Servico Social e saude: relacao antiga, desafios presentes/Social work and healthcare: old relationship, current challenges.

AutorBarbosa, Viviane Cristina

Introducao

O presente artigo resulta de uma serie de inquietacoes que perpassam nossa trajetoria profissional, mediante os desafios e limites de nossas acoes, nas relacoes estabelecidas com a categoria profissional, com os usuarios dos servicos de saude e com os demais profissionais que compoem a equipe nesse campo. Trata-se de um relato de experiencia, no qual pretendemos problematizar algumas acoes desenvolvidas pelos assistentes sociais na area da saude, especificamente inseridos num hospital universitario de alta complexidade do Rio de Janeiro.

A partir de um breve levantamento de demandas que chegam ao Servico Social do referido hospital, atraves dos relatos em livro de ocorrencia, fichas de estudo social e reunioes periodicas da equipe, fica claro que muitas destas sao de cunho burocratico e/ou puramente administrativo. Sendo assim, as reflexoes aqui contidas resultam dos diversos atendimentos realizados aos usuarios da instituicao e a seus familiares nesse cenario, assim como das demais atividades exercidas pelos assistentes sociais neste espaco universitario (que alia pesquisa, ensino, extensao e assistencia), tendo como referencial teorico a teoria social critica marxiana.

O cotidiano de trabalho dos assistentes sociais nesta area, seja nas unidades de internacao, seja no setor de emergencia ou em ambulatorios, e atravessado por desafios permanentes, numa constante luta pelo reconhecimento e pela defesa da saude como politica publica, articulada as demais politicas que compoem a seguridade social brasileira. Essa luta vai de encontro a supremacia do saber medico, inscrita na formacao profissional da primeira escola de Servico Social na America Latina, mais precisamente no Chile, em 1925: formar profissionais para serem subtecnicos, dispostos a colaborar com os medicos.

A defesa por um efetivo Sistema Unico de Saude (SUS), afirmada pelo Movimento de Reforma Sanitaria brasileiro, tem como contraponto o desmonte das politicas sociais, um verdadeiro processo de contrarreforma, iniciado logo apos a promulgacao da Constituicao Federal de 1988, com o inicio da ofensiva neoliberal brasileira em 1989 e desenvolvida nos anos posteriores. Assistimos ao crescimento da pobreza e da desigualdade em nosso solo, com a falacia de que o crescimento economico e necessario para reducao e combate do pauperismo, quando sabemos muito bem com "quem" estamos lidando: producao exponenciada de riqueza e producao reiterada de pobreza--traco proprio da dinamica de producao capitalista.

Dessa forma, nosso objetivo e oferecer subsidios para fomentar esse debate a partir da experiencia vivenciada, refletindo sobre o trabalho realizado pelos assistentes sociais, com vistas a superacao dessa subalternidade profissional, nesse ambiente em que ainda impera o saber medico.

O processo de defesa da saude como direito de todos e dever do Estado

A saude, definida como politica publica na Constituicao Federal de 1988, em seu art. 196, esta preconizada como direito de todos e dever do Estado (BRASIL, 1988). Nesse mesmo artigo, prevendo ainda o acesso universal e igualitario as acoes e servicos para sua promocao, protecao e recuperacao, indica-se a possibilidade de ir alem do sanitarismo campanhista e das praticas curativas anteriores.

Essa concepcao de saude como direito, que deve ser garantido mediante politicas sociais e economicas que busquem a reducao do risco de doencas e de outros agravos, tem como pressuposto o resultado da luta do Movimento de Reforma Sanitaria brasileiro, que desde a decada de 1970 vem desenvolvendo debates na direcao de defender o conceito de saude para alem da ausencia de doencas.

A 8a Conferencia Nacional de Saude, realizada em Brasilia no ano de 1986, representa o marco dessas discussoes. Em seu relatorio final, apresenta a saude como direito:

Em seu sentido mais abrangente, a saude e resultante das condicoes de alimentacao, habitacao, educacao, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a servicos de saude. E, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organizacao social da producao, as quais podem gerar grandes desigualdades nos niveis de vida. (BRASIL, 1987, p. 4). O mesmo relatorio sinaliza a necessidade de que o Estado deve assumir uma politica de saude integrada as demais politicas sociais e economicas, assegurando os meios para efetiva-la. Propoe, ainda, a reestruturacao do Sistema Nacional de Saude, com a criacao de um Sistema Unico de Saude (SUS), tendo como alguns de seus principios, entre outros: a) a descentralizacao na gestao dos servicos; b) a integralizacao das acoes, superando a dicotomia preventivo-curativo; e c) a equidade em relacao ao acesso dos que necessitam de atencao. E dessa forma que Passos (2017) reforca a mudanca de paradigma na saude, antes pautado no paradigma flexneriano, com enfase na pesquisa biologica, na especializacao medica, no individualismo, no curativismo e centrado no hospital, para um paradigma de producao social da saude, no qual o estado de saude e considerado como um processo em permanente transformacao, apresentando profunda relacao com as condicoes de vida.

Segundo Bravo (2007), a 8a Conferencia e considerada como preconstituinte da area da saude, assim como introduz a sociedade no cenario da discussao. A autora destaca que o texto aprovado na constituinte, "apos varios acordos politicos e pressao popular, atende em grande parte as reivindicacoes do movimento sanitario, prejudica os interesses empresariais do setor hospitalar e nao altera a situacao da industria farmaceutica" (BRAVO, 2007, p. 93).

No rastro da Constituicao Federal de 1988, iniciamos a decada de 1990 com a promulgacao da Lei Organica da Saude (Lei no 8.080/90), acompanhada da Lei 8.142/90, que dispoe sobre a participacao da comunidade na gestao do SUS--com as conferencias e os conselhos de saude--e sobre as transferencias intergovernamentais de recursos financeiros na area da saude.

A Lei no 8.080/90 possui como um de seus destaques o art. 4, [seccion] 2, que trata da iniciativa privada: esta so podera participar do SUS em carater complementar, com preferencia para as entidades filantropicas e sem fins lucrativos, reforcando o dever do Estado na prestacao dos servicos de saude (BRASIL, 1990. Destaca-se, em relacao aos seus principios e diretrizes, a universalidade de acesso aos servicos de saude em todos os niveis de assistencia, a integralidade de assistencia, entendida como conjunto articulado e continuo das acoes e servicos preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os niveis de complexidade do sistema, e a descentralizacao politico-administrativa, com direcao unica em cada esfera de governo.

Embora as referidas legislacoes representem avancos na discussao da saude como direito, abarcando boa parte das reivindicacoes do Movimento de Reforma Sanitaria brasileiro, as mesmas enfrentaram desafios para sua efetivacao desde suas promulgacoes, com o inicio da ofensiva neoliberal no Brasil, orquestrada pelo entao Presidente do Brasil Fernando Collor de Mello, eleito em 1989, e amplamente desenvolvida nos governos posteriores: um verdadeiro processo de contrarreforma, tendo como eixo central o ajuste fiscal (BEHRING, 2008).

A esperanca de reverter o cenario de contrarreforma do Estado com a eleicao de Luiz Inacio Lula da Silva para a presidencia do Brasil, e de sua sucessora, Dilma Roussef, caiu por terra em pouco tempo. Seguindo os rumos de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, o Governo Lula deu continuidade a politica neoliberal, com uma serie de contrarreformas. No que diz respeito a seguridade social, alem de encaminhar o processo de contrarreforma da previdencia, dirigiu suas acoes para programas de combate a pobreza, tendo como carro-chefe o Programa Bolsa Familia, num processo de assistencializacao da seguridade...

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