Sindicato. Futuro?

AutorJosé Carlos Arouca
Páginas532-593
PARTEXXIIISINDICATOFUTURO
1. Pensando o futuro. Dir-se-á que o futuro a Deus pertence e que um trabalho científico não comporta
práticas de futurologia. Atrever-se a ir além do momento presente e pensar o sindicato no futuro não seria mais
do que inútil pretenciosismo. De qualquer modo, como simples exercício no sistema que temos não se poderá
desprezar três componentes fundamentais do sindicalismo: a) democracia interna; b) ideologia; c) atuação efetiva
como órgão de resistência, sabendo-se porém que não serão os acadêmicos nem a imprensa, nem o Estado, que
determinarão como o sindicato será no futuro, mas os próprios trabalhadores, ainda que em tempo imprevisível.
Os acadêmicos da área do direito quando tratam da organização sindical, como regra, em seus estudos e
críticas seguem a estrutura formal e usual comentando seus institutos e modelos. Fica para os sociólogos e eco-
nomistas a análise sob o ponto de vista social e econômico. De todo modo, a compreensão do sindicato como
fenômeno social não dispensa nem uma nem outra percepção, mas se completam para que se extraia um juízo
mais consentâneo com a realidade de nossos dias. Perde importância o estudo do sindicato sem considerá-lo
num sistema político capitalista e globalizado. Só assim será possível concluir com um mínimo de possibilidade de
acerto seu papel nestes tempos e arriscar uma projeção para seu futuro. Então, desde logo, se vê de frente com
o fenômeno da crise sindical
Pensar no futuro da organização sindical significa pensar no avanço da globalização, no fatalismo que não
vê remédio para o desemprego, na precarização da previdência social e principalmente no abandono da ideologia,
com renúncia das bandeiras do socialismo, da esquerda e até da pálida centro-esquerda. Se depender das lideranças
e dos governantes de hoje o sindicalismo continuará sendo assistencialista, reformista e cada vez mais burocrati-
zado. O Ministério do Trabalho insistirá no propósito de reassumir seu controle, recuperando o poder de tutela
repressiva. As negociações coletivas não serão livres enquanto não existir proteção contra práticas antissindicais e
o direito de greve for limitado pela Justiça do Trabalho através do interdito proibitório, enquanto a contribuição de
custeio depender do beneplácito dos empregadores, transformada em moeda de troca para aceitação da produção
neoliberal, especialmente o banco de horas, que liberou o trabalho extraordinário sem contraprestação remunera-
tória e agora, também, o entulho da reforma trabalhista do governo Michel Temer. A Justiça do Trabalho seguirá
apesar da insistente fúria das propostas de sua eliminação, mas já não será protecionista, aberta para aqueles que
perderam o emprego, continuando reacionária no trato das relações coletivas, punindo as greves e os sindicatos.
Mas necessário pensar, também, na reação política para discutir um novo modelo sindical para o Brasil, atento
à nossa realidade e a indispensabilidade da união dos trabalhadores para o enfrentamento com os detentores do
poder e do capital na retomada da luta para sua ascensão social que está a exigir o desenvolvimento do país, mas
de forma a assegurar a todos participação no avanço tecnológico e científico, tornando verdade o que foi escrito
na Constituição brasileira: Estado Democrático de Direito fundado, também, na cidadania, nos valores sociais do
trabalho, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza, acesso ao Poder
Judiciário, direito à educação, à saúde, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à mater-
nidade e à infância, à assistência aos desamparados, à valorização e ao primado do trabalho, à existência digna
conforme os ditames da justiça social e do bem-estar, priorizando o pleno emprego.
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Constitui dever do sindicato a defesa dos interesses da classe trabalhadora, de modo que não poderá afas-
tar-se da ação política, de resistência. Seu papel não se restringe às relações de trabalho e às negociações para a
obtenção do salário justo capaz de atender as necessidades vitais básicas familiar, além de melhores condições de
trabalho, mas vai muito além, para a defesa da soberania nacional em toda sua plenitude, compreendendo a lín-
gua, a música, a história, os costumes, o sentimento de nacionalidade. A organização da classe trabalhadora deve
estar acima da organização dos partidos que representam, como regra, segmentos pouco ou mal identificados.
A ação político-sindical tem de atender sua vocação internacionalista e lugar para combater a fome e a miséria, o
que reclama a desglobalização imposta pelo capitalismo, especialmente transnacional.
Uma nova Lei Sindical é inevitável, mas se depender do consenso capital-Estado, as organizações de classe
dos trabalhadores pouco avançarão. Logo, independentemente da lei, todos os esforços de suas lideranças deverão
conduzir à unidade para possibilitar a ação política eficaz e autêntica. Cabe às entidades de trabalhadores elaborar
uma proposta unificada de lei sindical que assegure a autonomia e a liberdade positiva para defenderem no Con-
gresso e junto ao Governo, apesar do domínio dos políticos neoliberais e das bancadas majoritárias que reúnem
evangélicos, proprietários rurais e defensores da repressão militar que superam em muito a bancada sindicalista.
A organização sindical do futuro deve ser pautada conforme os princípios básicos da autonomia, da unidade,
da democracia interna, da autenticidade, da garantia e exercício do direito de greve, da livre negociação, da ampla
representação, inclusive nos setores da administração pública(954).
Serve a breve exposição como introdução para um estudo mais avançado da organização sindical no Brasil.
2. O velho e o novo sindicato
2.1. O velho sindicato. Marx valeu-se da história para explicar os fenômenos sociais. Na sua concepção se
entenderia os acontecimentos e o desenvolvimento da sociedade em todos os tempos através de condições ma-
teriais, especialmente econômicas, daí resultando a luta de classes; enfim, o determinismo econômico tal como
acontece em nossos dias, nestes tempos de globalização. Não se trata da história oficial, mas da história real e
indesmentida(955).
Assim, indispensável retomar a história da organização de classe e de suas lutas em nosso país.
Já dito e devemos repetir: No fim do século XIX, corporação era apenas um termo, uma “sobrevivência verbal”
nas palavras de quem estudou as origens do sindicalismo brasileiro, Azis Simão, ao passo que grêmios eram as
sociedades de socorros mútuos. As primeiras organizações operárias foram as ligas, como regra de ofícios vários,
voltadas para a defesa de interesses imediatos e comuns, especialmente salários e jornada(956). A primeira organi-
zação de feição sindical teria sido a Imperial Associação Tipográfica Fluminense, fundada em 1853, que teria, tam-
bém, comandado a primeira greve como tal conhecida, cinco anos depois. Só a partir de 1900 começam a surgir
associações e sindicatos(957). O período de resistência, isto é, de associações que procuraram resistir ao capitalismo
emergente no Brasil, iniciou-se em 1888 segundo José Albertino Rodrigues com o aparecimento de organizações
que se denominavam união, liga, associação e até sindicato de resistência, quase sempre empolgadas pelo pensa-
mento político, no caso socialista, abrangendo positivistas, evolucionistas e marxistas(958). O crescimento econômico
a partir de 1903, sob o governo Rodrigues Alves, possibilitou que movimentos reivindicatórios fossem vitoriosos,
estimulando o associacionismo, desencadeando movimentos grevistas. Eram sindicatos de três tipos na avaliação
do historiador Cláudio H. M. Batalha: associações pluriprofissionais, sobretudo em cidades ou bairros de pouca ou
nenhuma organização por profissão; as organizações por ofício, predominantes até a segunda metade dos anos
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1910 e os sindicatos por indústria(959). A partir de 1880 o movimento sindical muda de feição, transformando-se
com o surgimento de novos elementos, como o crescimento do mercado interno, a expansão produtiva industrial,
ampliação do comércio e a imigração, com a chegada de levas cada vez maiores de italianos, espanhóis e portu-
gueses que “trazem na bagagem” ideias novas, conforme o estudo precioso de Edgar Carone, “parte da geração
pós-repressão europeia de 1850, cujo canto de cisne é a Comuna de Paris”. O sindicato assume tendência anarcos-
sindicalista ou corporativista, ou ainda, liga-se à igreja(960). A importância dos anarquistas é retratada por Carone,
para quem “o movimento operário até os anos 1920 é preponderantemente anarquista, devido, em grande parte, à
origem dos imigrantes vindos da Itália, Espanha e Portugal, onde as tendências libertárias estão mais arraigadas do
que o marxismo”. A solidariedade, o anticlericalismo, o internacionalismo são as base do pensamento anarquista,
mas também o antibelicismo e o apartidarismo. Nem por outra razão as ideias não se expandem, ficando restritas
aos militantes(961). Everardo Dias destaca o papel dos socialistas que constituíam pequenos núcleos para a difusão
de seu ideal, quase sempre clandestinos para evitar a repressão policial, enquanto o “operário nacional que não
estava comprometido eleitoralmente com os chefetes do bairro era analfabeto, aviltado, cheio de preconceitos
e abusões depressores de sua individualidade. Era, assim, limitadíssimo o número de nacionais com que se podia
contar e estes mesmos em sua maioria não eram operários, pertenciam à pequena classe média desiludida com a
política republicana, mas inimigos de toda disciplina, que confundiam com sujeição, e isto representava uma coisa
que repeliam com altivez, porque lhes lembrava escravidão”(962).
Teve importância decisiva para o sindicalismo de resistência o I Congresso Operário Brasileiro de 1906,
realizado no Rio de Janeiro no período de 15 a 20 de abril, quando se chocam duas correntes, dos socialistas e
anarcosindicalistas; estes, embora minoritários, conseguem descartar a ideia de fundação de um partido político do
proletariado e aprovar suas propostas. Mas avançam definindo a natureza da organização sindical, de resistência,
contrária ao assistencialismo, tendo como fim a unidade dos trabalhadores para a defesa de seus interesses morais
e materiais, econômicos e profissionais. Sua resolução de maior importância foi a fundação de uma confederação
geral: a Confederação Operária Brasileira, que se efetiva dois anos depois com 50 associações filiadas(963). Ainda sob
o domínio dos anarquistas caiu na inatividade, reorganizando-se mais tarde, em 1912, por iniciativa da Federação
Operária do Rio de Janeiro. Desde então assume o comando de greves, da luta contra a expulsão de estrangeiros,
pelo combate à carestia, expandindo-se para todo o país. Para calá-la o governo do Marechal Hermes da Fonseca
promove no mesmo ano, por intermédio de seu filho, o Tenente Mário Hermes, nas dependências do Palácio Mon-
roe, outro congresso, que inaugurou o sindicalismo “oficialista”(964). Desprezando-o, foi convocado pela Federação
Operária do Rio de Janeiro, o II Congresso que se realizou no ano seguinte, com participação de 59 associações,
reafirmando a natureza de resistência das organizações operárias.
A atuação dos sindicatos desse tipo não foi fácil, ao contrário, significou muitas vezes ou quase sempre, de-
missão, exclusão do mercado de trabalho, perseguição, prisão, expulsão do país e até mortes. Basta dizer que dois
dias depois da edição da Lei Sindical de 1907 foi aprovada a Lei n. 1.641, que passou para a história como o nome
de seu maior defensor, Adolfo Gordo. Daí o dito comum naqueles tempos: para os sindicalistas nacionais, cadeia,
para os estrangeiros, expulsão do país. Lembrando, a “Lei Infame”, Decreto n. 4.269, de 17 de janeiro de 1921,
tinha um objetivo certo, a repressão ao anarquismo; mais tarde, já no governo Washington Luiz foi aprovado o
Decreto n. 5.221, de 12 de agosto de 1927, conhecido como “Lei Celerada. O quadro poderia ser resumido com
as palavras de Everardo Dias: “Os sindicatos tinham, dessa forma, vida muito precária, expostos constantemente
OrganizaçãoeestratégiassindicaisdassociedadesmutualistasaosindicalismoocialEmanosdemovimentosindical
noBrasilbalançohistóricoedesaosfuturosSeminário Nacional da UGT, cit., p. 35 e ss.
Os primórdios do movimento operário no Brasil. SãoPauloPrincípiospess
ParaFranciscoFootHardmannm omutualismofoi virtualmentesoterradopela lutadeclassesaclasseoperáriasob inuência
anarcossindicalistadesenvolveuasligasderesistênciaesindicatosdeofíciosváriosNem pátria nem patrãoSãoPauloBrasiliense
1993. p. 33).
 A República velha I, cit., p. 213 e ss.
Obcitpess
SegundoEliezerPacheco naverdadefoioterceirocongressoo foieme osegundoem O partido comunista
brasileiroSãoPauloAlfaOmegap
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