturação produtiva alcançou de um jeito devastador o cenário global, ancorada na diversidade de avanços científicos, como as tecnologias de informação e comunicação (TICs), robótica, microeletrônica e informática, que, combinados, formam a indústria 4.0.

Esse fenômeno, seja considerado novo tempo, modelo de sociedade ou paradigma, alardeia o valor do capital intelectual, altera valores, comportamentos, estilos de vida, relações de trabalho e perfil de consumo, convergindo para exaltação do indivíduo. Para Howkins (2013), o feitio da sociedade do conhecimento está associado a uma nova retórica, que exalta os imperativos da originalidade e da criatividade, cultua as inovações. Assim, se na sociedade industrial o padrão materialista demarcava os discursos de bem-estar econômico, via satisfação das necessidades básicas, na sociedade pós-industrial preconiza-se maior demanda por serviços, cultivo de valores estéticos e intelectuais, de criatividade e inovação tecnológica, com mudanças justificadas como condição para alcançar qualidade de vida em sociedade.

A sociedade, sob o novo padrão capitalista de produção e consumo, resguarda em seu cerne a contradição original: a relação de dominação e exploração dos homens entre si. Desse modo, acumula múltiplas e complexas problemáticas, ao mesmo tempo em que molda novos contornos no terreno societal. A lógica ordenadora do sistema permanece tendo como resultado a desigualdade social entre classes sociais, com priorização absoluta da ampliação dos níveis de produtividade e geração de riquezas materiais, que redunda em crescimento econômico, em detrimento do bem-estar de vastos segmentos sociais.

Os Estados nacionais, na aliança histórica com o capital e em seu vínculo de interesses, incorporam a onda de políticas neoliberais que põem em ação uma sistemática extinção de direitos trabalhistas, acirrando o grau de desigualdade social e econômica que forja a exclusão social ao limitar o acesso dos cidadãos aos direitos sociais. Assim, verifica-se entre os Estados e suas instituições a tendência de redução de recursos e investimentos para a viabilização das políticas públicas e sociais, limitando o acesso aos bens e serviços sociais e aprofundando o grau de pauperização de vastos segmentos sociais (CHAVES, 2018). Gershenson, Chaves e Pontes (2021, p. 40) indicam que:

[...] balizado sob signo das contradições, o século XXI prossegue numa trajetória (des)compassada por um movimento de intensificação do reordenamento das forças reacionárias e conservadoras que patrocinam, sob o signo da incerteza, insegurança social, redução de oportunidades, anomia, violência e a comodização que envolve o conjunto das dimensões da vida em sociedade. O percurso do sistema capitalista converge para o acirramento da crise socioambiental, visto que a Revolução Digital, em consórcio com as políticas neoliberais, multiplica os impactos que afetam as formas de trabalho, suscitando entraves ao desenvolvimento humano (ONU, 2015). A interdependência mundial gerada pela globalização da economia colide frontalmente com as formas particulares de organização da produção e com os valores culturais que ordenam a divisão internacional do mundo do trabalho. A dinâmica acelerada promove consequências danosas ao limitar a empregabildade pela destruição do emprego em diversos setores, exigindo novos padrões de formação de quadros técnicos sem ampliar os investimentos, assim como investe na desarticulação das redes de trabalho coletivo, criativo e voluntário.

No Brasil, observa-se: o (re)ordenamento das forças de cunho reacionário e conservador que arremetem contra a manutenção dos direitos dos trabalhadores, num avanço...

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