A sinistra emergencia do invisivel: trabalhadores terceirizados e a crise da Uerj.

AutorBraile, Leila

Certa vez, Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido, ao lembrar o depoimento de uma das mulheres participantes do grupo de T.O. "Marias do Brasil", disse, emocionado, que uma das herancas mais importantes daquela experiencia dramaturgica, ao mesmo tempo politica e terapeutica, era o de dar visibilidade aquelas trabalhadoras que, no ordinario dos dias, circulam como sombras pelas casas das familias brasileiras.

Boal fazia, entao, em um primeiro plano, referencia a uma visibilidade literal, pois o grupo de teatro, formado essencialmente por empregadas domesticas, acabara de se apresentar em um palco iluminado e, em contraste, na penumbra da plateia, alem dos familiares, amigos e com panheiros de militancia, la estavam alguns dos patroes daquelas mulheres, na situacao, possivelmente incomum, de considera-las para alem de suas funcionalidades ou de, pela primeira vez, ve-las simplesmente.

Assim, o artifice do teatro do oprimido lembrava, e certo, os efeitos emocionais da experiencia de ser visto, quando, para alguem, ser visto e um fato inusitado--o que, evidentemente, nao e pouco--, mas, acima de tudo, sublinhava, como consequencia deste impacto psiquico, a viagem sem volta de se passar a ter um corpo humano, um tempo humano e um lugar humano para, finalmente, existir e confrontar-se com a alienacao.

A memoria deste episodio nao e enfeite literario. No mundo inteiro, a marca moral da financeirizacao do trabalho tem sido a progressiva invisibilizacao do trabalhador. Quanto mais precarias sao as relacoes laborais, maior e o apagamento dos tracos de intencionalidade e sentido do trabalho. Mas algo de importante sai do lugar quando a engrenagem que mobiliza essa massa surda tangencia seus ciclos de crise. No Estado do Rio de Janeiro nao tem sido diferente. Ao contrario, os servicos publicos em geral e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro em particular sao, ha um tempo ja bastante inaceitavel, o laboratorio de ensaio para a desarticulacao do estado como entidade garantidora de direitos.

Desse processo ha muitas e devastadoras consequencias para todos, mas, principalmente, como sempre, para os trabalhadores que ocupam o chao da piramide socioeconomica. Um cenario que se sintetiza na figura do trabalhador terceirizado. Na Uerj, sem os seus salarios minimos, sem condicoes de trabalho e sem saida, a maioria, por um certo tempo, so comeu o pao que a solidariedade pode arrecadar. Houve sinistros relatos de fome e despejo. No fim, abriu-se a...

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